Acórdão nº 00571/21.8BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 16 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelPaulo Ferreira de Magalh
Data da Resolução16 de Setembro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I - RELATÓRIO ESTADO PORTUGUÊS [representando pelo Ministério Público junto do TAF de Coimbra], Réu na acção que contra si foi intentada por AA [devidamente identificada nos autos], na qual foi requerida a sua condenação a pagar-lhe (i) uma indemnização que computou em € 9.600,00, à razão de €1.600,00/ano em resultado de seis anos de atraso na administração da justiça; (ii) uma indemnização que computou em €1.600,00, desde 19/09/2013 até à data em que for proferida decisão, transitada em julgado, no Processo n.º 616/13.5BECBR, que se encontra no TAF de Coimbra; (iii) a quantia de € 2.000,00 (acrescida do IVA respectivo), a título de patrocínio judiciário, e ainda (iii) a sua condenação no pagamento de eventuais custas e demais encargos legais, a título de custas de parte que, a seu tempo, em caso de procedência da acção requererá, inconformado com a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra [pela qual foi a acção julgada parcialmente procedente, e condenado o Réu Estado Português a pagar à Autora, a quantia de €3.184,50 pelos danos não patrimoniais sofridos até à presente data em virtude da duração excessiva do Processo n.º 616/13.5BECBR], veio presentar recurso de Apelação.

* No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem: “[…] 1 - Atentos os factos apurados, e aceitando como sendo a duração razoável do processo 616/13.5BECBR, de 4 anos, compreendidos entre primeira instância e tribunal de recurso – tal como consignado na douta sentença recorrida – e que esse processo [impugnação judicial de liquidação de imposto de selo], atenta a sua natureza, não é processo tramitado durante as férias judiciais, na douta sentença recorrida não se teve em conta na contagem da duração do processo, e, por isso no cômputo das paragens do processo «imputáveis à Administração da Justiça»: 1.1. os períodos de férias judiciais nos seguintes momentos: (1.) de 22 de dezembro de 2013 a 3 de janeiro de 2014, do dia de domingo de Ramos até à segunda-feira de Páscoa de 2014, de 16 de julho a 31 de agosto de 2014, ou seja, 67 dias; (2.) de 22 de dezembro de 2014 a 3 de janeiro de 2015, do dia de domingo de Ramos até à segunda-feira de Páscoa de 2015, de 16 de julho a 31 de agosto de 2015, ou seja, 67 dias; (3.) de 22 de dezembro de 2015 a 3 de janeiro de 2016, do dia de domingo de Ramos até à segunda-feira de Páscoa de 2016, de 16 de julho a 31 de agosto de 2016, ou seja, 67 dias; (4.) de 22 de dezembro de 2016 a 3 de janeiro de 2017, do dia de domingo de Ramos até à segunda-feira de Páscoa de 2017, de 16 de julho a 31 de agosto de 2017, ou seja, 67 dias; (5.) de 22 de dezembro de 2017 a 3 de janeiro de 2018, do dia de domingo de Ramos até à segunda-feira de Páscoa de 2018, de 16 de julho a 31 de agosto de 2018, ou seja, 67 dias; (6.) de 22 de dezembro de 2018 a 3 de janeiro de 2019, do dia de domingo de Ramos até à segunda-feira de Páscoa de 2019, de 16 de julho a 31 de agosto de 2019, ou seja, 67 dias; (7.) de 22 de dezembro de 2019 a 3 de janeiro de 2019, do dia de domingo de Ramos até à segunda-feira de Páscoa de 2019, de 16 de julho a 31 de agosto de 2019, ou seja, 67 dias; (8.) de 22 de dezembro de 2019 a 3 de janeiro de 2020, do dia de domingo de Ramos até à segunda-feira de Páscoa de 2020, de 16 de julho a 31 de agosto de 2020, ou seja, 67 dias; (9.) de 22 de dezembro de 2020 a 3 de janeiro de 2021, do dia de domingo de Ramos até à segunda-feira de Páscoa de 2021, de 16 de julho a 31 de agosto de 2021, ou seja, 67 dias; e, (10.) de 22 de dezembro de 2021 a 3 de janeiro de 2022, do dia de domingo de Ramos até à segunda-feira de Páscoa de 2014, de 16 de julho a 31 de agosto de 2014, ou seja, 13 dias, 1.2. Sendo, assim, violadas as normas contidas nos artigos 137º, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC), 1º, 35º, 36º e 37º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), e 28º da Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei 62/2013, de 26.08; 1.3. A suspensão dos prazos processuais determinada na Lei nº 1- A/2020, de 19.03, na Lei nº 4-A/2020, de 06.04, na Lei nº4-B/2021, de 01.02, que aditou o artigo 6ºB à Lei nº 1-A/2020: 1.3.1. Em observância dessas normas – inseridas na legislação que implementou «medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19» - ao número de dias referido em 1.1., 616 dias [equivalente a, por média, 1 ano (de 365 dias) 8 meses (de 30 dias) e 11 dias] acrescem os períodos da aludida suspensão dos prazos processuais, a saber: a) no período entre 09.03.2020 e 03.06.2020 [correspondente a 86 dias]) - cf. artigos 7º e 10º da Lei nº 1- A/2020, de 19.03, e também na redação do citado artigo 7º que lhe foi dada pela Lei nº 4-A/2020, de 06.04, do artigo 6º, nº 1, da Lei nº 4-A/2020, de 06.04, e artigos 2º e 8º da Lei nº 16/2020, de 29.05; e, b) no período entre 22.01.2021 e 05.04.2021 [correspondente a 74 dias] – cf. artigos 1º da Lei nº4-B/2021, de 01.02, que aditou o artigo 6ºB à Lei nº 1-A/2020, e 4º, e artigo 6º e 7º da Lei nº 13-B/2021, de 05.04; c) Tal significa que entre 09.03.2021 e 05.04.2021, o período de paragem foi de 160 dias [equivalente a, por média, 5 meses (de 30 dias) e 10 dias], o qual não foi tido em conta na douta sentença recorrida, Sendo, pois, violadas as normas contidas nos artigos 7º e 10º da Lei nº 1- A/2020, de 19.03, e também na redação do citado artigo 7º que lhe foi dada pela Lei nº 4-A/2020, de 06.04, do artigo 6º, nº 1, da Lei nº 4-A/2020, de 06.04, e artigos 2º e 8º da Lei nº 16/2020, de 29.051º da Lei nº4-B/2021, de 01.02, que aditou o artigo 6ºB à Lei nº 1-A/2020, e 4º, e artigo 6º e 7º da Lei nº 13-B/2021, de 05.04 2. Assim, o tribunal “a quo” ao invés de ter decidido que o processo nº 616/13.5BECBR ultrapassou em 4 anos, seis meses e oito dias o prazo razoável da sua duração, deveria ter-se firmado que esse prazo foi de 2 anos, 4 meses e 20 dias.

