Acórdão nº 467/22 de Tribunal Constitucional (Port, 24 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelCons. António José da Ascensão Ramos
Data da Resolução24 de Junho de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 467/2022

Processo n.º 251/2022

2.ª Secção

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 20 de outubro de 2021, que alterou o decidido no acórdão condenatório de primeira instância.

Em concreto, tal decisão modificou o cúmulo jurídico efetuado, condenando o arguido na pena de três anos de prisão, pela prática de: (i) um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo artigo 291.º, n.º1, alíneas a) e b), e n.º 3, do Código Penal (com aplicação de pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no artigo 69.º, n.º 1, alínea a), também do Código Penal); (ii) seis crimes de ameaça agravada, previstos e punidos pelos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alíneas a) e c), com referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l), do Código Penal; (iii) quatro crimes de injúria agravada, previstos e punidos pelos artigos 181.º, n.º 1, e 184.º, com referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l), do Código Penal; (iv) um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143.º e 145.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Código Penal, com referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l), do mesmo diploma; (v) um crime de ofensa à integridade física qualificada na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22.º, 23.º, 143.º e 145.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Código Penal, com referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l), do mesmo diploma; e ainda (vi) um crime de desobediência, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 348.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, 152.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3, do Código da Estrada e ainda 69.º,n.º 1, alínea c), do Código Penal.

2. Por decisão datada de 8 de fevereiro de 2022, não se admitiu tal recurso, com os seguintes fundamentos, no essencial (cf. fls.216-217):

«(…)

Ora, no acórdão de que se recorre não foi aplicada qualquer norma cuja "inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo".

Aliás, não foi suscitada a inconstitucionalidade de qualquer norma.

A questão agora suscitada prende-se com o crime de condução perigosa. Afirma o arguido no requerimento de interposição do presente recurso para o TC que:

"Quanto ao crime de condução perigosa, o Arguido em sede de recurso referiu que não existe prova, nem a mesma resulta da motivação do acórdão, para dar como provado os factos relacionados com a condenação do Arguido no crime de condução perigosa.

O Recorrente alegou que não existia prova, pelo que não a poderia impugnar especificamente.

Também não poderia reproduzir o que não existe, ou transcrever o que não foi reproduzido em julgamento.

Logo não poderia reproduzir as passagens da prova, pelo facto da mesma não existir".

Porém, a questão foi suscitada de forma bem distinta na peça recursória.

Como resulta das conclusões de recurso e no que respeita a este crime, o arguido alegou que:

“41.) Os factos provados da acusação, é patente, não permitem concluir pela prática do crime de condução perigosa.

42.) Mas independentemente da solução de facto alcançada pelo tribunal é em face da acusação pública que não é possível concluir pela prática deste crime.

43.) Ou seja, e no que é de factual, o arguido circulava após ingerir bebidas alcoólicas (isto o próprio admitiu, pois não há no processo qualquer prova da TAS), que João Pedro circulava na passadeira, e o Arguido embateu com a sua parte frontal esquerda no mesmo, não permite concluir por um crime de condução perigosa.

44.) Desde logo, qual o perigo concretamente criado pelo arguido?

45.) Não existindo resposta a esta questão, impõe-se a absolvição do arguido, da prática do crime de condução perigosa de que vem acusado.

46.) Estaríamos sim perante um crime de ofensa à integridade física, mas não existindo participação criminal do Lesado, impõe-se o arquivamento dos autos".

Foi com base nestas conclusões do recurso que esta Relação apreciou a questão de saber se não existe matéria de facto que sustente a condenação do arguido pela prática do crime de condução perigosa e, por isso, deve ser absolvido.

Em suma, a questão agora suscitada no requerimento de recurso para o TC não foi suscitada na peça recursória, razão pela qual não foi apreciada, não tendo sido aplicada qualquer norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.

A ser assim, por falta de fundamento legal, não se admite o recurso interposto para o TC do acórdão proferido a 20.10.2021».

3. Notificado de tal decisão, reclamou o recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 76.º, n.º 4, da LTC, argumentando, no que ora releva, o seguinte (fls. 2 a 43):

«(…)

Inconformado com esta decisão, o ora recorrente suscitou perante o referido Tribunal da Relação um conjunto de nulidades, apresentando para isso requerimento datado de 3 de novembro de 2021 no qual suscitou ainda as inconstitucionalidades de que veio mais tarde a recorrer para este Tribunal Constitucional.

