Acórdão nº 1248/15.9T9AVR-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 23 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelPEDRO VAZ PATO
Data da Resolução23 de Novembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 1248/15.9T9AVR-A.P1 Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto I - A assistente e demandante AA vem interpor recurso do douto despacho do Juiz 2 do Juízo Local Criminal de Aveiro do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro que declarou a incompetência material desse Tribunal para conhecer do pedido de indemnização civil por ela formulado contra a arguida BB e contra o Centro Hospitalar ..., E.P.E. e absolveu estes demandados da instância cível.

Da motivação do recurso constam as seguintes conclusões: «1ª – O presente recurso versa sobre a matéria de direito e respetiva fundamentação da sentença proferida nos presentes autos que, nos termos e para os efeitos dos artigos 96.º, 97.º, nºs 1 e 2, 99.º, nº 1, 278º, nº 1, al. a) e 577.º, al. a), 595.º, n.º 1, e 597, n.º 1, al. c) do CPC, determinou, por despacho proferido a 3.6.2022, a incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria, absolvendo os demandados da instância cível.

  1. – A aqui Recorrente, notificada para o efeito, deduziu em 13 de Julho de 2020, na qualidade de assistente, pedido de indemnização civil contra os então arguidos demandados e o Hospital 1... - EPE, e aderiu ao douto libelo acusatório.

  2. – Neste pedido, a arguida demandada é demandada enquanto agente da prática do facto e o demandado Centro Hospitalar ..., enquanto comissário (entidade por conta, e ao serviço, de quem agiu a arguida demandada).

  3. – O despacho / sentença em crise decidiu verificar-se a excepção de incompetência do tribunal em razão da matéria, e consequentemente, nos termos previstos nos artigos 97.º e 98.º do Código de Processo Civil , absolver os demandados da instância cível.

  4. – Ora, tal despacho sentença viola o artigo 71.º e 73.º do Código de Processo Penal que estatuem o princípio da adesão obrigatória do pedido de indemnização civil enxertado no processo penal.

  5. – O pedido de indemnização civil, nos termos em que foi deduzido pela ali assistente e demandante, aqui recorrente, funda-se na prática do crime de que a arguida e demandada foi pronunciada: um crime de homicídio negligente p. e p. pelo disposto no art. 137.º nº 1 do Cód. Penal (homicídio negligente por via de intervenção da violação das legis artis).

  6. – No caso sub judice não estamos perante um caso típico de conflito de jurisdições pela simples razão de que a responsabilidade extra-contratual em questão deriva da existência de um crime e o pedido de indemnização está conexo com a verificação ou não da prática desse crime.

  7. – É esta a razão pela qual não tem sentido algum o despacho/sentença recorrido tentar abrigar-se nas considerações do Ex.mo Sr. Conselheiro António Henriques Gaspar, pois que, também ele, como não podia deixar de ser, reconhece que a jurisdição competente é encontrada com base na natureza jurídica da relação determinante, a qual é aqui, como deixámos demonstrada, a prática de um crime.

  8. – Com efeito, definindo-se a competência do Tribunal, em razão da matéria, pela natureza da relação jurídica tal como é apresentada pelo autor na petição inicial, isto é, no confronto entre o respectivo pedido e a causa de pedir, e sem esquecer, conforme fez a sentença em crise, que estamos perante um pedido de indemnização civil enxertado no processo penal, no âmbito do qual vigora o princípio da adesão, é por demais evidente que não se pode deixar de concluir pela competência do tribunal criminal para conhecer do pedido civil deduzido pela ali demandante, ora recorrente.

  9. – A causa de pedir do pedido de indemnização civil deduzido nos autos é constituída pelos mesmos factos que também são pressuposto da responsabilidade criminal e com base nos quais os arguidos vinham acusados e vem agora apenas uma arguida pronunciada.

  10. – Aliás, é este o entendimento absolutamente pacífico na nossa jurisprudência, conforme supra se exemplificou com o teor de alguns Acórdãos recentes que aqui damos por reproduzidos: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito dos autos de processo n.º 73/99.7TAVIS.C1.S1, datado de 03-12-2009 disponível em www.dgsi.pt, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no âmbito dos autos de processo n.º 89/16.0NLLSB-AG.L1-9, datado de 07-02-2019 disponível em www.dgsi.pt, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido nos autos de processo n.º 65/17.6T9FVN-A.C1, datado de 26-06-2019, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 08.05.2012, disponível em www.dgsi.pt.

  11. – No caso vertente, os factos geradores da responsabilidade civil são os mesmos que justificam a responsabilidade criminal da agora arguida demandada e do Hospital demandado, pois que o que está na base da responsabilidade criminal da agora arguida de acordo com a decisão instrutória de pronúncia é o facto de, pelo menos a arguida BB, perante um doente que tinha indicação para ser assistido no prazo máximo de 10 minutos (segundo a triagem do senhor enfermeiro que estava presente naquele episódio de urgência) não ter sido, nem assistido, nem sequer visto, não tendo pois aquela arguida ordenado qualquer exame de diagnóstico ou tratamento, nem sequer olhado para o doente para o tratar, apenas tendo o doente sido visto passadas 2 horas e 15 minutos.

  12. – Ora, na douta decisão de pronúncia, ao não ter agido como lhe era exigido, a arguida provocou, por omissão, a morte da vítima, pois quando este foi assistido já não o foi em tempo útil, tendo vindo a falecer passadas 16 horas, o que noa termos da douta decisão instrutória se deveu à violação clara das legis artis.

  13. – Tais actuações omissivas constituem a causa de pedir no pedido de indemnização civil formulado pela demandante, aqui recorrente, pelo que deverá ser revogado o despacho sentença que declarou a incompetência em razão da matéria e absolveu os demandados da instância cível, e consequentemente ser substituído por outro despacho que admita o pedido de indemnização civil enxertado no processo penal.

    O Demandado Centro Hospitalar ..., E.P.E. apresentou resposta a tal motivação., pugnando pelo não provimento do recurso. Dessa resposta constam as seguintes conclusões: «1ª O Centro Hospitalar ..., E.P.E. foi criado pelo DL 30/2011, de 02.03, sendo que, nos termos do artº 18º/1 do DL 18/2017, de 10.02, “As E.P.E., integradas no SNS são pessoas colectivas de direito público de natureza empresarial dotadas de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, nos termos do regime jurídico do sector público empresarial”.

  14. É uma pessoa colectiva de direito público e natureza empresarial, integrada no Serviço Nacional de Saúde, prestando, em conformidade, um serviço público de prestação de cuidados de saúde aos seus utentes; para cuja prossecução recorre a funcionários, agentes e trabalhadores com os quais estabelece um vinculo jurídico, nos termos do qual aqueles agem sob a sua orientação e no seu interesse; sendo através destes que se materializa, com o universo de utentes, uma relação de serviço público.

    Tendo a vinculação de um hospital público, perante utentes ou terceiros, a natureza de uma relação de serviço público, a responsabilidade em que incorre assume, necessariamente, carater extracontratual.

  15. Apesar de a Recorrente alegar que “a arguida é demandada enquanto agente da prática do facto e o demandado Centro Hospitalar...

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