Acórdão nº 51/21.1GASEI.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Outubro de 2022
Magistrado Responsável | JORGE JACOB |
Data da Resolução | 26 de Outubro de 2022 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO: Nos autos de processo comum (tribunal singular) supra referenciados, que correram termos pelo Juízo de Competência Genérica de Seia – Juiz 2, após julgamento com documentação da prova produzida em audiência foi proferida sentença em que se decidiu nos seguintes termos: (...) Pelo exposto decido:
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Condenar a arguida AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão.
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Suspender na sua execução a pena de 5 (cinco) meses de prisão, pelo período de 2 (dois) anos, com regime de prova, incluindo as seguintes regras de conduta/obrigação: - Pagamento da quantia de 250,00€ (duzentos e cinquenta euros) ao Fundo de Garantia Automóvel; - Sujeição ao acompanhamento pela D.G.R.S., entidade perante a qual ficará sujeito às seguintes obrigações: - receber visitas ou comparecer perante o técnico de reinserção social competente sempre que este o entenda por necessário, designadamente para efeitos de entrevistas de acompanhamento; - comunicar ou colocar à disposição da DGRS todas as informações e documentos solicitados por este organismo.
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Condenar a arguida no pagamento das custas do processo (cfr. artigo 514º, n.º 1, do Código Processo Penal), fixando-se a taxa de justiça uma unidade de conta e meia (cfr. 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal), reduzida a metade por força da confissão integral e sem reservas (artigo 344º, nº2 alínea c), do Código de processo penal), sem prejuízo do apoio judiciário de que a mesma possa beneficiar.
(…) Inconformada, recorre a arguida, retirando da motivação do recurso as seguintes conclusões: 1. Dado o carácter subsidiário da incriminação prevista no art.º 348.º, n.º 1, al. B) do código penal, a autoridade e o funcionário só podem fazer uma tal cominação quando o comportamento em causa constitua um ilícito previsto pelo legislador para sancionar essa conduta, seja ela de natureza criminal, contraordenacional ou outra; 2. No caso dos autos a apreensão do veículo teve por base o disposto no art.º 162.º, n.º 1, al. F) do código da estrada, que implica a apreensão do documento de identificação desse veículo e caso o mesmo circule tal corresponde a uma contraordenação sancionada com coima, como decorre do art.º 161.º, n.º 7 do código da estrada.
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Por isso não podia o agente da autoridade efetuar tal cominação por a mesma ser ilegal, não se mostrando, por isso, preenchido o crime de desobediência do art.º 348.º, n.º 1, al. B) do código penal.
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Na verdade, apesar de haver quem entendesse que a conduta da recorrente seria subsumível à previsão do artigo 22º, nº 2, do decreto-lei nº 54/75, de 12/02, o certo é que, com a recente publicação do acórdão de fixação de jurisprudência nº 5/2009 (publicado no dr nº 55, 1 ª série a, de 19.03.2009), ficou clarificado que «o depositário que faça transitar na via pública um veículo automóvel apreendido por falta de seguro obrigatório comete, verificados os respetivos elementos constitutivos, o crime de desobediência simples do artigo 348º, nº 1, alínea b), do código penal e não o crime de desobediência qualificada do art.º 22º, nºs 1 e 2, do decreto-lei nº 54/75, de 12 de fevereiro.» 5. Note-se que este acórdão apenas afirmou que o depositário que faça transitar na via pública um veículo automóvel apreendido por falta de seguro obrigatório não comete em caso algum um crime de desobediência qualificada, não tomando posição quanto à efetiva verificação, ou não, dos elementos constitutivos do crime de desobediência simples.
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Importa, por isso, averiguar se a apurada conduta do arguido integra a previsão da alínea b) do n.º 1 do art.º 348º do código penal.
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Ora, apesar de não se discutir a legalidade da ordem e a legitimidade da autoridade que a proferiu (pois a falta de seguro constitui contraordenação, devendo o veículo ser apreendido pelas autoridades de fiscalização ou seus agentes quando transite sem que tenha sido efetuado o seguro de responsabilidade civil nos termos da lei - cfr. Art.s 150º, nºs 1 e 2, e 162º, nº 1, al. F), do código da estrada, na redação introduzida pelo decreto-lei nº 44/2005, de 23/02), bem como a regularidade da comunicação, o certo é que, existindo ilícito próprio no qual se subsume a conduta do agente que não respeite a proibição de conduzir um veículo apreendido por falta de seguro obrigatório (cf. Art. 161 º, nº 7, do código da estrada), considera-se que a autoridade policial não podia cominar com o crime de desobediência o desrespeito pela ordem dada.
