Acórdão nº 343/21.0GBBCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelPEDRO FREITAS PINTO
Data da Resolução21 de Novembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes que integram a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães.

I – Relatório Decisão recorrida No âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) nº 343/21.0GBBCL, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Local Criminal de Barcelos, foi proferida no dia 11 de maio de 2022, a seguinte sentença, cuja parte decisória se transcreve: “Pelo exposto, julga-se a acusação procedente e, em consequência, decide-se condenar o arguido P. J. pela prática, na forma consumada de um crime de desobediência, previsto e punido pelos artigos 348.º, n.º 1, alínea a) e 69.º, n.º 1, alínea c), ambos do Código Penal e 152.º, n.º 3, do Código da Estrada: a) na pena principal de 40 dias de multa, à razão diária de € 7,00, no total de € 280,00 (duzentos e oitenta euros); b) pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 (seis) meses”.

*Recurso apresentado Inconformado com tal decisão, o arguido P. J. veio interpor o presente recurso e após o motivar, apresentou as seguintes conclusões e petitório, que se reproduzem: “C - CONCLUSÕES: 1. O arguido/Recorrente não se pode conformar com a sentença proferida, merecendo a mesma censura, pelo que o recurso versará sobre a matéria de direito, no que concerne à determinação da pena acessória, como veremos infra.

I – DA NÃO APLICAÇÃO DA PENA ACESSÓRIA 2. Ao dizer-se no artigo 30º n.º 4 da Constituição que “Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos”, pretende-se dizer que nenhuma condenação ou sanção envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis (incluindo o de conduzir), profissionais ou políticos.

  1. De facto, dizer-se que a norma supra transcrita só se aplica quando a aplicação da pena acessória dependa da gravidade, da espécie ou tipo de pena/sanção principal, salvo o devido respeito, é fazer-se uma interpretação falaciosa da norma em questão.

  2. O princípio da não automaticidade dos efeitos das penas acessórias pressupõe, assim, um juízo autónomo, com base em critérios legais, que permita averiguar da necessidade do efeito da pena (a perda de um determinado direito) - cfr. Constituição Portuguesa Anotada, de JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Tomo I, pág. 338.

    Pelo que, por demasiado onerosa e pelo facto de colocar em causa a vida pessoal e a saúde do Arguido, ficar inibido de conduzir pelo período de 6 meses é excessivo e desproporcional.

  3. Com efeito, a lei não faz depender do preenchimento de qualquer pressuposto, a aplicação da pena acessória de “inibição de conduzir”, ou seja, a aplicação da pena acessória decorre necessária e automaticamente da prática do crime, sem que seja aquilatada a sua necessidade no caso concreto, daí a violação dos artigos 18.º n.º 2 e 30.º n.º4 da Constituição.

  4. Por todo o exposto, é inconstitucional o entendimento que perfilhe que a pena acessória decorre necessária e automaticamente do sancionamento crime mencionado na douta sentença, sem que seja aquilatada a sua necessidade no caso concreto, por violação do disposto no artigo 18.º, n.º 2 e 30.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, que assim expressamente se argui.

  5. E, neste caso, deve o Arguido ser absolvido da condenação na pena acessória.

    MERAMENTE À CAUTELA, CASO SE ENTENDA QUE DEVE SER APLICADA AO ARGUIDO A PENA ACESSÓRIA DE INIBIÇÃO DE CONDUZIR, II - DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA ACESSÓRIA: 8. Admitindo-se a hipótese de ser de aplicar a pena de inibição de conduzir, deve a mesma ser suspensa da execução no caso de estarem verificados os pressupostos de que a lei penal faz depender a suspensão da execução das penas.

  6. Esses pressupostos, nos termos do artigo 50º do Código Penal, são: a personalidade do agente, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, e a conclusão que a simples censura do facto realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

  7. Na presente situação, e por tudo o anteriormente alegado, quanto à conduta e personalidade do Arguido, parece, salvo melhor opinião, ser esta medida adequada a afastar o Arguido da prática de crimes, simultaneamente, satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção do ilícito de mera ordenação social.

  8. Atentas todas as circunstâncias descritas e argumentos aduzidos, deverá ser concedida a suspensão da execução da pena acessória.

    Porque o Arguido necessita de conduzir para ir trabalhar, pois que exerce a sua atividade profissional fora do seu concelho de residência, para ir às compras, portanto para assegurar os mínimos básicos do seu bem-estar, sendo certo que não detém qualquer outra condenação anterior.

  9. Sendo certo que, se lhe for concedida a suspensão da execução da pena acessória de inibição de conduzir, compromete-se a acatá-la rigorosamente, com um grande sentido de responsabilidade e sem qualquer tipo de hesitação.

