Acórdão nº 103/21.8TELSB-A.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 25 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelSANDRA OLIVEIRA PINTO
Data da Resolução25 de Outubro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório No processo nº 103/21.8TELSB, a correr termos no Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa, foi proferido, em 27.05.2022, pelo Juiz 7 do Tribunal Central de Instrução Criminal, despacho que, “ao abrigo do disposto nos arts. 17.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro, e 179.º do Código de Processo Penal declaro[u] nula a apreensão da correspondência que consta da pen drive do saco de prova Série A com o nº 130076, não podendo, por isso, o tribunal tomar conhecimento da mesma”.

* Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o Ministério Público, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões: “1. A Mma. Juiz a quo declarou, no despacho de que ora se recorre, a nulidade de um acto – de ordenar a apreensão de correspondência electrónica – que o Ministério Público não praticou, confundindo a apreensão de dados electrónicos, efectivamente, por si determinada, com a apreensão de correspondência que, casualmente, se verificou estar contida em determinados equipamentos e que – selada – lhe foi, para o efeito, apresentada.

  1. Justificou essa sua decisão com a necessidade de uma prévia autorização judicial que, não obstante, à cautela, lhe tivesse sido, antecipada e expressamente, promovida, optou por não conceder ou, por outro lado, se negar a conceder, silenciando nesse particular.

  2. A omissão em causa – caso se deva concluir pela necessidade de tal autorização judicial (prévia) – configura nulidade, por omissão de pronúncia, o que se argui, ao abrigo do preceituado no art.º 379º nº 1 alínea c) do Código de Processo Penal.

  3. A nosso ver, porém, a autorização em causa não é sequer necessária porquanto se está perante busca não domiciliária e é ao Ministério Público – que determinou a realização de busca não domiciliária – que incumbe autorizar “a pesquisa informática, com vista à apreensão de documentação guardada em suporte digital e armazenada em sistemas informáticos ou noutros sistemas aos quais seja possível aceder através destes, incluindo comunicações de correio eletrónico”, conforme entendimento jurisprudencial pacífico.

  4. A correspondência em causa foi selada e, prontamente, apresentada à Mma. Juiz de Instrução, com observância estrita do preceituado no art.º 17º da Lei do Cibercrime e, subsidiariamente (por remissão do mesmo), no art.º 179º do Código de Processo Penal.

  5. Incumbia-lhe, pois, tomar conhecimento da mesma, em primeira mão, e, caso o entendesse pertinente, determinar a respectiva junção aos autos.

  6. Pelo que, não o tendo feito, o douto despacho da Mma. Juiz deve, em nosso entender, ser revogado, substituindo-se por outro que designe data para abertura de correspondência.” * O recurso foi admitido, a subir imediatamente, em separado e com efeito suspensivo.

    Neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

    Proferido despacho liminar e colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência.

    * II – questões a decidir Como é pacificamente entendido, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª ed., pág. 335, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 9ª ed., 2020, págs. 89 e 113-114, e, entre muitos outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007, Processo nº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art.º 412.º, n.º 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.») Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem as razões de divergência do recurso com a decisão impugnada – o despacho que declarou nula a apreensão de correspondência eletrónica – a única questão a examinar e decidir é a de saber se o Ministério Público, sem prévia autorização do Juiz de Instrução, pode determinar a apreensão de correio eletrónico que venha a ser encontrado em pesquisa informática por si determinada, para posterior validação pelo Juiz de Instrução.

    * III – Decisão Recorrida É do seguinte teor o despacho recorrido (transcrição): “A pen drive do saco de prova Série A com o nº 130076 refere-se à correspondência electrónica cuja apreensão não foi autorizada judicialmente.

    Nos presentes autos o Ministério Público determinou a realização de busca a um escritório de contabilidade, decidindo a apreensão de correspondência electrónica e outros dados dos suspeitos.

    Nessa sequência apresentou a correspondência electrónica apreendida para conhecimento judicial, para exame e decisão da sua junção aos autos, nos termos dos artigos 179.º do Código de Processo Penal e 17.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro.

    No entanto, não se compreende a validade desta apreensão de correspondência, particularmente com referência às mencionadas disposições legais.

