Acórdão nº 399/22 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução26 de Maio de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 399/2022

Processo n.º 345/22

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Évora, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, o primeiro veio interpor recurso de constitucionalidade ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC).

O arguido foi condenado na 1.ª instância numa pena de 6 (seis) meses de prisão efetiva e numa pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 1 (um) ano, pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo disposto no artigo 348.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, por referência ao artigo 152.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3, do Código da Estrada, e ao artigo 69.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal.

Interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora, que lhe negou provimento por acórdão de 13 de abril de 2021.

Inconformado, reclamou desse acórdão, arguindo a sua nulidade, a qual foi indeferida por acórdão de 8 de junho de 2021.

Ainda inconformado, interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que não foi admitido, por despacho de 10 de setembro de 2021, em razão de o acórdão de que se interpunha o recurso – sc. aquele que negou provimento à reclamação apresentada de arguição da nulidade do acórdão condenatório – não constar do elenco do artigo 432.º do Código de Processo Penal.

O recorrente reclamou então da não admissão do recurso, ao abrigo do disposto no artigo 405.º do Código de Processo Penal, reclamação que foi indeferida por despacho da Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça datado de 25 de outubro de 2021, com base na seguinte fundamentação:

«(…)

8. No caso em apreço, foi interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação de 8 de junho de 2021 que julgou não provida a reclamação quanto à nulidade arguida do acórdão da Relação, anteriormente proferido que manteve a decisão da 1.a instância que condenara o ora reclamante na pena de 6 meses de prisão.

O acórdão, que se pronunciou sobre a nulidade de 8 de junho de 2021, não tem autonomia em relação à decisão sobre o mérito e apenas se compreende como incidental desta.

Mas, sendo assim, em matéria de recorribilidade não poderá ter pressupostos diferentes da decisão que complementa pelo que o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça não é admissível, nos termos dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b) e 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP.

Com efeito, o acórdão que conheceu do mérito confirmou a decisão da 1.a instância que condenara o arguido em pena de prisão não superior a 8 anos.

O recurso não é, assim, admissível (artigos 432º, n.º 1, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP).

9. Por seu turno, mesmo que se considerasse que o acórdão de 8 de junho de 2021 teria autonomia em relação ao acórdão condenatório, também o recurso não seria admissível.

A alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, estabelece serem irrecorríveis "os acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações, que não conheçam, a final, do objeto do processo".

O objeto do processo penal é delimitado pela acusação ou pela pronúncia e constitui a definição dos termos em que vai ser julgado e decidido o mérito da causa - ou seja, os termos em que, para garantia de defesa, possa ser discutida a questão da culpa e, eventualmente, da pena.

No caso concreto, o acórdão de 8 de junho de 2021 de que o reclamante pretende recorrer, ao julgar não verificada a nulidade do acórdão condenatório não conheceu do objeto do processo, porque não decidiu sobre a culpabilidade e a pena, mas antes de uma questão lateral relacionada com a competência própria da Relação, precisamente por o acórdão condenatório, não ser suscetível de recurso.

10. Na argumentação do reclamante o único direito que considera restringido seria o direito ao recurso.

O artigo 32.º n.º 1, da CRP, apesar de garantir o direito ao recurso em processo criminal, não o impõe em todos os casos.

Segundo a jurisprudência do Tribunal Constitucional, "(...) o princípio constitucional das garantias de defesa apenas impõe ao legislador que consagre a faculdade de os arguidos recorrerem das sentenças condenatórias, e bem assim o direito de recorrerem de quaisquer atos judiciais que, no decurso do processo, tenham como efeito a privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros dos seus direitos fundamentais" — Acórdão do T.C. n.º 209/90, de 19-06-90, BMJ, 398, p.152.

O acórdão de que pretende recorrer ao julgar não verificada a nulidade, não é condenatório, nem afeta o direito à liberdade ou outros direitos fundamentais do reclamante.

11. Pelo exposto, indefere-se a reclamação, deduzida por A..»

2. Deste despacho interpôs o arguido recurso de constitucionalidade, apresentando as conclusões abaixo transcritas:

«A., Recorrente nos autos à margem referenciados aí melhor identificado, vem, respeitosamente, ao abrigo do disposto nos artigos 70.º, 71.º e 72.º, nº 1, al. b) da Lei nº 28/82, de 15 de novembro, interpor recurso para o Tribunal Constitucional, da douta decisão proferida a fls... que indeferiu a reclamação apresentada pelo aqui Recorrente, nos termos da motivação que junta.

