Acórdão nº 239/20.2T8VRL.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Novembro de 2022
Magistrado Responsável | MARIA DA GRAÇA TRIGO |
Data da Resolução | 10 de Novembro de 2022 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1.
AA, BB e CC, na qualidade de viúva e filhos do falecido DD, respectivamente, intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Vitória Seguros, S.A.
, pedindo que se reconheça e declare que o acidente descrito nos autos se ficou a dever única e exclusivamente à culpa do condutor do veículo ligeiro de passageiros ..-..-CN e, consequentemente, seja a R. condenada a pagar: a) À A. AA, a quantia de € 376,594,41 (€ 285.210,00 + € 91.384,41, esta última quantia resultante de requerimento de ampliação do pedido apresentado em 13.06.2021, deferido por despacho proferido em audiência de julgamento), a título de indemnização pelos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência do acidente; b) Ao A. BB, a quantia de € 30.000,00, a título de danos não patrimoniais sofridos em consequência do acidente; c) À A. CC, a quantia de € 30.000,00, a título de danos não patrimoniais sofridos em consequência do acidente; d) Pagar juros legais contados desde a data de citação até integral pagamento; e e) Pagar custas e procuradoria condigna.
Alegam os AA. o seguinte: Na sequência de acidente de viação, ocorrido no dia 7 de Outubro de 2018, cerca das 17.10 horas, na Estrada Regional ...., Km 9,650, concelho ..., distrito ..., faleceu DD, marido e pai dos AA..
Foi interveniente neste acidente o veículo ligeiro de passageiros, tipo misto, com a matrícula ..-..-CN, conduzido pelo seu proprietário EE, nele seguindo como passageiro a vítima DD.
O acidente ficou a dever-se à culpa exclusiva do condutor da viatura, que, ao despistar-se e invadir a berma da estrada, realizou uma condução descuidada, desatenta, precipitada e imprudente, violando regras de circulação impostas pelo Código de Estrada.
À data do acidente, a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pelo veículo ..-..-CN, propriedade de EE, encontrava-se transferida para a aqui demandada Victória Seguros, S.A., através da apólice n.º ...58.
Concluem pelos pedidos indemnizatórios supra enunciados.
Devidamente citada, veio a R. contestar, admitindo a existência do acidente e a responsabilidade do seu segurado, assim como a transferência da responsabilidade civil emergente da circulação do veículo interveniente no acidente, por via do referido contrato de seguro, válido e eficaz à data da ocorrência do acidente.
No mais, impugna, por desconhecimento, a factualidade relativa aos danos patrimoniais e não patrimoniais, concluindo pela procedência da acção conforme a prova que vier a ser produzida.
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Por sentença de 3 de Julho de 2021 foi proferida a seguinte decisão: «Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente, declarando-se que: i) o acidente dos autos se ficou a dever exclusivamente à culpa do condutor do “CN”; e ii) os Autores únicos e universais herdeiros do sinistrado DD e, consequentemente, condena-se a Ré VITÓRIA SEGUROS, S.A., a pagar: 1. À autora AA, viúva, a) - a quantia global de €184.900,00 (cento e oitenta e quatro mil e novecentos euros), a título de indemnizações, acrescida de juros, calculados à taxa legal, desde a presente decisão até integral pagamento; b) - a quantia de €1.310,00 (mil trezentos e dez euros), a título de despesas de funeral, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.
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Ao autor BB, a quantia de €20.000,00 (vinte mil euros), a título de indemnização, acrescida de juros, calculados à taxa legal, desde a presente decisão até integral pagamento.
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À autora CC, a quantia de €20.000,00 (vinte mil euros), a título de indemnização, acrescida de juros, calculados à taxa legal, desde a presente decisão até integral pagamento.
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Julga-se improcedente o remanescente dos pedidos deduzidos pelos Autores e dele se absolve a Ré».
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Inconformados com tal decisão, interpuseram recurso de apelação tanto os AA. como a R. seguradora.
Por acórdão de 7 de Abril de 2022 foi decidido o seguinte: «Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação da Ré seguradora, e, parcialmente procedente, o recurso de apelação dos Autores, elevando-se para o valor de € 70.000,00 o quantum indemnizatório relativo à perda do direito à vida do sinistrado, elevando-se para o valor de € 40.000,00 o quantum indemnizatório relativo aos danos morais do sinistrado, e, para o valor de € 40.000,00 o quantum indemnizatório relativo aos danos morais da Autora, viúva do sinistrado, e, no tocante à indemnização por dano patrimonial fixado em c) supra (€ 1.500,00 € pela perda de rendimento pelo período de 50 dias a que esteve internado), quanto a este valor se contando os respectivos juros de mora desde a data da citação, e, em tudo o mais se mantendo o decidido.».
