Acórdão nº 2083/22.3T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 07-03-2024

Data de Julgamento07 Março 2024
Ano2024
Número Acordão2083/22.3T8BRG.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

AA, residente na Rua ..., ... veio instaurar ação de processo comum contra BB e CC, casados, ambos residentes na Rua ..., ..., ... pedindo a condenação solidaria dos Réus:

a) A pagar à Autora os valores que despendeu com a reparação e instalação de nova caldeira, no valor de €3.109,00;
b) A, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da sentença, eliminar todos os defeitos referidos na petição, bem como os defeitos que se venham a apurar no decurso das obras de reparação, ou,
Em alternativa, a pagar à Autora o valor necessário para a reparação dos defeitos, sendo as despesas necessárias para a reparação a executar por terceiro, já apuradas no montante de €26.275,00, acrescido de IVA;
c) Ao pagamento da quantia €8.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, calculados desde a citação até ao efetivo e integral pagamento.
Os Réus no articulado de contestação vieram invocar a exceção perentória de caducidade do direito de ação da Autora, invocando, em síntese, que, não se dedicando os réus à atividade de construção, em 15/12/2020 os Réus venderam à autora a referida moradia, que a adquiriu a habitação objeto mediato do negócio de compra e venda, sucedendo que a autora alega ter tomado conhecimento, em finais de março de 2021, de defeitos e vícios que não havia detetado anteriormente. A autora remeteu aos réus uma carta de interpelação/denúncia recebida pelos réus na data de 31 de março 202. Ou seja, alegam os Réus, a Autora terá tomado conhecimento dos danos em 02/03/2021 ou, pelo menos, a 07/03/2021, fazendo a denúncia os alegados defeitos em 01/04/2021, através de comunicação remetida aos Réus.
Sustentam os Réus, considerando o disposto no artigo 917º, do Código Civil que a Autora dispunha do prazo de seis meses para exercer contra eles o direito de ação para obter a eliminação de defeitos que alegadamente afetam o prédio urbano em causa, pelo que, entendem, dúvidas não restam de que estamos perante a exceção perentória de caducidade, que determinou a extinção do direito agora invocado pela autora.
Convidada a Autora a pronunciar-se sobre a matéria desta exceção veio a mesma a fazê-lo, alegando, em síntese, que, de facto, remeteu a carta de denúncia em 01/04/2021, recebida pelos Réus em 05/04/2021, tendo tido conhecimento dos defeitos que alega em no inicio mês de fevereiro de 2021.
Mais aduz, que fundou o seu direito de indemnização na responsabilidade civil extracontratual, prevista no artigo 483.º do Código Civil, a qual prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete.
Mais alega que sempre o presente caso estaria subsumido às regras da responsabilidade contratual, prevista nos artigos 798.º e seguintes do Código Civil, a qual prescreve no prazo de 20 anos.
Acrescenta que deverá ser aplicado ao caso dos autos, diretamente, a Diretiva Comunitária nº 1999/44/CE de 25-05-1999, da qual resulta que os meios de defesa do comprador-consumidor de coisa defeituosa ali previstos: - reparação/substituição da coisa, redução do preço e rescisão -, não possam caducar antes de decorridos dois anos da entrega da coisa em causa.
Que, ainda que se aplicasse este artigo 917º do Código Civil, à luz do alargamento dos prazos previsto no n.º 3 do artigo 916º do Código Civil, o prazo de 6 meses de caducidade da ação também se tenha que considerar alargado para o prazo de 1 ano e, sem prescindir, alega ainda que nas situações em que o contrato celebrado ou outorgado é o de compra e venda, o n.º 4 do artigo 1225.º, introduzido pelo Decreto-Lei n.º 267/94, determinou a aplicação a estes contratos das regras da responsabilidade civil do empreiteiro por defeitos da obra em imóveis de longa duração; simultaneamente, o referido Decreto-Lei n.º 267/94 alterou o artigo 916.º do Código Civil, fazendo coincidir os prazos de denúncia dos defeitos na compra e venda de imóveis com os prazos previstos no mencionado artigo 1225.º do Código Civil para o contrato de empreitada.
Pelo que entende que a Autora denunciou tempestivamente os defeitos e instaurou tempestivamente a correlativa ação, sendo manifesto que a exceção perentória de caducidade deverá ser julgada totalmente improcedente, por não provada.
Foi proferido despacho saneador que julgou extinto, por caducidade, o direito da Autora e, na procedência da exceção de caducidade, absolveu os Réus do pedido.

