Acórdão nº 35/15.9PESTB-Z.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelM. CARMO SILVA DIAS
Data da Resolução10 de Novembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc. n.º 35/15.9PESTB-Z.S2 Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça I Relatório I.1.

O arguido/condenado AA, veio nos termos (entre outros) do artigo 449.º, n.º 1, al. f), do CPP, interpor recurso extraordinário de revisão do acórdão de 5.06.2018, proferida no processo comum (tribunal coletivo) n.º 35/15.9PESTB, do Juízo Central Criminal ..., Juiz ..., comarca de Faro, que foi parcialmente confirmada por ac. do TRE de 5.02.2019 e de 22.10.2019, e que se encontra transitado em julgado, na parte em que o condenou por um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos artigos 21º, nº1, do DL 15/93, de 22.01, na pena de 7 anos de prisão.

I.2.

Para o efeito, o recorrente apresentou as seguintes conclusões do seu recurso: 1.

O Requerente AA, no dia 05 de Junho de 2018, foi Condenado pela prática de Um Crime de Tráfico de Produtos Estupefacientes (do N.º 1 do Artigo 21.º do Decreto-Lei N.º 15/93 de 22 de Janeiro) na Pena de Oito anos de Prisão e Um Crime de Detenção de Arma Proibida na Pena de Três anos de Prisão pelo Juiz ... do Juízo Central Criminal ....

  1. Essa Decisão foi submetida (por via de Recurso interposto pelo Requerente e demais Co-Arguidos no Processo) à Douta reapreciação do Venerando Tribunal da Relação de Évora que, por Doutos Arestos prolatados nos dias 05 de Fevereiro de 2019 e 22 de Outubro de 2019, absolveu o Requerente AA do Crime de Detenção de Arma Proibida e reduziu-lhe a Pena aplicada pelo prática do Crime de Tráfico de Produtos Estupefacientes para Sete anos de Prisão.

  2. Decisões que transitaram em Julgado no dia 25 de Novembro de 2019, data em que iniciou o Cumprimento da sua Pena no Estabelecimento Prisional ....

  3. No dia 19 de Abril de 2022 os Colendos Conselheiros do Tribunal Constitucional prolataram Douto Aresto (N.º 268/2022) que declarou a Inconstitucionalidade com Força Obrigatória Geral das Normas previstas nos Artigos 4.º, conjugado com o 6.º, e 9.º da Lei N.º 32/2008 de 17 de julho.

  4. Diploma que havia transposto para a Ordem Jurídica Interna a Diretiva N.º 2006/24/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de Março, relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações, comummente denominada como Lei dos Metadados, por violação do disposto nos N.ºs 1 e 4 do Artigo 35.º, do N.º 1 do Artigo 20.º e do N.º 1 do Artigo 26.º, em conjugação com o N.º 2 do Artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa.

  5. A Condenação do Requerente AA pela prática do Crime de Tráfico de Produtos Estupefacientes (determinada pelo Juiz ... do Juízo Central Criminal ... e parcialmente confirmada pelo Tribunal da Relação de Évora) assenta, exclusivamente, em factualidade que se considerou provada, apenas e tão-só, por recurso a Prova adveniente de Metadados colhidos no decurso do Inquérito e utilizados (directa e indirectamente).

  6. Esta Decisão do Tribunal Constitucional abala, por completo, a Prova produzida nestes Autos na perspectiva com que foi utilizada para a fundamentação da Condenação do Requerente AA.

  7. Os efeitos práticos deste Aresto do Tribunal Constitucional, ante a sua ressonância na Prova produzida e utilizada na Fundamentação da Condenação do Requerente AA, exigem que, por impossibilidade de coexistência com a estabilidade do Caso Julgado, se proceda à prolação de uma nova Decisão que o absolva do Crime de Tráfico de Produtos Estupefacientes em que se encontra condenado.

  8. Apoiando-se em vício ligado à própria organização do Processo e dinâmica Jurisprudencial que conduziu à Decisão ora posta em causa, nomeadamente, ao surgimento de Decisão Jurisprudencial do Tribunal Constitucional (Acórdão N.º 268/2022) que decreta a Inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de Normas de conteúdo e alcance manifestamente desfavoráveis ao Requerente AA e que foram utilizadas na sua condenação e que inexistia aquando do Julgamento destes Autos.

  9. A respeito da admissibilidade e legitimidade desta pretensão Recursória cumpre esclarecer que dispõe a alínea f) do N.º 1 do Artigo 449.º do Código de Processo Penal que a Revisão de Sentença transitada em julgado é admissível quando seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a Inconstitucionalidade com Força Obrigatória Geral de Norma de conteúdo menos favorável ao Arguido que tenha servido de fundamento à Condenação.

  10. O Acórdão Condenatório proferido em 1.ª Instância e os Arestos do Venerando Tribunal da Relação de Évora, alicerçaram (directa e reflexamente) a sustentabilidade das suas Decisões, concretamente, a Fundamentação dos Factos Provados que se demonstravam essenciais à condenação do Requerente AA, em Localizações Celulares e Faturação Detalhada, cuja legalidade de obtenção encontrou abrigo e estribo na Lei N.º 32/2008 de 17 de Julho, com especial enfoque do disposto nos N.ºs 6 e 7 do seu Artigo 4.º, conjugado com o Artigo 6.º desse Diploma.

