Acórdão nº 1608/20.3T8AMT-A.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Maio de 2022
Magistrado Responsável | CATARINA SERRA |
Data da Resolução | 05 de Maio de 2022 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO 1.
CC e DD intentaram acção declarativa de condenação, com processo comum, contra AA, marido, BB e Construções - P..., Lda.
, alegando, em resumo, que, no dia 30.11.2017, adquiriram aos 1.ºs réus uma fracção autónoma que identificaram, situada num prédio construído pela 2.ª ré, a qual tinha sido por esta última vendida àqueles réus, em 2013.
Sucede que a referida fracção padece de diversos defeitos que enunciam e que vieram a revelar-se no dia 19.10.2019, quando parte do muro de vedação situado a poente e do pavimento do logradouro do prédio em que se insere a mesma fração ruiu, na zona confinante com linha de água, ocasionando o aluimento parcial, a fissuração e o assentamento da plataforma de acesso automóvel à garagem situada na cave do edifício.
Perante esta situação, comunicaram aos 1.ºs réus os defeitos de que padece a fracção em causa, por carta que lhe dirigiram em 30.06.2020, mas os mesmos recusam-se a repará-los.
Ora, entendem que têm direito a essa reparação ou, em alternativa, a uma indemnização pecuniária que cubra o custo da mesma, tudo a suportar pelos réus.
Na hipótese de se vir a apurar que, por qualquer motivo, as obras de reparação não são passíveis de ser realizadas, pretendem, subsidiariamente, a anulação do contrato de compra e venda celebrado com os 1.ºs réus.
Paralelamente, em qualquer das situações, acham-se ainda com direito a ser compensados por todos os danos não patrimoniais que sofreram.
Em suma, terminam pedindo que: a) Sejam os réus, solidariamente, condenados a eliminar os defeitos descritos nos artigos 10.º a 15.º da petição inicial, executando as obras de reparação discriminadas nos artigos 36.º e 37.º da mesma peça processual, ou as que vierem a mostrar-se necessárias, na identificada fração dos autores, no prazo de trinta dias, sob sanção pecuniária compulsória de € 150,00 por cada dia de atraso, Ou, em alternativa, b) Sejam os réus, solidariamente, condenados a liquidarem aos autores a quantia de € 25.553,25, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento; Subsidiariamente, para a hipótese de se vir a apurar que, por qualquer motivo, as obras de reparação supra elencadas não são passíveis de ser realizadas, c) Seja o contrato de compra e venda anulado, com todas as consequências legais e registrais daí advenientes, condenando-se os 1.ºs réus a restituírem aos autores tudo quanto prestaram no âmbito do mesmo, nomeadamente o preço pago, as despesas de escritura, IMT e Imposto de Selo, num total de € 138.039,76 acrescido de juros de mora à taxa legal desde a data da outorga (30.11.2017) até efetivo e integral pagamento, bem como, todos os custos inerentes à celebração e extinção do contrato de mútuo com hipoteca celebrado com o Banco Comercial Português S.,A. para a aquisição da fracção ... a liquidar em execução de sentença.
E, em qualquer dos casos, d) Sejam os réus, solidariamente, condenados a pagarem aos autores a quantia de € 5.000,00, a título de indemnização pelos danos sofridos, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
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Contestaram os réus, separadamente, invocando, entre outros fundamentos de defesa, a caducidade do direito à propositura da presente acção, por ter sido ultrapassado o prazo legal que os autores tinham para o fazer.
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Em resposta, os autores defenderam a posição oposta.
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Terminados os articulados e dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho no qual, para além do mais, se absolveram os réus dos pedidos supra descritos sob as als.
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e b) do n.º 1, por se ter considerado que se encontrava extinto, por caducidade, “o direito dos autores de pedir a eliminação dos defeitos ou o custeio da obra de reparação”.
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Inconformados com esta decisão do Tribunal de 1.ª instância, apelaram os autores.
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O Tribunal da Relação ... proferiu, então, Acórdão com o seguinte dispositivo: “Pelas razões expostas, acorda-se em conceder provimento ao presente recurso e, revogando parcialmente o despacho recorrido, julga-se improcedente a exceção de caducidade aí decidida, quanto aos 1ºs RR, AA e BB”.
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Inconformados vêm, por sua vez, os 1.ºs réus interpor recurso de revista “nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 671.º n.º 2 al. b) do Código de Processo Civil”.
Concluem as suas alegações nos seguintes termos: “I. A 2.ª Ré procedeu à conclusão e venda do bem imóvel aos 1.ºs Réus a 21/05/2013; por seu turno, os 1.ºs Réus, ora Recorrentes, venderam o imóvel aos AA., Recorridos, a 30/11/2017. Os defeitos manifestaram-se a 19/10/2019, após a ocorrência de elevada precipitação.
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Quando os Recorrentes venderam o imóvel aos Recorridos, verificou-se algo semelhante a uma cessão de créditos, colocando os Recorridos – terceiro adquirente – na mesma posição que os Recorridos tinham perante a construtora.
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O prazo de garantia previsto no n.º 1 do artigo 1225.º do Código Civil começa a contar a partir do momento em que a obra é entregue pela construtora/vendedora e é um prazo único, ou seja, independente das sucessivas alienações das quais o imóvel possa vir a ser objeto.
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No dia da interposição da ação, 25/11/2020, já tinha decorrido o prazo de cinco anos desde a entrega da obra (ocorrida a 21/05/2013) pela construtora/vendedora aos Recorrentes.
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Verifica-se, então, exceção perentória de caducidade, pois o direito dos Recorridos de pedir a eliminação dos defeitos ou o custeio da obra de reparação já se encontrava caduco a 25/11/2020.
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Dada a situação tratada nos autos, é aplicável o regime da venda de coisa defeituosa, em especial, os artigos 916.º e 917.º do Código Civil.
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Os Recorrentes adquiriram o imóvel ao construtor a 21/05/2013 e, a 30/11/2017, venderam-no aos Recorridos, na qualidade de particulares, não tendo os Recorrentes qualquer ligação profissional ao mercado de construção/imobiliário ou domínio sobre aquela construção.
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Com esta transmissão, verificou-se uma cessão de créditos, o que significa que os Recorrentes cederam a sua posição contratual, em relação ao construtor, aos Recorridos. Nesta medida, os Recorridos apenas podem exercer os direitos que os Recorrentes poderiam exercer, caso aquela segunda transmissão nunca tivesse ocorrido.
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Tendo a elevada precipitação que tornou visíveis os defeitos ocorridos a 19/10/2019, já tinham volvido mais de cinco anos desde a aquisição do imóvel ao construtor (em 2013), o que significa que o prazo de garantia já havia decorrido por completo, tendo terminado a 21/05/2018.
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Se os Recorrentes não se encontram em prazo para acionar judicialmente o construtor, o mesmo se aplica em relação aos Recorridos perante os Recorrentes, pois a responsabilidade destes só existe na mesma medida em que, desconsiderando a alienação, fosse possível aos Recorrentes exercitar esses direitos contra o construtor/vendedor.
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Caso assim não se entendesse, o construtor ficaria indefinidamente sujeito à obrigação de reparar o vício, máxime até observância do prazo geral de prescrição de vinte anos.
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Sobre esta questão já se pronunciou, por diversas vezes, o Supremo Tribunal de Justiça, bem como a Relação ....
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No Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, a 05 de dezembro de 2019 referente ao processo n.º 684/14.2TBAMT.P1.S1, foi entendido, tal como aqui já se alegou, existir um prazo de garantia de cinco anos, cuja contagem se inicia com a entrega do imóvel ao adquirente.
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Como refere aquele aresto «fixando o aludido prazo de garantia o lapso de tempo durante o qual a manifestação duma falta de conformidade faz surgir na esfera jurídica do dono da obra os respetivos direitos, fundamental é que, tal como se refere no citado Acórdão do STJ, de 14.01.2014, o defeito se revele no dito prazo de 5 anos, pois se o vício apenas surge ou é conhecido pelo adquirente do prédio após o decurso deste prazo de garantia, já não poderá ser exercido o direito de denúncia da ação. Diferentemente, se o defeito apenas se torna conhecido do adquirente no período final de prazo de garantia de 5 anos, mas antes de este se esgotar, então o adquirente dispõe do prazo de um ano, a partir do conhecimento, para exercer o direito de denúncia e de outro ano, subsequente à denúncia, para exercer o direito de ação».
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Também naquele acórdão nos é dito que «se é certo que essa responsabilidade do empreiteiro existe independentemente do número de alienações do imóvel, continuando o...
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