Colendos Juízes,

A., recorrente melhor identificado nos autos supra referenciados, tendo sido notificado da douta Decisão proferida, não se conformando com a mesma, vem, respeitosamente, dele apresentar Recurso para o Colendo Tribunal Constitucional, o que faz nos termos dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), 71.º, n.º 1, 72.º, 75.º, n.º 1, todos da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, e com os seguintes fundamentos:

(...)

Conclusões

1. O Recorrente foi condenado pelo Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Local Criminal de Albufeira, Juiz 1, numa pena de seis meses de prisão efetiva, pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo art.º 348.º n.º 1 al. a) do Código Penal e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 12 meses por referência aos art.ºs 152.º n.º 1, al. a) e n.º 3 do Código da Estrada e 69.º n.º 1 al. c) do Código Penal.

2. Não concordando com o douto despacho de alteração não substancial dos factos, pois que entendeu o Recorrente que a alteração operada pelo Tribunal de primeira instância constituiu alteração substancial dos factos, sobre os quais não podia conhecer, nem com a douta sentença que o condenou numa pena de seis meses de prisão efetiva, pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo art.º 348.º n.º 1 al. a) do Código Penal e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 12 meses, o arguido interpôs recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Évora, arguiu a nulidade da decisão por condenação por factos diversos dos descritos na acusação, os quais constituem um alteração substancial dos factos, arguiu a nulidade da sentença, bem como o erro na apreciação da prova, insuficiência e contradição entre a decisão e aprova, violação do princípio in dúbio pro reo e excesso das penas aplicadas e violação da finalidade das penas.

3. Decidiu o Venerando Tribunal da Relação de Évora, negar provimento ao recurso interposto pelo arguido/recorrente em todos os seguimentos, mantendo a pena aplicada ao arguido, seis meses de prisão efetiva, decidindo não suspender a execução da pena.

4. O arguido/recorrente, notificado do acórdão do Tribunal da Relação de Évora, verificou que aquele Tribunal não se pronunciou em sede de ponderação da pena a aplicar ao Arguido como impõe a Lei, a aplicação de penas de substituição, nos termos do disposto nos arts.º 43.º, 45.º n.º 1 e 3, 46.º, 50.º e 58.º do Código Penal, pelo que através de reclamação dirigida aquele Tribunal arguiu a nulidade do acórdão.

5. A reclamação apresentada pelo Recorrente foi indeferida, por acórdão proferido em 08.06.2021, concluindo o acórdão não ter sido cometida a apontada nulidade.

6. Em reação ao acórdão proferido em 08.06.2021, o Recorrente interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, onde suscita interpretações normativas inconstitucionais, designadamente a inconstitucionalidade do eventual entendimento normativo dado ao disposto nos arts.º 40.º, 43.º, 45.º, 50.º, 58.º, 70.º e 71.º do Código Penal, e no art.º 379.º CPP;

7. Decidiu o Venerando Tribunal da Relação de Évora não admitir o recurso.

8. Desse despacho de não admissão do recurso reclamou o arguido para o Colendo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.

9. Decidiu a Sr.a Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça indeferir a reclamação apresentada pelo arguido/recorrente com os fundamentos seguintes:

"O acórdão, que se pronunciou sobre a nulidade de 8 de junho de 2021, não tem autonomia em relação à decisão sobre o mérito e apenas se compreende como incidental desta.

Mas, sendo assim, em matéria de recorribilidade não poderá ter pressupostos diferentes da decisão que complementa pelo que o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça não é admissível, nos termos dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b) e 400, n.º 1, alínea J), do CPP.

Com efeito, o acórdão que conheceu do mérito confirmou a decisão da 1.ª instância que condenara o arguido em pena de prisão não superior a 8 anos.

O recurso não é, assim, admissível (artigos 432º, n.º 1, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP. 9. Por seu turno, mesmo que se considerasse que o acórdão de 8 de junho de 2021 teria autonomia em relação ao acórdão condenatório, também o recurso não seria admissível.

A alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, estabelece serem irrecorríveis "os acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações, que não conheçam, a final, do objeto do processo ".

O objeto do processo penal é delimitado pela acusação ou pela pronúncia e constitui a definição dos termos em...

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