  11. Os factos apreciados nos Autos, em sede Julgamento e Acórdãos, com referência ao Crime de Tráfico de Produtos Estupefacientes em que o Requerente AA foi condenado, datam dos anos de 2016 e 2017.

  12. À data já se encontrava em vigor a Lei N.º 32/2008 de 17 de Julho, que transpôs para a Ordem Jurídica Interna a Diretiva N.º 2006/24/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de Março, relativa à Conservação de Dados gerados ou tratados no contexto da Oferta de Serviços de Comunicações Eletrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações, comummente denominada como Lei dos Metadados.

  13. Foi à luz desse Diploma Legal (Lei N.º 32/2008 de 17 de Julho) que neste Processo se legitimaram, no decurso de todo o Inquérito, as obtenções de Identificações de IMEI´s, Identificação de Titularidade de Números de Telemóvel, Faturação Detalhada e Localizações Celulares, quer do telefone móvel do Requerente AA, quer dos telefones móveis de todos os demais Visados/Suspeitos/Arguidos/Condenados nestes Autos.

  14. O recurso a estas informações ocorreram do início até final do Inquérito, fosse por solicitação do órgão de Polícia Criminal que deteve a Investigação, fosse por promoção do Titular do Inquérito, fosse, inclusive, por Despacho do Senhor Juiz de Instrução Criminal responsável pelos Autos nessa fase preliminar, como decorrem, entre muitas outras, de folhas 9, 12, 30, 33, 48, 51, 73, 76, 109, 113, 159, 162, 198, 201, 241, 245, 278, 279, 281, 282, 283, 301, 303, 373, 374, 376, 412, 413, 416, 477, 478, 480, 481, 482, 525, 526, 529, 592, 593, 596, 610, 613, 652, 653, 656, 724, 729, 730, 733, 780, 783, 832, 833, 836, 904, 905, 908, 909, 910, 911, 912, 913, 914, 935, 938, 939 do Processo.

  15. Acresce que, não menos importante, na data em que o Requerente AA foi condenado já era conhecida a posição do Tribunal de Justiça da União Europeia que - por Acórdão proferido a 08 de Abril de 2014 - declarou a invalidade da referida Diretiva N.º 2006/24/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de Março, com fundamento, precisamente, na violação do Princípio da Proporcionalidade pela restrição que a Diretiva opera dos Direitos ao Respeito pela Vida Privada e Familiar e à Protecção de Dados Pessoais, consagrados nos Artigos 7.º e 8.º da Carta.

  16. O Requerente AA sofreu condenação nestes Autos baseada em Faturação Detalhada e Localizações Celulares, por aplicação da Lei N.º 32/2008 de 17 de Julho, mesmo sabendo-se que, à data, já havia sido declarada a sua invalidade ante o determinado pelo TJUE na Diretiva N.º 2006/24/CE.

  17. No entanto esta posição do Tribunal de Justiça da União Europeia não foi acatada no nosso Ordenamento Jurídico e a Lei N.º 32/2008 de 17 de Julho nem recebeu, nem plasmou as alterações introduzidas pelo Acórdão proferido a 08 de Abril de 2014 pelo TJUE, ficando, desse modo, o Requerente AA numa situação de intolerável Injustiça que se impõe o mais rapidamente possível alterar.

  18. Os Doutos Acórdãos Condenatórios decidiram, no que ao Crime de Tráfico de Estupefacientes pelo qual condenaram o Requerente, com especial enfoque em informação (directa e indirectamente) obtida ao abrigo dos mencionados Artigos 4.º e 6.º da Lei N.º 32/2008 de 17 de Julho.

  19. Como se extrai ora dos segmentos considerados assentes (em qualquer um dos Patamares Judiciais onde foi apreciada e reapreciada essa factualidade), ora da Fundamentação aduzida para suporte da convicção que assim os considerou, ora, inclusive, da própria génese da Prova recolhida no decurso do Inquérito (a maioria dela utilizada na fundamentação destas Decisões, sobretudo, os Autos de Transcrição das Intercepções Telefónicas que, em sequência disso, foram colhidos e vazados para os Autos) os Factos Provados (39, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56 e 82) que são (foram) essenciais à Decisão Condenatória do Requerente AA têm exclusiva génese e sustentação probatória em Metadados, isto é, em Localizações Celulares e Faturação Detalhada de Comunicações Móveis quer dos telemóveis imputados ao Requerente, quer dos telemóveis cuja propriedade e utilização foi (é) imputada aos Co-Arguidos daquele, também, visados na Investigação deste Processo e que serviram os propósitos da sua Condenação quer no Tribunal de 1.ª Instância, quer no Tribunal da Relação de Évora.

  20. Não fossem os Metadados solicitados, promovidos e autorizados e, em sequência disso, colhidos e lá vazados e inexistiriam, consequentemente, quaisquer números de telemóveis interceptados, quaisquer autos de transcrições de intercepções telefónicas, quaisquer seguimentos ou vigilâncias policiais do Requerente ou de quem quer que fosse, quaisquer apreensões do quer que seja, quaisquer detenções de quem fosse, enfim, qualquer Acusação, qualquer Facto Provado e/ou qualquer Condenação neste Processo.

  21. Sem recurso a esses elementos de Prova (directos e/ou reflexos) os Acórdãos Condenatórios não teriam como sustentar uma Condenação do Requerente AA fundada nos factos que elencou como provados.

  22. Reforce-se que foi o recurso e...

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