Acórdão nº 053/22.0BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Junho de 2022
Magistrado Responsável | CARLOS CARVALHO |
Data da Resolução | 09 de Junho de 2022 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1.
Município de arganil, devidamente identificado nos autos [doravante Requerente], instaurou neste Supremo Tribunal, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts 24.º, n.º 1, al. a), subal. iii), e al. c), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais [ETAF], 112.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], a presente providência cautelar contra o Conselho de Ministros [doravante CM], o Ministério das Finanças [doravante MF] e o Ministério da Educação [doravante ME], peticionando, pela motivação inserta no requerimento inicial [cfr. fls. 05/28 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências a paginação], que seja: «1) … decretada a suspensão de eficácia do Despacho n.º 3601/2022, de 25 de março, da Secretária de Estado da Educação que procede à aprovação e publicação da lista nominativa, homologada, de trabalhadores com vínculo de emprego público da carreira subsistente de chefe de serviços de administração escolar e das carreiras gerais de assistente técnico e de assistente operacional a transitar para o mapa de pessoal do Município de Arganil; 2) … decretada a suspensão de eficácia das medidas administrativas concretizadoras do quadro de transferência de competências para os órgãos municipais e para as entidades intermunicipais no domínio da educação, tal como definidas pelo Decreto-Lei n.º 21/2019, de 30 de janeiro, mais concretamente, as previstas nos seus artigos 67.º, n.º 2, e 76.º, n.º 3; 3) com a consequente, determinação da manutenção de tais competências no domínio da administração central até à integral e necessária concretização de todas as medidas administrativas necessárias à concretização daquela transferência, em respeito pelos princípios constitucionais que lhe estão necessariamente subjacentes; 4) e, nos termos do disposto no artigo 131.º do CPTA, ser provisória e urgentemente decretadas as providências cautelares requeridas, devendo ser as entidades requeridas intimadas a abster-se de proceder à concretização da transferência de competências para o Município de Arganil, em causa nos presentes autos».
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Foi proferido despacho liminar [cfr. fls. 108/109] no qual foi indeferido o pedido de decretamento provisório da providência cautelar por se considerar não estarem demonstrados os pressupostos estabelecidos pelo art. 131.º, n.º 1, do CPTA.
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Ordenada e realizada devidamente a citação dos requeridos CM, MF e ME vieram per se apresentar oposição [cfr., respetivamente, fls. 254/278, fls. 235/249 e fls. 116/141], no âmbito das quais se defenderam por exceção [em concreto, o CM - as exceções da incompetência absoluta da jurisdição administrativa, da incompetência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) para o conhecimento, em primeira instância, do pedido cautelar e da ilegitimidade passiva; o MF - as exceções da incompetência absoluta do tribunal, da ilegitimidade passiva e da inimpugnabilidade do pedido de suspensão de eficácia do Despacho n.º 3601/2022; o ME - as exceções da incompetência absoluta do tribunal, por considerar que estava em causa um ato praticado no exercício da função política e legislativa e da inimpugnabilidade do pedido de suspensão de eficácia do Despacho n.º 3061/2022] e por impugnação, concluindo pela procedência das exceções arguidas ou, então, pela total improcedência da pretensão cautelar.
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O Requerente na sequência do determinado no despacho de fls. 283 veio produzir resposta quanto às matérias de exceção suscitadas nas oposições [cfr. fls. 289/301], pugnando pela sua total improcedência.
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Por despacho da Exm.ª Conselheira titular de fls. 304/305 foi suscitada a questão de o pedido de suspensão de eficácia das medidas administrativas concretizadoras do quadro de transferência de competências para os órgãos municipais no domínio da educação poder ainda ter como fundamento a desaplicação das normas do DL n.º 21/2019, de 30.01 [diploma que procedeu à concretização do quadro de transferência de competências para os órgãos municipais e para as entidades intermunicipais no domínio da educação operada pela Lei n.º 50/2018, de 16.08] com fundamento em inconstitucionalidade, designadamente, por violação dos princípios da autonomia do poder local, da descentralização administrativa de corrente e da indeterminabilidade legislativa por insuficiência de regulação financeira dos efeitos da referida transferência legal e unilateral de competências na área da educação, sendo que sobre tal questão pronunciaram-se por requerimento todas as partes com exceção do requerido MF [cfr. fls. 306/332].
