Acórdão nº 00476/21.2BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 23 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Apar
Data da Resolução23 de Junho de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO AA..., NIF (…), residente na Rua (…), instaurou ação administrativa contra o ESTADO PORTUGUÊS, representado pelo Ministério Público, pedindo que a ação seja julgada procedente, por provada, e que o Estado seja condenado a pagar-lhe: 1) Uma indemnização que computa em € 8.000,00 (oito mil euros), em resultado de cinco ( 5) anos de atraso na administração da justiça, com ressarcimento, por equidade, de €1.600,00/ano, sendo certo que já decorreram mais de 7 anos, após a propositura da ação.

2) desde 19/12/2013 até à data em que for proferida decisão, transitada em julgado, no processo 929/13.6BECBR, que se encontra no TAF de Coimbra, por equidade, o valor de €1.600,00; 3) a quantia de € 1.500,00 a título de patrocínio judiciário; (…).

Por decisão proferida pelo TAF de Coimbra foi julgada parcialmente procedente a acção e condenado o R. a pagar à A. a quantia de 4.500,00€ a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos até à presente data em virtude da duração excessiva do Proc. n.º 929/13.6BECBR.

Desta vem interposto recurso pelo Ministério Público.

Alegando, formulou as seguintes conclusões: 1 – Atendendo ao teor do documento nº 11 junto à petição inicial, verifica-se, salvo melhor entendimento, a existência de erro na apreciação da prova, pelo que se impõe que a redação dada ao item 3 da factualidade provada, que não se mostra correta nem conforme à realidade, seja alterada, ficando esse item a ter a seguinte redação «Em 07.01.2014, no processo executivo 0728201301134574, instaurado para cobrança coerciva da liquidação mencionada em 1., o Serviço de Finanças de Coimbra 1 na penhora da fração autónoma AM do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo (...) sito na Av. (…)»; 2 – Atentos os factos apurados, e aceitando como sendo a duração razoável do processo 929/13.6becbr, em 1ª instância, de (cerca de) 3 anos – tal como consignado na douta sentença recorrida – e que esse processo [impugnação judicial de liquidação adicional de IRS], atenta a sua natureza, não é processo tramitado durante as férias judiciais, na douta sentença recorrida não se teve em conta no cômputo das paragens do processo «imputáveis à Administração da Justiça»: 2.1. os períodos de férias judiciais nos seguintes momentos: a) entre a conclusão para marcação de inquirição de testemunhas, em 21.05.2014, e a respetiva marcação, em 02.03.2015 (cf. pontos 10 e 11 do probatório): face aos períodos de férias judiciais de 16 de julho a 31 de agosto e de 22 de dezembro a 3 de janeiro, deveria ter-se considerado ser a paragem de 224 dias [e não de 298 dias como consta da douta sentença recorrida); b) de abertura de conclusão entre o parecer do MP de 25.11.2016 e o dia 04.01.2017 (cf. pontos 41 e 42 do probatório), face ao período de férias judiciais de 22 de dezembro a 3 de janeiro e a circunstância dos dias 26 e 27 de novembro de 2016 serem, respetivamente, sábado e domingo v.

artigo 137º, nº 1, do CPC «Sem prejuízo de atos realizados de forma automática, não se praticam atos processuais nos dias em que os tribunais estiverem encerrados, nem durante o período de férias judiciais».

, deveria ter-se considerado ser a paragem de 24 dias [e não de 41 dias como consta da douta sentença recorrida); c) de abertura de conclusão após pronúncia dos impugnantes sobre a matéria de exceção (cf. pontos 43 e 44 do probatório), atento o disposto no artigo 162º, nº 1, do CPC, aplicável «ex vi» do artigo 29º, nº 3, do CPTA [prazo de cinco dias para os atos de secretaria], deveria ter-se considerado ser a paragem de 20 dias; e, [e não de 27 dias como consta da douta sentença recorrida); d) entre 17.02.2017 e 24.11.2021 com os autos conclusos para prolação de sentença, face aos períodos de férias judiciais, deveria ter-se considerado ser a paragem de 1413 dias [e não de 1561 dias como consta da douta sentença recorrida), Sendo, assim, violadas as normas contidas nos artigos 137º, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC), 1º, 35º, 36º e 37º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), e 28º da Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei 62/2013, de 26.08.

2.2. A suspensão dos prazos processuais determinada na Lei nº 1- A/2020, de 19.03, na Lei nº 4-A/2020, de 06.04, na Lei nº 4-B/2021, de 01.02, que aditou o artigo 6º B à Lei nº 1-A/2020.

Em observância dessas normas – inseridas na legislação que implementou «medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19» - o número de dias referido em 2.1.d) [1413 dias] sofre uma redução por força dos períodos da aludida suspensão dos prazos processuais, a saber: a) no período entre 09.03.2020 e 03.06.2020 [correspondente a 86 dias]) - cf. artigos 7º e 10º da Lei nº 1- A/2020, de 19.03, e também na redação do citado artigo 7º que lhe foi dada pela Lei nº 4-A/2020, de 06.04, do artigo 6º, nº 1, da Lei nº 4-A/2020, de 06.04, e artigos 2º e 8º da Lei nº 16/2020, de 29.05; e, b) no período entre 22.01.2021 e 05.04.2021 [correspondente a 74 dias] – cf. artigos 1º da Lei nº4-B/2021, de 01.02, que aditou o artigo 6ºB à Lei nº 1A/2020, e 4º, e artigo 6º e 7º da Lei nº 13-B/2021, de 05.04.

