Acórdão nº 12422/16.0T8LSB.L1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelLUÍS ESPÍRITO SANTO
Data da Resolução31 de Janeiro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo nº 12422/16.0T8LSB.L1.S1 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção).

I - RELATÓRIO.

AA, BB, CC e DD instauraram a presente acção de condenação, em processo declarativo comum, contra Banco BIC Português, S.A..

Essencialmente alegaram: São os únicos e universais herdeiros de EE, esposa do 1º A. e mãe dos 2º, 3º e 4º A.A., sendo todos os A.A. emigrantes em ..., onde residem e trabalham.

O 1º A. e a sua falecida esposa eram pessoas de humilde condição social e pouca instrução escolar e tinham no R., em Abril de 2006, uma aplicação no montante de €99.999,99 que, em 8 de Maio de 2006, alguém desse banco resgatou à sua revelia e, ato contínuo, subscreveu em nome do A. duas “Obrigações SLN 2006”, debitando de imediato tal valor na sua conta de depósitos à ordem, não tendo sido dado a assinar ao 1º A. ou à sua falecida esposa o boletim de subscrição de tais obrigações.

Quando confrontados com o facto consumado o 1º A. e a sua falecida esposa conformaram-se com a actuação ilegítima e abusiva do banco, porque lhes foi afiançado pelos funcionários do banco que se tratava de um sucedâneo melhor remunerado de um depósito a prazo, com características semelhantes e sem risco, tendo-lhes sido assegurado que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo banco.

Não lhes foi fornecida nota informativa da operação, desconhecendo os A.A. que se tratava de créditos subordinados.

Em 10 de novembros de 2009, o 1º A. solicitou junto do R. que lhe fosse devolvido o seu dinheiro e pretendeu fazê-lo por escrito, tendo o funcionário do banco, aproveitando-se do facto de o A. já não dominar completamente a língua portuguesa, preenchido tal pedido onde escreveu que solicitava a cedência/venda das “Obrigações SLN 2006”, no valor de €100.000,00, o mais breve possível.

O R. terá assim violado os deveres de informação, lealdade e proteção e constituiu-se na obrigação de indemnizar.

Concluem pedindo a condenação do R. a restituir-lhes a quantia de €107.320,40, acrescida de juros à taxa legal para as operações comerciais, desde a citação e até integral e efetivo pagamento.

Citado, o R. contestou, invocando a ineptidão da petição inicial e a prescrição do direito dos A.A..

No mais, impugna o alegado, dizendo que agiu de acordo com as instruções dos A.A., tendo-lhes explicado as caraterísticas do produto que subscreveram.

Mais alegou que os A.A. receberam os juros devidos até abril de 2015 e que apenas intentaram a ação após a entidade emitente não ter procedido ao reembolso do capital na data devida.

Realizada a audiência de julgamento e discutida a causa, veio a ser proferida sentença que julgou a exceção de prescrição procedente por provada e a acção improcedente por não provada, absolvendo o R. do pedido.

Interpuseram os AA. recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão datado de 18 de Fevereiro de 2020, julgado improcedente a apelação, confirmado a sentença recorrida.

Veio a A. interpor recurso de revista, apresentando as seguintes conclusões: A.

O tribunal recorrido não deu cabal cumprimento ao douto acórdão deste colendo tribunal de 6 de janeiro de 2020.

B.

O Venerando Tribunal recorrido não deu cumprimento ao disposto no artigo 662.º do C.P.C., pois não teve em devida conta o depoimento do funcionário do Banco réu que vendeu o produto ao autor (a testemunha FF), nem o da testemunha GG (outro funcionário do balcão onde o A. tinha a conta) , nem de igual modo, valorou um documento fundamental para a economia do processo – o documento n.º ...2 da p.i..

C.

O documento n.º ...2 da p.i., não foi impugnado pelo Banco réu, pelo que tinha forçosamente de ter sido valorado, segundo as regras do artigo 376.º do C.C.

D.

Nomeadamente, tinha de ter sido atribuída força de prova plena às declarações atribuídas ao Banco réu, seu autor – artigo 376.º, n.º 1 do C.C., in fine.

E.

A sentença proferida em 1.ª instância decidiu que: “Considerando as características das Obrigações SLN 2006, acima descritas, as informações fornecidas pelos funcionários do Banco, e as circunstâncias concretas de tempo em que tiveram lugar, temos de concluir que o Banco não violou os deveres de intermediário financeiro e, desde logo, o dever de informação”.

F.

Tal entendimento foi mantido no douto Acórdão da Relação de Lisboa, de 2.4.2019, entretanto anulado pelo douto Acórdão deste Colendo Tribunal, de 6.1.2020, onde se decidiu que: “Considerando as características das Obrigações SLN 2006, acima descritas, as informações fornecidas pelos funcionários do Banco, e as circunstâncias concretas de tempo em que tiveram lugar, temos de concluir que o Banco não violou os deveres de intermediário financeiro e, desde logo, o dever de informação”.

G.