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Vêm os AA. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando extensas conclusões nas quais, em síntese, pretendem: - Que sejam fixados em montantes mais elevados as quantias indemnizatórias respeitantes: - Aos danos patrimoniais futuros, seja pela «perda do contributo remuneratório, enquanto dano patrimonial pela frustração de alimentos», seja «pela perda da utilidade económica das tarefas agrícolas que a vítima deixou de poder executar no granjeio do terreno de produtos para consumo de casa»; - Ao «dano referente ao sofrimento da vítima antes da morte»; - Ao «dano sofrido pelos filhos em consequência da morte do seu pai».
- Que seja alterada a data a partir da qual se vencem juros moratórios.
5.
A R. contra-alegou, pugnando pela inadmissibilidade do recurso dos AA. pelas seguintes razões: «Pese embora as decisões judiciais sejam impugnáveis por meio de recurso (art.º 627.º, n.º 1, do CPC), a admissibilidade do presente recurso está condicionada, através de limites objectivos fixados na lei (cfr. Carlos Lopes do Rego, Acesso ao direito e aos tribunais, in Estudos sobre a Jurisprudência do Tribunal Constitucional, 1993, pág. 83).
Um dos limites ou obstáculos é a verificação da dupla conforme, o qual está previsto no art.º 671.º, n.º 3, do CPC, que dispõe: “Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte”.
O artigo seguinte reporta-se à revista excepcional, pelo que é irrelevante para a admissão da revista normal, única interposta. E os casos em que o recurso é sempre admissível estão previstos no art.º 629.º, n.º 2, do CPC.
Não se trata de nenhum dos casos previstos nas alíneas a), b), c) ou d) desse número, nem o recorrente invoca alguma delas.
No presente caso, verifica-se o obstáculo da dupla conforme, resultante do citado art.º 671.º, n.º 3, em todos os segmentos decisórios impugnados pelos Autores, senão vejamos: Os Autores recorrem dos danos patrimoniais futuros, dos quais já recorreram para o Tribunal da Relação, tendo esta instância confirmado, sem voto de vencido e com a mesma fundamentação, a decisão de primeira instância (€ 54.000,00 + € 14.400,00), verificando-se dupla conforme.
Vêm ainda os Autores recorrer do dano da pré-morte, de que também recorreram para o Tribunal da Relação, tendo esta instância aumentado o valor indemnizatório de € 25.000,00 para €40.000,00. Ora esta decisão é em sentido mais favorável aos Autores, o que a equipara à dupla conforme.
Recorrem os Autores dos danos morais sofridos pelos filhos, assim como já o fizeram para o Tribunal da Relação e esta segunda instância manteve o valor indemnizatório arbitrado pela primeira instância a cada filho, sem voto de vencido e com a mesma fundamentação, verificando-se a dupla conforme.
Os Autores recorrem ainda da data a partir da qual deverão ser calculados os juros. A primeira instância decidiu que os juros em análise seriam calculados desde a sentença. Os Autores recorreram, mas o Tribunal da Relação manteve a decisão da primeira instância, (com excepção no tocante ao dano patrimonial fixado em € 1500,00, pela perda de rendimento pelo período de 50 dias em que esteve internado, contando-se aqui desde a citação), verificando-se, uma vez mais, a dupla conforme.
Ora, em todos os segmentos decisórios impugnados pelos Autores operou a dupla conforme e, das duas uma, ou os Autores desconhecem em que consiste a dupla conforme – queremos crer que não – ou o presente recurso é a consequência da litigância com apoio judiciário, que permite a escalada das instâncias judiciárias, mesmo que contra legem.
Este recurso não é legalmente admissível, pelo que deverá ser rejeitado.
Termos em que o presente recurso não deverá ser admitido por manifesta inadmissibilidade legal.».
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Também a R. Seguradora interpôs recurso de revista, concluindo no sentido de serem reduzidos os seguintes montantes indemnizatórios: - O quantum indemnizatório relativo à perda da vida do sinistrado; - O quantum indemnizatório relativo aos danos não patrimoniais do sinistrado no período que antecedeu a morte; - O quantum indemnizatório relativo aos danos não patrimoniais da A. viúva.
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Não foram apresentadas contra-alegações ao recurso da R..
II – Admissibilidade dos recursos 1.
Por despacho da relatora foram as partes notificadas para, ao abrigo do art. 655.º do Código de Processo Civil, se pronunciarem sobre a possibilidade de não conhecimento do recurso interposto pelos AA., com fundamento em que, de acordo com a orientação consolidada da jurisprudência deste Supremo Tribunal, a conformidade das decisões das instâncias, que obsta à admissibilidade da revista (art. 671.º, n.º 3, do CPC), abrange situações como a dos autos nas quais o apelante – no caso, os apelantes AA. – retirou/retiraram benefício (reformatio in melius) da decisão da Relação relativamente à decisão da 1.ª instância.
Vieram os AA. pronunciar-se pela admissibilidade do recurso, convocando diversos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça que afirmam que a dupla conforme assenta na...
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