Acórdão nº 18/23.5GCGRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 27 de Setembro de 2023
Magistrado Responsável | FÁTIMA SANCHES |
Data da Resolução | 27 de Setembro de 2023 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam os Juízes da 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra: I. RELATÓRIO 1. … foi proferida sentença, em 30-06-2023 [referência30495114], com o seguinte dispositivo (transcrição): «Pelo exposto e ao abrigo das disposições legais citadas, decide-se julgar a acusação parcialmente procedente e, em consequência: a) condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica previsto e punido pelos artigos 14.º, n.º 1, 26.º primeira proposição, 152.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão; b) suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido por igual período de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses, ao abrigo do disposto no artigo 50.º, n.ºs 1 e 5, do Código Penal, subordinada a regime de prova, nos termos do previsto no artigo 53.º do Código Penal, a qual assentará em plano individual de readaptação a elaborar e fiscalizar pelos serviços da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, conforme estatuído no artigo 494.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, e que passará necessariamente pela proibição de o arguido contactar com a vítima BB, por qualquer meio, e de frequentar a zona habitacional e laboral da mesma durante todo o período da suspensão (dois anos e dois meses); c) julgar o pedido de indemnização parcialmente procedente e, em consequência, condenar o demandante/arguido AA a pagar à demandante/vítima BB a quantia de € 1.000,00 (mil euros), acrescida de juros de mora, contados à taxa legal em vigor, desde a data desta sentença até efetivo e integral pagamento, absolvendo-o do demais peticionado; …» 2. …, interpôs recurso a Assistente BB.
Na sequência das respetivas alegações termina apresentando as seguintes conclusões e petitório (transcrição): «1. Ficou provado que, no dia 02/02/2023, pelas 19H30, dentro da casa onde residiam, o Arguido iniciou uma discussão com a Recorrente, tendo-a empurrado para o sofá, apertando-lhe (“esmagou-lhe”) o braço esquerdo, rasgou-lhe as calças, retirou-lhe o telemóvel e, munido de uma faca de cozinha, disse que a cortava em pedaços, além disso impediu-a de pedir auxílio, tendo-lhe retirado o cartão SIM do telemóvel da mesma; 2. Provou-se igualmente que, em consequência directa e necessária da conduta do Arguido, a Recorrente apresentou as lesões constantes dos autos; 3. Provado ficou também ficou que o Arguido levou a cabo tais condutas, sem se preocupar com a saúde física e psíquica da ofendida, provocando-lhe profundo desgaste físico e emocional, sabendo que, ao agir da como agiu, no interior da residência que partilhava com a vítima, violentava aquele que deveria ser um espaço intocado, reservado, protector e securitário da Recorrente, agindo com intenção de a atemorizar, de influenciar a sua livre determinação, causando-lhe receio pela sua saúde e vida, sabendo que tal era apto a condicionar o comportamento futuro da ofendida, sendo o seu modo de proceder apropriado a criar naquela um sentimento de insegurança e inquietação, agindo sempre de forma livre, voluntária e consciente, tendo a intenção, concretizada, de atingir e molestar a ofendida, sua esposa, ofendendo-a na sua saúde física e psíquica, dessa forma pretendendo fazer ressaltar o seu poder sobre a mesma, lesando a sua integridade moral, dignidade pessoal e saúde e provocando-lhe sofrimento físico e psicológico, bem sabendo, por fim, que todas as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal; … 10. E, formulado pedido de indemnização civil, ficou igualmente provado que, em consequência directa e necessária da conduta do Arguido, a Recorrente sentiu dores, tristeza, angústia, humilhação e, medo; 11. Tais danos assumem uma gravidade merecedora da tutela do direito, pelo que são legalmente ressarcíveis; 12. Pelo que se concluiu pela existência de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, por violação do direito à liberdade, à integridade física e dignidade pessoal da ofendida; 13. A Recorrente foi fixada uma indemnização de €1.000,00, um valor, meramente, simbólico; … 15. Ponderadas as circunstâncias do caso sub judice, seria adequado fixar a indemnização devida pelo Arguido à Recorrente, no montante de, pelo menos, €5.000,00 (cinco mil euros), acrescido dos respectivos juros legais até efectivo e integral pagamento; 16. O Ministério Público promoveu, ainda, nos termos do estabelecido nos art.ºs 82.º-A do Código Penal e 21.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 112/2009, de 16/09, que fosse atribuída à Recorrente, a título de reparação, a quantia de €2.000,00 (dois mil euros); 17. Promoção sobre o qual o Tribunal “a quo” não se pronunciou, devendo tê-lo feito, atribuindo à Recorrente esta justa e adequada reparação.