Ao invés, no douto acórdão agora recorrido, mantendo-se praticamente intacta a matéria de facto fixada em 1.ª instância, entendeu-se que: “Em suma, houve incumprimento de deveres típicos de intermediação financeira, sendo o comportamento do r.

objetivamente ilícito, encontrando-se indiciados os primeiros dois pressupostos da responsabilidade civil em consideração”.

H.

Nos termos do disposto no artigo 674.º, n.º 3 do C.P.C., o erro na apreciação das provas e na afixação dos factos materiais da causa pode ser objeto de recurso de revista quando se verifique a ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

I.

O tribunal a quo incorre em completa falta de lógica quando refere que: “FF só se sente responsável pelo facto de, se não tivesse contactado com o A.

naquela altura, este não teria perdido o seu dinheiro.

”, se tivermos em conta as declarações prestadas em audiência de julgamento pela referida testemunha.

J.

Não percebemos também como pode o tribunal a quo manter como não provado que “a – Os AA.

não tinham realizado no BPN operações de volume significativo nos mercados de valores mobiliários, com a frequência média de, pelo menos, 10 operações por trimestre ao longo dos últimos 4 trimestres” e que “b- Os AA.

não tinham uma carteira de valores mobiliários de montante superior a €500.000,00”, quando bastaria atentar nos Docs. ...1 e ...5 da p.i. para aquilatar da veracidade de tais factos… K.

Estando tais pontos da matéria de facto devidamente documentados, deveriam ter sido os mesmos dado por provados, tanto mais que, segundo as regras de repartição do ónus da prova, competia ao réu Banco réu demonstrar que os autores haviam já realizado quaisquer das operações supra descritas, o que não aconteceu.

L.

Outra enorme contradição do tribunal a quo é manter como não provado que “c – Os AA.

não tinham prestado funções, pelo menos durante 1 ano, no setor financeiro, numa posição profissional em que seja exigível o conhecimento do investimento em valores mobiliários”, atentos os factos provados (pela 1.ª instânci

  1. B), C) e D).

    M.

    Não se pode dar por provado que o primeiro autor e a sua falecida mulher eram pessoas de humilde condição social e que não tinham, qualquer deles, mais do que o ensino primário completo para depois não se dar por provado que os autores não possuíam qualquer conhecimento do investimento em valores mobiliários, muito menos que tinham prestado funções, pelo menos durante 1 ano, no setor financeiro, numa posição em que fosse exigível tal conhecimento.

    N.

    O princípio da liberdade da apreciação das provas não confere ao julgador uma liberdade plena e ilimitada: tal liberdade tem, forçosamente, de ter por limites a lógica e a racionalidade.

    O.

    A prolação do douto acórdão recorrido vai contra a jurisprudência constante e quase uniforme do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, bem como deste Colendo Tribunal.

    P.

    O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa prolatou, entre muitos outros, o Acórdão de 19/04/2018 (HH – ... Secção), proferido no processo n.º 6779/16.... (Acórdão fundamento); o Acórdão de 29/05/2018 (II – ... Secção), proferido no processo n.º 34086/15....; o Acórdão de 19/09/2017 (JJ – ... Secção), proferido no processo n.º 753/16....; o Acórdão de 22/03/2018 (KK – ... Secção), proferido no processo n.º 14202/16....; o Acórdão de 15/03/2018 (HH – ... Secção), proferido no processo n.º 20403/16....; o Acórdão de 20/02/2018 (LL – ... Secção), proferido no processo n.º 13809/16.... e o Acórdão de 18/01/2018 (MM – ... Secção), proferido no processo n.º 3858/15...., em sentido completamente oposto ao agora professado, em causas da mesma natureza e basicamente com os mesmos intervenientes (de um lado, lesados pela venda de obrigações da SLN aos balcões do BPN e do outro o ora réu e recorrido, o Banco BIC).

    R.

    O entendimento professado no douto acórdão agora recorrido colide frontalmente com aquele professado no acórdão fundamento, de 19/04/2018.

    S.

    Existe uma identidade total entre as causas: obrigações SLN 2006, vendidas, em ambos os casos, no balcão do BPN, de ....

    T.

    O douto acórdão recorrido está ainda em frontal contradição com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29/05/2018 (II – ... Secção), proferido no processo n.º 34086/15...., em tudo também idêntico ao dos autos, bem como com o douto acórdão deste Colendo Tribunal, datado de 10/04/2018, (NN), proferido no âmbito do Processo n.º 753/16...., e com o douto acórdão também deste Colendo Tribunal, datado de 18.09.2018, (Salreta Pereira), proferido no âmbito do Processo n.º 20329/16.....

    U.

    No caso dos autos, o documento que foi dado a preencher ao primeiro autor era um documento típico de “Depósitos a prazo e de poupança”, do qual constavam as menções “Curto prazo” e “100.000,00” e a data de 5/4/2006, como sendo a data de constituição do depósito.

    V.

    Nem o primeiro autor nem a sua falecida mulher assinaram, em momento algum, qualquer boletim de subscrição das obrigações dos autos.

    W.

    O Banco réu, numa atitude reprovável, ilícita e dolosa, convenceu o primeiro autor a sua falecida esposa de que haviam subscrito um “depósito a prazo e de poupança”, de “curto prazo”, para, na sua...

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