Assim, arguiu o ora recorrente a nulidade por falta de pronúncia sobre questões suscitadas, alegando, em síntese, que não foram conhecidas pela Relação as suas alegações em sede de recurso, mormente quanto ao crime de coação sobre funcionário, apontando ainda que “(...) não basta ABSOLVER o Arguido da prática de um crime de coação sobre funcionário, para não apreciar o alegado pelo mesmo em sede de recurso”.

(…)

Tendo o Tribunal da Relação entendido que o recorrente não indicou as concretas provas que impõem decisão diversa, o que, com o devido respeito, que é muito, não poderá colher, porquanto o recorrente não pode indicar concretamente elementos que não existem.

Existindo também aqui nulidades e inconstitucionalidade da interpretação da norma do artigo 412.º n.º 3 e 4 do Código de Processo Penal, como melhor explanado no Recurso de Constitucionalidade, não admitido, que passamos a transcrever:

(…)

Em sede de inconstitucionalidades, foram também no supra referido requerimento suscitadas, nomeadamente dizendo "A interpretação do artigo 379.º n.º 2 do Cód. Processo Penal no sentido de não ser possível/admissível suscitar perante o tribunal que proferiu a decisão de vícios desta que se enquadram no elenco das nulidades da sentença, quando já não é permitida a interposição de recurso, é inconstitucional por se estar a violar o acesso ao direito e aos tribunais, direito este expressamente consagrado na nossa constituição, nomeadamente no ser artigo 20. º n.º 1 da CRP, bem como por violação do principio da igualdade, consagrado no artigo 13.ºn.º 1 da CRP.".

"As decisões penais proferidas pelos tribunais estão obrigadas a observar todos os pressupostos e exigências definidas no disposto do artigo 374.º do Cód. Processo Penal.

Decorre assim a exigência de fundamentação dos actos decisórios, que decorre do artigo 97.º n.º 5 do Cód. Processo Penal.

Esta norma está intimamente ligada ao dispositivo constitucional contido no artigo 205.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

E assim clara a imposição de um dever concreto de especificar a motivação de qualquer decisão, ou seja, a especifica exigência de fundamentação, conforme resulta do n.º 2 do artigo 374.º do Cód. Processo Penal, que estatui que a fundamentação deve ser o mais possível completa, concisa, dos motivos de facto e de direito, incluindo um exame critico da prova. "

E ainda "No que concerne à aplicação ao Arguido de uma pena suspensa, entendo o Arguido que o douto Tribunal incorreu numa violação flagrante dos preceitos e valores do nosso ordenamento jurídico, nomeadamente dos artigos 28.º e 32.º n.º 2 da CRP, à luz de tudo quando se alegou na motivação de recurso. A aplicação do direito, como fez o douto Acórdão torna-o materialmente inconstitucional por violação dos princípios constitucionais do direito à liberdade, da presunção da inocência e da subsidiariedade, definido nos artigos 32.º n.º 2, 28.º, 27.º, n.º 1, 29.º, n.º 5, da CRP.".

Tudo conforme o supra referido Requerimento de arguição de nulidades, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.

Enquadrado que está o caso em apreço, importa agora referir-nos à interposição de Recurso de constitucionalidade e ao douto Despacho ora em crise.

O ora recorrente interpôs, após tudo o explanado supra, Recurso para o Tribunal Constitucional nos termos dos artigos 70.º, n.º 1, al. b) e 75.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.

Para tanto, expôs as inconstitucionalidades invocadas imediatamente no Tribunal da Relação de Coimbra, exposição que aqui se transpõe:

(…)

Como resulta do exposto, o ora recorrente suscitou as referidas inconstitucionalidades atempadamente, tendo vindo posteriormente interpor recurso de constitucionalidade tendo por referência as mencionadas normas.

Assim, é do nosso entendimento, salvo o devido respeito que é muito, que andou mal o Tribunal da Relação de Coimbra ao não admitir o recurso.

Senão vejamos,

Fundamenta o Tribunal da Relação o seu douto Despacho dizendo que «(...) no acórdão de que se recorre não foi aplicada qualquer norma cuja "inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo".» e "Aliás, não foi suscitada a inconstitucionalidade de qualquer norma. ".

Concluindo que "Em suma, a questão agora suscitada no requerimento de recurso para o TC não foi suscitada na peça recursória, razão pela qual não foi apreciada (...) ".

Salvo melhor entendimento de Vossas Excelências, tal entendimento padece de erro, por tudo o exposto supra.

Ademais, todas as questões foram...

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