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Sem vistos, dado o disposto no art. 36.º, n.ºs 1, al. f), e 2, do CPTA, o processo foi submetido à Conferência, cumprindo apreciar e decidir.
DO SANEAMENTO - ENQUADRAMENTO E APRECIAÇÃO 7.
Dado se mostrarem findos os articulados e assegurada a observância do contraditório quanto às matérias de exceção invocadas [cfr. arts. 03.º, 06.º, 7.º-A, 112.º e segs., todos do CPTA e 03.º do Código de Processo Civil (CPC/2013)] importa proceder ao saneamento dos autos apreciando da bondade das invocadas exceções, o que se passa a efetuar de seguida, cientes de que neste âmbito e para a pronúncia a desenvolver nesta sede mostra-se como despicienda a realização de qualquer instrução ou produção de prova [cfr. arts. 118.º do CPTA, 367.º e 410.º e segs. do CPC/2013].
I) DA INCOMPETÊNCIA DA JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA 8.
Mostra-se consensual o entendimento de que a competência do tribunal se afere de harmonia com a relação jurídica controvertida tal como a configura o requerente/demandante, sendo que a mesma se fixa no momento em que a ação é proposta, dado se mostrarem irrelevantes, salvo nos casos especialmente previstos na lei, as modificações de facto que ocorram posteriormente, bem como as modificações de direito operadas, exceto se for suprimido o órgão a que a causa estava afeta ou lhe for atribuída competência de que inicialmente carecesse para o conhecimento da causa [cfr. arts. 38.º da Lei n.º 62/2013, de 26.08 (Lei da Organização do Sistema Judiciário - LOSJ) e 05.º, n.º 1, do ETAF], na certeza de que na apreciação da mesma não releva um qualquer juízo de procedência [total ou parcial] quanto ao de mérito da pretensão/ação ou quanto à existência de quaisquer outras questões prévias/exceções dilatórias.
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Decorre do n.º 1 do art. 01.º do ETAF que «[o]s tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º deste Estatuto», prevendo-se, no que aqui ora releva, no n.º 1 do art. 04.º do ETAF que «[c]ompete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a: … a) Tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais; … b) Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos emanados por órgãos da Administração Pública, ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal; … c) Fiscalização da legalidade de atos administrativos praticados por quaisquer órgãos do Estado ou das Regiões Autónomas não integrados na Administração Pública; … d) Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos praticados por quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, no exercício de poderes públicos» e na al. a) do n.º 3 do citado art. 04.º que «[e]stá nomeadamente excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto a impugnação de: a) Atos praticados no exercício da função política e legislativa».
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Preceitua-se, por sua vez, no n.º 1 do art. 51.º do CPTA que «[a]inda que não ponham termo a um procedimento, são impugnáveis todas as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta, incluindo as proferidas por autoridades não integradas na Administração Pública e por entidades privadas que atuem no exercício de poderes jurídico-administrativos» e no art. 52.º do mesmo Código que «[a] impugnabilidade dos atos administrativos não depende da respetiva forma», estipulando-se, ainda, no seu art. 72.º que «[a] impugnação de normas no contencioso administrativo tem por objeto a declaração da ilegalidade de normas emanadas ao abrigo de disposições de direito administrativo, por vícios próprios ou derivados da invalidade de atos praticados no âmbito do respetivo procedimento de aprovação» [n.º 1], sendo que «[f]ica excluída do regime regulado na presente secção a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral com qualquer dos fundamentos previstos no n.º 1 do artigo 281.º da Constituição da República Portuguesa» [n.º 2].
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Resulta, por outro lado, do art. 135.º do Código de Procedimento Administrativo [CPA/21015] que «[p]ara efeitos do disposto no presente Código, consideram-se regulamentos administrativos as normas jurídicas gerais e abstratas que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos» e do art. 148.º do mesmo Código que «[p]ara efeitos do disposto no presente Código, consideram-se atos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta».
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Presente o quadro normativo antecedente e avançando na análise e juízo quanto à exceção em epígrafe importa, ante a pretensão cautelar sub specie, concluir, desde já, pela sua procedência no que tange ao pedido deduzido sob o «n.º 2», relativo à «suspensão de eficácia das medidas administrativas concretizadoras do quadro de transferência de competências para os órgãos municipais e para as entidades intermunicipais no domínio da educação, tal como definidas pelo...
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