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Ora, Tendo a apreensão do veículo, no caso concreto, tido por base o disposto na alínea f), do n.º 1, do artigo 162º, do Código da Estrada, e implicando ela, de acordo com a alínea e), do n.º 1, do artigo 161º, do mesmo diploma, a apreensão do documento de identificação do automóvel, a condução do veículo nessa situação constitui, apenas, contraordenação e é sancionada com uma coima de €300 a €1500 (n.º 7 do artigo 161º, do código da estrada, na redação anterior ao decreto-lei n.º 113/2009, de 18 de maio) e que, por isso, dado o carácter subsidiário da incriminação do artigo 348º, n.º 1, alínea b) (apenas para os casos em que nenhuma norma jurídica, seja qual for a sua natureza, prevê um comportamento desobediente), como no caso dos autos não podia o agente da autoridade efetuar a cominação do crime de desobediência.
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Dispõe, por sua vez, o artigo 150º, n.º 1, do código da estrada: «1. Os veículos a motor e seus reboques só podem transitar na via pública desde que seja efetuado, nos termos de legislação especial, seguro de responsabilidade civil que possa resultar da sua utilização,» A violação de tal comando constitui contraordenação, sancionada com coima, nos termos do n.º2 do mesmo artigo.
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Por sua vez, estabelece o artigo 162.º, n.º 1, alínea t), do código da estrada, sob a epígrafe «apreensão de veículos»: «1. O veículo deve ser apreendido pelas autoridades de investigação criminal ou de fiscalização ou seus agentes quando: ( ... ) t) Não tenha sido efectuado seguro de responsabilidade civil nos termos da lei;» Verificado tal condicionalismo, devem ser os documentos do veículo (de identificação e respeitantes à circulação), igualmente, apreendidos [cf Artigo 161.º, n.º 1, al. E) e 2, do código da estrada].
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Finalmente, de harmonia com o n.º 7 do artigo 161.º, do código da estrada, na redação anterior ao decreto-lei n.º 113/2009, de 18 de maio, quem conduzir veículo cujo documento de identificação tenha sido apreendido é sancionado com coima de €300 a e1500.
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Com as alterações introduzidas por aquele decreto-lei, o anterior n.º7 passou a n.º8, mantendo-se a redação.
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Não é, porém, isso que acontece uma vez que, dado o carácter subsidiário desta incriminação, a autoridade ou o funcionário só podem fazer uma tal cominação quando o comportamento em causa não constitua um ilícito previsto pelo legislador para sancionar essa mesma conduta, seja ele de natureza criminal, contraordenacional ou outra.
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Entendeu, ainda, o Tribunal a quo que para aplicação da medida concreta da pena, o arguido "releva acentuada dificuldade de interiorização da especial valência axiológica do bem tutelado através do comando penal desatendido".
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Ainda que considerado dolo direto intencional, devia ter-se atendido, na douta sentença, ao facto de que "a realização típica não constituiu fim último, o móbil da atuação do agente, e sim o pressuposto ou estádio intermédio necessário do seu conseguimento" (in. Figueiredo Dias, in Questões Fundamentais. A Doutrina do Crime, 1996).
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Não resulta dos autos qualquer prova sobre a existência de quaisquer perigos ou mesmo a intenção de os causar.
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É nosso entendimento que a arguida não manifestou nos autos quaisquer sinais de plena consciência dos perigos advenientes da sua apurada conduta.
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A arguida não detinha, naquele momento, a plena consciência dos perigos que poderia provocar com aquela atuação, até porque nada decorre dos autos, que nos faça crer o contrário.
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Tratam-se, necessariamente, de ilações aferidas pelo Tribunal a quo sem, contudo, existir qualquer prova carreada nos autos que permitam tais conclusões.
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Assim, impunha-se a ABSOLVIÇÃO da Arguida, devendo ser proferido Acórdão que revogue a Sentença Recorrida, Absolvendo a Recorrente, com todas as consequências legais que daí advêm.
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DA ESCOLHA E MEDIDA DA PENA Está, pois, em causa interpretar o disposto no artigo 70º do Código Penal em confronto com o quadro circunstancial descrito na matéria de facto provada.
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Este normativo dispõe que se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
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O crime por que a arguida foi condenada insere-se na criminalidade de pequena dimensão que não deixa de ser perniciosa se se verificar a sua reiteração, especialmente quando o agente do crime reitera tais...
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