  10. Como tal, o Arguido merece que lhe seja dada uma nova oportunidade, servindo-lhe a suspensão da execução da pena acessória de inibição de conduzir como uma lição de vida, e como um exemplo de que jamais voltará a acontecer uma situação deste tipo.

  11. Sendo certo que, quanto à sua personalidade, o Arguido é uma pessoa equilibrada, ponderada, honesta, e extremamente responsável.

  12. Quanto às condições de vida, a carta de condução é imprescindível, a nível pessoal e por motivos profissionais.

  13. O Arguido é uma pessoa cumpridora da legalidade, máxime do Código da Estrada, sendo que tem vários anos de carta de condução e nunca esteve envolvido em acidente de viação, nem nunca teve qualquer processo crime por estes motivos.

  14. Daí que, pelo exposto, o arguido merece que lhe seja dada uma nova oportunidade, até porque o Arguido interiorizará o desvalor da sua conduta.

  15. A simples censura do facto realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

  16. Pelo que deverá a pena acessória ser suspensa na sua execução.

  17. MERAMENTE À CAUTELA, CASO SE ENTENDA QUE DEVE SER APLICADA AO ARGUIDO A PENA ACESSÓRIA DE INIBIÇÃO DE CONDUZIR, E NÃO DEVA A MESMA SER SUSPENSA, 21. III – DA PENA ACESSÓRIA EXCESSIVA 22. No que diz respeito à pena acessória de seis meses afigura-se, também, a mesma, excessiva, desproporcional e desajustada.

  18. Na verdade, tendo em conta o já referido quanto à inserção social e profissional do Arguido e ter o seu cadastro rodoviário e cadastro criminal sem ocorrências, nunca tendo estado envolvido em nenhum acidente de viação, nunca a sua conduta estradal tendo sido objeto de qualquer censura, ter demonstrado arrependimento, a sua postura, a sua situação económica e social e o facto de ter uma necessidade absoluta e continuada de conduzir veículos automóveis no âmbito da sua vida pessoal, uma vez que exerce a sua atividade profissional fora do seu concelho de residência, são circunstâncias que militam a favor do arguido, e portanto, a pena acessória deveria ter sido inferior.

  19. “A pena acessória visa, tão só, prevenir a perigosidade do agente, muito embora se lhe assinale também um efeito de prevenção geral, enquanto que a pena principal tem em vista a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” – cfr. Ac. RC, de 07/11/1996, in BMJ, 461, pág. 538.

  20. Ora, no confronto entre as circunstâncias que depõem contra o arguido/Recorrente e as que depõem em seu favor, parece-nos que a medida da pena acessória que se nos afigura proporcional e adequada deve situar-se na pena de proibição de conduzir por um período de três meses.

  21. Portanto, afigura-se como adequada a proibição de conduzir pelo mínimo estabelecido por lei, por ser a mais ajustada aos fins ressocializadores tidos em vista.

  22. Pelo que, perante este circunstancialismo e face ao exposto supra, deveria ter sido aplicado ao arguido a pena acessória de proibição da faculdade de conduzir veículos motorizados pelo período de um mês, o que se considera justa, adequada e proporcional aos fins de prevenção geral e especial que o caso requer.

    Não o tendo feito o tribunal recorrido não salvaguardou a reintegração do Recorrente na sociedade, violando o consagrado nos artigos 40.º, 71.º e 69.º al. a) do Código Penal.

  23. Assim, deve o recurso ser julgado provado e procedente nos termos supra expostos.

    TERMOS EM QUE, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que:

    1. Absolva o Arguido da pena acessória de proibição de conduzir.

    2. Caso assim não se entenda, sem prescindir, seja suspensa na sua execução a pena acessória de inibição de conduzir.

    3. Caso assim não se entenda, sem prescindir, não seja a pena acessória superior a um mês de inibição de conduzir.

    ASSIM FARÃO V.EX.AS INTEIRA JUSTIÇA.

    *Resposta ao recurso por parte do Ministério Público.

    Na primeira instância, o Ministério Público, apresentou resposta pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida.

    Apresenta as seguintes conclusões, que se reproduzem: I - A pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor foi fixada em 6 meses, tendo por referência a moldura abstrata e segundo os critérios gerais de determinação das penas, previstos nos artigos 40.º e 71.º do CP, não sendo, assim, aplicada de forma automática, como referido pelo recorrente, pelo que não violou os art.ºs 18.º, n.º 2 e 30.º, n.º 4 da CRP.

    II – Não existe norma legal, no Código Penal ou no Código de Processo Penal, que permita a suspensão da execução da pena acessória ou sequer o seu cumprimento descontínuo, designadamente aos fins-de-semana, nas férias ou...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT