Acórdão nº 394/22 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução26 de Maio de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 394/2022

Processo n.º 243/2022

3ª Secção

Relatora: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e recorridos o Ministério Público e B., foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante, «LTC»), do acórdão proferido por aquele Tribunal em 21 de dezembro de 2021.

2. Por acórdão proferido pelo Juízo Central Criminal de Almada – Juiz 6, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, o ora recorrente foi condenado pela prática: (i) de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, alíneas h) e j), 22.º e 23.º, todos do Código Penal, na pena de cinco anos de prisão; e de (ii) um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1 al. d), por referência aos artigos 2.º, n.º 1, alínea m), 3.º, n.º 2, alínea ab) e n.º 4.º, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na redação decorrente da Lei n.º 50/2019, de 24 de julho, na pena de um ano de prisão. Em cúmulo jurídico, foi-lhe aplicada a pena única de cinco anos e quatro meses de prisão.

Inconformado com esta decisão, recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão proferido em 21 de dezembro de 2021, julgou o recurso parcialmente procedente. Dando «parcial razão ao arguido», único recorrente, o Tribunal da Relação considerou que «os factos provados demonstram a prática [...] de um crime de homicídio simples, sob a forma tentada, decaindo a qualificação», mas, «tendo em conta que o homicídio foi cometido com uma arma (faca de cozinha com lâmina superior a 10 cm)», que cumpria «agravá-lo nos termos do n.º 3, do art.º 86.º, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro». Em consequência desta dupla operação, o Tribunal da Relação reduziu para quatro anos e seis meses de prisão a pena aplicada pelo crime de homicídio na forma tentada, tendo ainda reduzido para seis meses a pena de prisão pela prática do crime de detenção de arma proibida e para quatro anos e oito meses de prisão a pena única aplicada por ambos os ilícitos.

Novamente inconformado, o recorrente reclamou do aludido acórdão, imputando-lhe diversas nulidades e suscitando, entre outras, a inconstitucionalidade da «interpretação normativa dos artigos 409.º, 424.º e 428.º, todos do CPP, no sentido de ser admissível, nos casos em que o Arguido é o único recorrente, a aplicação pelo tribunal de recurso de agravante (in casu a prevista no artigo 86.º, n.º 3, da Lei 5/2006) não contemplada quer na acusação, quer na decisão proferida no tribunal a quo, por manifesta violação das garantias de defesa do Arguido, do seu direito ao recurso, e da estrutura acusatória do processo e proibição da reformatio in pejus, decorrentes do artigo 32.º, n.ºs 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa» (154. da reclamação), bem como da «interpretação normativa retirada do artigo 424.º, n.º 3, do CPP, no sentido de que apenas nas situações de alteração de qualificação jurídica - e não na aplicação de agravante não anteriormente suscitada no processo - há o dever do tribunal notificar o arguido e dar-lhe oportunidade de se pronunciar, por violação das garantias de defesa do arguido e violação do direito ao contraditório, respetivamente previstos nos artigos 32.º, n.ºs 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa» (171. da reclamação).

Por acórdão proferido em 25 de janeiro de 2022, o Tribunal da Relação de Lisboa julgou a reclamação improcedente, considerando, entre o mais, que não se verificava a «nulidade por imputação da agravação não anteriormente suscitada», por se tratar de «uma agravação que decorre imperativamente da lei. E que só sucedeu porque o homicídio foi desqualificado na parte relativa à utilização da arma como meio insidioso».

3. O recorrente interpôs, então, recurso para este Tribunal, através de requerimento com o seguinte teor:

«A., Arguido e Recorrente nos autos acima identificados, notificado do Acórdão de 21.12.2021 e bem assim do acórdão que incidiu sobre as nulidades e inconstitucionalidades oportunamente invocadas datado de 25.01.2022 (notificado em 26.01.2021), proferido por este Tribunal da Relação, no âmbito do processo em epígrafe, com o mesmo não se conformando, vem, muito respeitosamente, nos termos do disposto no artigo 280.º, n.º 1, alínea b) da Constituição da República Portuguesa (doravante "CRP") e do artigo 70.º, n.º 1, alíneas b) da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro - doravante "LTC"), dele interpor

RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

O que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:

[…]

III. DA CONCRETA VERIFICAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS DE QUE DEPENDE O RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

12. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 75.º-A da LTC, «O recurso para o Tribunal Constitucional interpõe-se por meio de requerimento, no qual se indique a alínea do n.º 1 do artigo 70.º ao abrigo da qual o recurso é interposto e a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie»,

13. Determinando o n.º 2 do mesmo artigo que «Sendo o recurso interposto ao abrigo das alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º, do requerimento deve ainda constara indicação da norma ou princípio constitucional ou legal que se considera violado, bem como da peça processual em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade».