2.3. Tal significa que entre 17.02.2017 e 24.11.2021, com os autos conclusos para prolação de sentença, o período de paragem foi de 1253 dias [reduzindo-se assim o período de 1413 dias, acima mencionado, para esse número de 1253], Sendo, pois, violadas as normas contidas nos artigos 7º e 10º da Lei nº 1- A/2020, de 19.03, e também na redação do citado artigo 7º que lhe foi dada pela Lei nº 4-A/2020, de 06.04, do artigo 6º, nº 1, da Lei nº 4-A/2020, de 06.04, e artigos 2º e 8º da Lei nº 16/2020, de 29.051º da Lei nº4-B/2021, de 01.02, que aditou o artigo 6ºB à Lei nº 1-A/2020, e 4º, e artigo 6º e 7º da Lei nº 13-B/2021, de 05.04 3. O processo 929/13.6BECBR, relativamente ao qual a A. alega a ocorrência do atraso na justiça, é uma impugnação judicial da liquidação adicional de IRS do ano de 2009 e respetivos juros compensatórios; ou seja, nele está em causa, e tão somente, um litígio tributário – que, ainda que, eventualmente, relacionado com obrigações de conteúdo patrimonial – não tem caracter de obrigação civil [nem de sanção penal].

  1. Desse modo, dado que estamos perante um atraso na administração da justiça relativo a um processo sobre matéria fiscal, o caso vertente não está incluído no âmbito de aplicação o artigo 6º da CEDH, sendo-lhe inaplicável a jurisprudência do TEDH sobre a presunção dos danos não patrimoniais.

  2. Nesse sentido se pronunciou recentemente o Supremo Tribunal Administrativo no seu Acórdão de 10.02.2022 [processo 01473/18.0BELSB].

  3. Assim, dado que na responsabilidade civil por danos derivados da atividade judiciária da administração, não está especialmente prevista qualquer presunção de culpa, contrariamente ao que sucede no domínio da responsabilidade pelo exercício da função administrativa, nem é aplicável, por remissão, a presunção de culpa a que se referem os n.ºs 2 e 3 do artigo 10.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (RRCEEDEP) aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31.12 – que se reportam a situações não diretamente transponíveis para a responsabilidade da função jurisdicional –, a exigência do carácter ilícito da conduta implica que deva ser o lesado a efetuar, nos termos gerais, a prova da culpa.

  4. Sucede que, no caso dos autos, não foi feita qualquer prova dos danos não patrimoniais nem, por decorrência, que tais danos surgiram como consequência do ilícito, conforme estabelecido na Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro [anotando-se que dos factos considerados provados na douta sentença recorrida – e ressalvado o que antes dissemos relativamente ao item 3. desses factos, cuja redação se impugnou - não consta, nem resulta, qualquer dano, aferido a partir da ilicitude objetiva, moral ou patrimonial, sofrido pela autora].

  5. Desse modo, impondo-se na Lei nº 67/2007, de 31.12, a prova desses danos e do nexo de causalidade para permitir o ressarcimento da Autora pelos danos não patrimoniais invocados na sua petição inicial, teria aquela de ter provado a existência desses danos, dado recair sobre si o ónus da prova.

  6. E não o fez, pois que da prova documental que produziu, e que foi devidamente apreciada pelo tribunal, não foi feita qualquer prova da existência dos danos não patrimoniais.

  7. A Mmª Juíz «a quo» fez recurso à presunção de danos construída pela jurisprudência do TEDH, com base na aplicação do artigo 6º da CEDH, que, como supra referimos são inaplicáveis ao caso em apreço, um litígio tributário sem carácter de obrigação civil.

  8. Tal decisão recorrida é, pois, contrária à Lei n.º 67/2007, de 31-12, que exige a prova do dano moral para atribuição de indemnização a esse título.

  9. Em suma, porque só aferida a existência de danos se pode indagar da verificação do nexo de causalidade entre esses danos e o ilícito, deveria o tribunal ter considerado improcedente a ação por falta de pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos e agentes - responsabilidade que assenta na verificação cumulativa dos pressupostos de idêntica responsabilidade prevista na lei civil e que são: o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade -, e, não o tendo feito, na douta sentença recorrida violou-se o preceituado nos artigos 22° da CRP, 6° da CEDH, ratificada pela Lei n. ° 65/78, de 13/10, 7°, 10° e 12° do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (RRCEEDEP) aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31.12, e 342º, nº 1, e 496º do Código Civil, devendo, pois, ser substituída por decisão de improcedência da ação.

  10. Embora sem o conceber, por mera cautela, caso não seja esse o entendimento dos Venerandos...

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