Acórdão nº 101/20.9PFSTB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 25 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelEDGAR VALENTE
Data da Resolução25 de Outubro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório

No Juízo Local Criminal de … (J…) do Tribunal Judicial da Comarca de … corre termos o processo comum singular n.º 101/20.9PFSTB, aí tendo sido, após a realização da audiência de julgamento, proferida a seguinte decisão (transcrição): “Nos termos acima expostos, julgando-se a acusação pública (por remissão do despacho de pronúncia) improcedente, por não provada, decide-se: A) - Absolver o arguido AA da prática, como autor material, de um crime de desobediência (entenda-se simples), p.p. pelos artigos 348º/1, a), e 69º/1, c), ambos do Código Penal, com referência aos artigos 152º/1, a), 3, e 153º ambos do Código da Estrada; (…).” Inconformado, o MP interpôs recurso de tal decisão, extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição): “1 - Por sentença proferida em 04/03/2022, constante da ref. citius …, foi o arguido AA absolvido da prática, como autor material, de um crime de desobediência, p.p. pelos artigos 348º, n.º 1, al. a), e 69º, n.º 1, al. c), ambos do Código Penal, com referência aos artigos 152º, n.º 1, al. a), n.º 3, e 153º ambos do Código da Estrada

2 - O Tribunal a quo considerou que não estavam preenchidos os elementos típicos quer objectivos (não houve consumação), quer subjectivos, do referido tipo legal de crime de desobediência, dando como não provado que o arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta, desde a fiscalização que lhe foi efectuada na via pública até ao momento em que o mesmo foi libertado na Esquadra da PSP, era proibida e punível por lei criminal

3 - Entendeu o Tribunal a quo que a consumação do crime de desobediência em casa só ocorre com a completa elaboração do auto (a conclusão do expediente administrativo) e com a consequente notificação do arguido para comparecer em Tribunal e libertação do mesmo

4 – O Ministério Público não se conforma com a sentença proferida pelo Tribunal “a quo”

5 - O presente recurso versa sobre matéria de facto, nomeadamente, a contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, nos termos do artigo 410º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Penal, bem como sobre matéria de direito, em concreto, erro de julgamento da matéria de direito

6 – Tendo o Tribunal “a quo” dado como provado que o arguido, no momento da fiscalização, respondeu que não efetuava o referido teste e recusou submeter-se a exame para pesquisa de álcool no ar expirado ou através de colheita de sangue, tendo lhe sido dada voz de detenção e que sabia que a ordem, dada na via pública para se submeter a exame para pesquisa de álcool no ar expirado e que lhe foi pessoalmente comunicada, provinha de autoridade com competência para a proferir e que devia obediência à mesma, sob pena de cometer uma infração criminal, sendo esse o momento relevante para a consumação do crime (como mais abaixo indicaremos), devia o Tribunal “a quo” ter dado como provado a totalidade dos factos, talqualmente como surgem descritos na acusação, para a qual remete o despacho de pronúncia, ou seja, “o arguido agiu livre, voluntaria e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.” 7 - No acto do arguido se recusar a realizar o teste de pesquisa de álcool no ar expirado ou através de colheita de sangue, sabendo que a ordem, que lhe foi pessoalmente comunicada, provinha de autoridade com competência para a proferir e que devia obediência à mesma, sob pena de cometer uma infração criminal, assenta o seu inegável dolo directo, traduzindo o conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, a livre determinação do agente e da vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor

8 - Da própria leitura da sentença é permitido concluir, face aos demais factos dados como provados da acusação, para a qual remetia o despacho de pronúncia, que também deveria ter sido levado à matéria de facto dada como provada que o arguido agiu livre, voluntaria e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei

9 - A oposição lógica verificada entre a demais factualidade da acusação dada como provada, para a qual remete o despacho de pronúncia, e o facto dado como não provado, bem como entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada (uma vez que o crime se mostra consumado), é de molde a reconduzir se ao vício da decisão previsto no artigo 410º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Penal, existindo uma contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão

10 - Termos em que o facto dado como não provado deve ser levado à matéria de facto dada como provada, talqualmente como surge descrito na acusação, para a qual remete o despacho de pronúncia, ou seja, “o arguido agiu livre, voluntaria e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.” 11 - Acresce que os últimos 4 pontos dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo apurados em Audiência de Julgamento, com o devido respeito, não têm relevância jurídica para efeitos de apreciação da consumação ou não do crime. Pelo que não deviam sequer constar do elenco dos factos dados como provados, devendo ser eliminados do elenco de factos dados como provados