14. Por sua vez, estabelece o n.º 2 do artigo 70.º da LTC que «Os recursos previstos nas alíneas b) e f) do número anterior apenas cabem de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização de jurisprudência».

Assim,

A. AS ALÍNEAS DO N.º 1 DO ARTIGO 70.º DA LTC AO ABRIGO DA QUAL O RECURSO É INTERPOSTO

15. Tal como enunciado em sede de introito, o presente recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.

16. Conforme já referido supra, o Acórdão de que se recorre (Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 21.12.2021) aplica normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo (em concreto a 06.01.2022, conforme já referido no presente Recurso).

B. DA IMPOSSIBILIDADE DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ORDINÁRIO

17. Nos presentes autos foram já esgotados todos os recursos ordinários que, de acordo com lei processual penal, ao caso cabiam, sendo que do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25.01.2022 não é possível a interposição de qualquer recurso, designadamente para o Supremo Tribunal de Justiça (cfr. artigos 400 e 432.º do CPP, nomeadamente atenta a pena em que o Arguido foi condenado).

Quanto aos restantes pressupostos:

a) NORMAS CUJA INCONSTITUCIONALIDADE SE PRETENDE QUE O TRIBUNAL APRECIE E PEÇA PROCESSUAL EM QUE O RECORRENTE SUSCITOU A INCONSTITUCIONALIDADE

18. Na medida em que as inconstitucionalidades são invocadas em modo distinto na reclamação para conferência realizada pelo Arguido a 06.01.2022 (e já transcritas no ponto 6. do presente Recurso), dividir-se-á do seguinte modo:

a. artigos 412.º, n.º 6, 428.º e 431.º todos do Código de Processo Penal;

b. artigos 425.º, 428.º e 374.º, n.º 2 todos do Código de Processo Penal;

c. 409.º, artigos 424.º e 428.º, todos do Código de Processo Penal;

d. 424.º, n.º 3, do Código de Processo Penal;

e. artigos 86.º, n.º 1, alínea d) e n.º 3, ambos da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro;

f. artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal;

b) NORMAS OU PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS QUE SE CONSIDERAM VIOLADOS

48. Defendeu o Recorrente, na sua reclamação para conferência a 06.01.2022 (e já transcritas no ponto 6. do presente Recurso) que as interpretações normativas inconstitucionais violam as normas constitucionais e princípios constitucionais ínsitos nos artigos 29.º, n.º 5, 32.º, n.º 1 e n.º 5, 111.º, n.º 1, alínea b), 203.º, n.º 1 e 205.º, n.º 1 todos da Constituição da República Portuguesa.

49.

c) NORMAS OU PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS QUE SE CONSIDERAM VIOLADOS (ÂMBITO MATERIAL DO RECURSO)

50. Entende o Recorrente que se verifica inconstitucionalidade material da interpretação dos artigos 412.º, n.º 6, 428.º e 431.º do Código de Processo Penal, no sentido de que em sede de recurso a reapreciação da matéria de facto se basta com a mera referência e análise da fundamentação do tribunal de 1.a instância, dispensando a análise dos concretos meios de prova e da concreta impugnação efetuada pelo Arguido (quanto a concretos pontos da matéria de facto, indicação de concretos meios de prova que impõem decisão diversa [prova ou não provada] e concreta indicação do sentido da decisão de pontos concretos da matéria de facto) em sede de motivação e conclusões de recurso por violação do direito fundamental ao recurso previsto constitucionalmente no artigos 32.º, n.º 1.

51. Do mesmo modo deverá considerar-se inconstitucional a interpretação normativa retirada dos artigos 412.º, n.º 6, 428.º e 431.º do Código de Processo Penal, no sentido de que em sede de recurso a reapreciação da matéria de facto se basta com a mera referência e análise da fundamentação do tribunal de 1.a instância, dispensando a análise dos concretos meios de prova e da concreta impugnação efetuada pelo Arguido (quanto a concretos pontos da matéria de facto, indicação de concretos meios de prova que impõem decisão diversa e concreta indicação do sentido da decisão de pontos concretos da matéria de facto) em sede de motivação e conclusões de recurso sem qualquer indicação dos concretos pontos da matéria de facto reapreciados e sem indicação das razões pelas quais desatende a impugnação dos concretos pontos da matéria de facto indicados pelo recorrente, por violação...

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