… deve por V. Ex.ª a Douta Sentença ser alterada … e consequentemente ser fixada à Recorrente uma indemnização no montante de €5.000,00, e ainda de €2.000,00 resultante da promoção formulada pelo Ministério Público, acrescido dos respectivos juros legais até ao efectivo e integral pagamento.» 3. Ao recurso interposto pela Assistente, respondeu o arguido AA, … 4. O Ministério Público junto da primeira instância, considerando não ter legitimidade/interesse processual para tal, uma vez que o recurso é restrito à parte cível da decisão, não respondeu, … 5.
Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-geral Adjunto, apôs o seu visto … 6.
Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419º, n.º 3, alínea c) do Código de Processo Penal.
II. FUNDAMENTAÇÃO 1. Delimitação do objeto do recurso.
…[1], … Atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir são as seguintes: a) – Omissão de pronúncia no que concerne à promoção do Ministério Público no sentido de dever ser atribuída à Assistente, nos termos do disposto nos artigos 82º-A do Código Penal e 21º, nºs 1 e 2 da Lei nº 112/2009, de 16/09, a título de reparação, a quantia de €2 000,00 (dois mil euros).
b) – Inadequação ao caso concreto do valor da indemnização fixado, o qual deveria sê-lo em, pelo menos, €5 000,00 (cinco mil euros); 2. Da decisão recorrida.
O Tribunal a quo considerou provada a seguinte factualidade (transcrição): «1. O arguido, AA, casou catolicamente com a ofendida, BB, em 24/03/1991, na freguesia ..., concelho ....
… 5. No dia 02/02/2023, pelas 19H30, dentro da casa onde residiam, o arguido iniciou uma discussão com a ofendida, tendo-a empurrado para o sofá, apertando-lhe (“esmagou-lhe”) o braço esquerdo, rasgou-lhe as calças, retirou-lhe o telemóvel e, munido de uma faca de cozinha, disse que a cortava em pedaços.
6. Nessa altura, o arguido impediu a ofendida de pedir auxílio, tendo retirado o cartão SIM do telemóvel da mesma.
7. Em consequência direta e necessária da supra descrita conduta do arguido em 4., a ofendida apresentava as seguintes lesões: “-Membro superior esquerdo: Equimose com 6 cm de diâmetro na face anterior do ombro. Equimose com 2,5 cm na face antero medial do 1/3 médio do braço”; “-Membro inferior direito: Equimose com 1 cm de diâmetro na nádega”; “-Membro inferior esquerdo: Três equimoses com 1 cm de diâmetro na face anterior no 1/3 inferior da coxa. Equimose com 2 cm de diâmetro na face antero medial da perna no 1/3 superior”.
8. Tais lesões determinaram “em condições normais, 6 dias para a cura: sem afetação da capacidade de trabalho geral e sem afetação da capacidade de trabalho profissional”.
9. No dia 10/02/2023, o arguido transferiu dinheiro de uma conta conjunta.
10. Há alguns anos atrás, aproximadamente, 8 (oito) anos, a ofendida sofreu um acidente de trabalho, que afetou a sua saúde, designadamente, na coluna.
11. O arguido levou a cabo as supra descritas condutas, sem se preocupar com a saúde física e psíquica da ofendida, provocando-lhe profundo desgaste físico e emocional.
12. O arguido sabia ainda, que ao agir da forma descrita, também no interior da residência que partilhava com a vítima, violentava aquele que deveria ser um espaço intocado, reservado, protetor e securitário da ofendida.
13. Ao atuar da forma descrita, proferindo a expressão referida em 5. à ofendida, nos termos referidos, o arguido agiu com intenção de a atemorizar, de influenciar a livre determinação da ofendida, causando-lhe receio pela sua saúde e vida, sabendo perfeitamente o arguido que tais afirmações eram aptas a condicionar o comportamento futuro da ofendida, sendo o seu modo de proceder apropriado a criar naquela um sentimento de insegurança e inquietação, afetando a sua paz individual, bem sabendo que a sua conduta era criminalmente...
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