    No caso específico da correspondência (art.º 179.º do Código de Processo Penal), estabelece a Lei que essa apreensão deve ser autorizada ou ordenada pelo juiz, verificados os demais pressupostos estabelecidos no art.º 179.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (pressupostos que aqui não se discutem).

    Nessa circunstância, o juiz é o primeiro a tomar conhecimento de tal apreensão que ordenou, de forma a apreciar da validade do que foi apreendido e, após a indicação pela investigação do que mostrar necessário, decidir sobre a sua junção aos autos (art.º 179.º, n.º 3, do Código de Processo Penal).

    Não se percebe como pôde o Ministério Público autorizar expressamente a apreensão de correspondência sem autorização judicial (neste local), particularmente com a invocação do preceito referido e, sobretudo, querendo executar apenas a parte final do mencionado mecanismo processual de garantia.

    Em particular quanto à apreensão de correspondência electrónica, cabe ao tribunal autorizar ou ordenar a sua apreensão, de acordo com o disposto no art.º 17.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro, que, na sua parte final, remete para a mesma regulamentação processual penal (cfr. o teor do Acórdão do TC n.º 687/2021).

    Essa disposição da Lei do Cibercrime apenas permite, de forma específica, a possibilidade de, no decurso de uma pesquisa legitimamente autorizada, ser encontrada por acaso correspondência electrónica (uma vez que, sendo desconhecida a correspondência, não era possível obter a prévia autorização para a sua apreensão).

    Nessa situação, os dados de correspondência são isolados e apresentados judicialmente.

    Mas não é essa a situação que se apresenta nos autos.

    Aqui foi o Ministério Público que determinou a realização de uma busca, ali incluindo expressamente a pesquisa por correspondência e a sua apreensão.

    Nesse tipo de situação em que, previamente à realização de uma diligência, o Ministério Público pretende a apreensão de correspondência de qualquer tipo, terá a mesma de ser autorizada judicialmente, por forma a que seja controlado previamente o próprio acesso a tais dados ou elementos físicos, de acordo com a previsão do art.º 179.º do Código de Processo Penal, ali se incluindo a proporcionalidade e a necessidade do determinado (como ocorreu quanto à busca à residência autorizada).

    E tal é coerente com a exigência de autorização judicial na medida do necessário à obtenção de conteúdos de comunicação, mesmo já consumados, e não apenas à sua intercepção (arts. 187.º e 189.º do Código de Processo Penal).

    A referida autorização judicial é exigida sob pena de nulidade (art.º 179.º, n.º 1, do Código de Processo Penal) e não se verificou neste caso.

    Por isso, ao abrigo do disposto nos arts. 17.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro, e 179.º do Código de Processo Penal declaro nula a apreensão da correspondência que consta da pen drive do saco de prova Série A com o nº 130076, não podendo, por isso, o tribunal tomar conhecimento da mesma.” * Em 04.05.2022, o titular do inquérito proferiu o seguinte despacho (transcrição parcial): “3.

    Busca Domiciliária Reproduzindo a factualidade supra descrita e o seu enquadramento, sustentados pelos elementos probatórios já recolhidos no âmbito deste inquérito, é seguro afirmar que existem já indícios suficientes de que a sociedade A…, Lda., estará a ser instrumentalizada - por um grupo de indivíduos, deles já estando identificados os suspeitos A…R…, na qualidade de gerente da referida sociedade, e J… L…, enquanto beneficiário efectivo – para a comissão de crime de branqueamento de capitais, previsto e punido pelo art. 368.º-A, n.ºs 1 e 2 do Código Penal.

    Com vista ao apuramento cabal da descrita actuação dos suspeitos, e com vista a proceder à identificação de quem consigo mais actua e bem ainda com o propósito de recolher e detalhadamente analisar a documentação contabilística que exista com referência às transações realizadas pela sociedade A…, Lda., justificativas, ou não, dos muito avultados fluxos financeiros que movimenta, o que, reflexamente, permitirá também apurar eventuais valores de impostos que a sociedade visada teria de ter liquidado e que não terá pago, surge como...

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