12 - Tal como dispõe o artigo 124º, n.º 1 do Código de Processo Penal “Constituem objecto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis.” 13 – Quanto ao ao erro de julgamento da matéria de direito, o Tribunal a quo, ao entender que o crime de desobediência só ocorre com a completa elaboração do auto (a conclusão do expediente administrativo) e com a consequente notificação do arguido para comparecer em Tribunal e libertação do mesmo fez uma errada interpretação do direito

14 - Resulta da matéria de facto dada como provada que o arguido, que conduziu um veículo automóvel, foi intimado a ordem, regularmente comunicada e proveniente de autoridade competente, para se submeter à pesquisa de álcool no sangue através de aparelho alcoolímetro ou em unidade de saúde através de colheita de sangue. O arguido entendeu o conteúdo daquela ordem e sabia que devia obediência à mesma, sob pena de cometer uma infração criminal e expressamente se recusou a realizar qualquer teste. 15 - E a outra conclusão não se pode chegar (como supra referido) a não ser que o fez, de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei

16 - Esta conduta do arguido consubstancia uma recusa à ordem que lhe foi dada, tal como prevista no artigo 152º, n.º 3 do Código da Estrada

17 - Pelo que se mostram preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do crime de desobediência imputado ao arguido, estando o mesmo consumado, e pelo qual deverá o mesmo ser condenado

18 - O facto de o arguido, já depois de lhe ter sido dada voz de detenção e de ter sido conduzido ao Comando da PSP de … para elaboração do expediente, após período de tempo não concretamente apurado, ter manifestado a intenção de realizar o teste de deteção de álcool no sangue, não afasta nem a ilicitude, nem a culpa, nem a consumação do ilícito em causa, pois o arguido desobedeceu à ordem no momento da fiscalização, aquando foi verificado o exercício da sua condução

19 - Veja-se sobre esta matéria o Acórdão não publicado da Relação de Évora, datado de 18/06/2019, proferido no âmbito do processo n.º 80/18.2GELSB.E1 do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Juízo Local Criminal de Setúbal – Juiz 5, em que é Relator o Exmo. Sr. Desembargador Fernando Pina: “Pretende o arguido, que o crime apenas se encontra consumado, após o encerramento de todo o expediente, ou seja, o arguido poderá recusar-se à realização do teste de alcoolémia e estar tranquilamente à espera da elaboração do expediente, quando se apercebe do seu término poderá vir dizer agora já quero realizar o teste e, dás sem efeito o expediente elaborado e, vai-se realizar o teste em causa, que por sua vez poderá de novo sofrer as mesmas vicissitudes e, de novo recomeçar-se de novo a elaborar o expediente e, de novo, antes do seu termo pretender de novo realizar o teste, enfim, parece-nos que algum “non-sense”, existiria em tal hipótese

E como resulta claramente da lei, o crime consuma-se no momento que o arguido se recusa a realizar o exame de pesquisa de álcool e, mesmo que porventura o agente da autoridade permitisse a realização posterior do teste de pesquisa de álcool no sangue, sem qualquer dúvida, que o crime de desobediência já havia sido consumado, mostrando-se juridicamente irrelevante para o efeito da subsunção ao tipo criminal a actuação posterior a essa consumação, (vide Ac. Rel. Lisboa, Processo n.º 1727/17.3PBOER.L1.WWW.DGSI.PT).” 20 - Termos em que deverá decidir-se que o crime de desobediência se encontra consumado e se mostram verificados todos os elementos objetivos e subjetivos do ilícito em causa, e, em consequência, ser o arguido condenado pela prática do crime de desobediência pelo qual se encontrava pronunciado, p. e p. pelos artigos 348º, n.º 1, al. a) e 69º, n.º 1, al. c), ambos do Código Penal, com referência aos artigos 152º e 153º, ambos do Código da Estrada

21 – Quanto à alegada inconstitucionalidade por violação do direito à tomada de consciência dos atos e a uma decisão devidamente ponderada, tal questão já havia sido apreciada no despacho de pronúncia, tendo-se considerado não proceder, e para cujos considerados se concorda e se remete

22 - Relativamente à pena a aplicar ao arguido em caso de condenação, caso colha êxito a nossa pretensão, importa atender os critérios de escolha e determinação da medida da pena enunciados nos artigos 40º, 70º e 71.º do Código Penal

23 - O crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348º, n.º 1, al. a) do Código Penal é punido com pena de prisão até 1...

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