3. O processo 616/13.5BECBR, relativamente ao qual a A. alega a ocorrência do atraso na justiça, é uma impugnação judicial da liquidação de imposto de selo; ou seja, nele está em causa, e tão somente, um litígio tributário – que, ainda que, eventualmente, relacionado com obrigações de conteúdo patrimonial – não tem caracter de obrigação civil [nem de sanção penal].

4. Desse modo, dado que estamos perante um atraso na administração da justiça relativo a um processo sobre matéria fiscal, o caso vertente não está incluído no âmbito de aplicação o artigo 6º da CEDH, sendo-lhe inaplicável a jurisprudência do TEDH sobre a presunção dos danos não patrimoniais.

5. Nesse sentido se pronunciou recentemente o Supremo Tribunal Administrativo no seu Acórdão de 10.02.2022 [processo 01473/18.0BELSB].

6. Assim, dado que na responsabilidade civil por danos derivados da atividade judiciária da administração, não está especialmente prevista qualquer presunção de culpa, contrariamente ao que sucede no domínio da responsabilidade pelo exercício da função administrativa, nem é aplicável, por remissão, a presunção de culpa a que se referem os n.ºs 2 e 3 do artigo 10.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (RRCEEDEP) aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31.12 – que se reportam a situações não diretamente transponíveis para a responsabilidade da função jurisdicional –, a exigência do carácter ilícito da conduta implica que deva ser o lesado a efetuar, nos termos gerais, a prova da culpa.

7. Sucede que, no caso dos autos, não foi feita qualquer prova dos danos não patrimoniais nem, por decorrência, que tais danos surgiram como consequência do ilícito, conforme estabelecido na Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro [anotando-se que dos factos considerados provados na douta sentença recorrida não consta, nem resulta, qualquer dano, aferido a partir da ilicitude objetiva, moral ou patrimonial, sofrido pela autora].

8. Desse modo, impondo-se na Lei nº 67/2007, de 31.12, a prova desses danos e do nexo de causalidade para permitir o ressarcimento da Autora pelos danos não patrimoniais invocados na sua petição inicial, teria aquela de ter provado a existência desses danos, dado recair sobre si o ónus da prova.

9. E não o fez, pois que da prova documental que produziu, e que foi devidamente apreciada pelo tribunal, não foi feita qualquer prova da existência dos danos não patrimoniais.

10. O Mmº Juíz «a quo» fez recurso à presunção de danos construída pela jurisprudência do TEDH, com base na aplicação do artigo 6º da CEDH, que, como supra referimos é inaplicável ao caso em apreço, um litígio tributário sem carácter de obrigação civil.

11. Tal decisão recorrida é, pois, contrária à Lei n.º 67/2007, de 31-12, que exige a prova do dano moral para atribuição de indemnização a esse título.

12. Em suma, porque só aferida a existência de danos se pode indagar da verificação do nexo de causalidade entre esses danos e o ilícito, deveria o tribunal ter considerado improcedente a ação por falta de pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos e agentes – responsabilidade que assenta na verificação cumulativa dos pressupostos de idêntica responsabilidade prevista na lei civil e que são: o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade -, e, não o tendo feito, na douta sentença recorrida violou-se o preceituado nos artigos 22° da CRP, 6° da CEDH, ratificada pela Lei n. ° 65/78, de 13/10, 7°, 10° e 12° do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (RRCEEDEP) aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31.12, e 342º, nº 1, e 496º do Código Civil, devendo, pois, ser substituída por decisão de improcedência da ação.

Embora sem o conceber, por mera cautela, 13.caso não seja esse o entendimento dos Venerandos...

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