Inconformada com tal despacho veio a Autora interpor o presente recurso, concluindo a sua alegação nos seguintes termos:

“1. A Recorrente não pode conformar-se com o o teor da decisão proferida pelo Tribunal a quo, pelo que vem dela recorrer, pois considera que o entendimento deste Tribunal conduziu-o à prolação de uma decisão judicialmente censurável e que urge corrigir.
2. Senão vejamos: a Recorrente, no dia 15.12.2020 e pelo preço de €200.000,00, comprou aos Recorridos o imóvel melhor identif‌icado nos autos.
3. Tendo tomado conhecimento de algumas patologias no seu interior, foi estimado, para aquela reparação, o valor de €23.791,70, tendo os Recorridos assumido cerca de metade desse custo, assim reduzindo o preço inicial.
4. Sucede que, após a formalização da escritura de compra e venda, e durante a reparação dos defeitos que já haviam sido apurados e solidariamente assumidos entre ambos, a qual teve o seu início no mês de Fevereiro de 2021, a Recorrente detetou a existência de outros grandes defeitos, intencionalmente ocultados aquando das suas visitas ao imóvel, nomeadamente a circunstância de que de uma rocha brota água, a qual se manifesta sobretudo em dias de chuva, resultando numa “mina” que causa muita humidade; o facto de que o rebentar de bolsas de água na parede exterior deixou visível uma aplicação recente de tinta; a existência de várias f‌issuras, humidades e fungos, ausência de isolamento térmico na caixa-de-ar e de impermeabilização.
5. Aliás, os Recorridos sabiam, porque foi bem explicado pela Recorrente antes da escritura, que era a intenção desta utilizar o imóvel como sua habitação e também como seu atelier de pintura, o que se tornou impossível face ao bolor constante e existente nos dias de Inverno.
6. Sendo de sublinhar que os Recorridos conheciam plenamente os defeitos, até porque seriam evidentes quando f‌izeram a pintura e não restam dúvidas de que terá sido o conhecimento desses defeitos que os levou a pintar a fachada exterior.
7. Posto isto, quando detetou os defeitos agora relatados, a Recorrente de imediato solicitou a realização de uma vistoria à casa com a elaboração de um relatório por parte de uma arquiteta, onde se apurou toda a extensão dos defeitos já detetados antes da compra, bem como a gravidade dos outros entretanto detetados após a escritura.
8. Acresce que, a Recorrente detetou defeitos críticos graves na caldeira, na saída do gás, na canalização da cozinha (pois só havia uma saída de água) e na aspiração central, o que a levou a despender as quantias supra indicadas.
9. Estes defeitos gravíssimos, apurados após a escritura, foram propositadamente omitidos e ocultados pelos Recorridos, os quais tornam o imóvel incompaqvel para o f‌im a que se destina, tornando-o inabitável, para além da forte suscetibilidade de prejudicar a saúde de quem nele habite e de desvalorizar por f‌icar esteticamente afetado.
10. Tendo a Recorrente sido manifestamente enganada pelos Recorridos.
11. Nesse seguimento, por carta enviada pela Recorrente no dia 01.04.2021, recebida pelos Recorridos no dia 05.04.2021, a primeira denunciou aos Recorridos o facto de o imóvel apresentar vários defeitos, tendo reiterado através de comunicação datada de 11.05.2021, por intermédio da sua mandatária, sem lograr sucesso.
12. Acresce que, sendo a Recorrente professora de Belas Artes na Universidade ..., na cidade ..., tencionava montar um atelier de pintura neste imóvel, o que não se tornou viável face à tamanha humidade de que padece o imóvel, especialmente o local que destinou para esse f‌im e que havia especif‌icado junto dos Recorridos antes da escritura.
13. Pretendendo a Recorrente ali viver no imóvel com a sua f‌ilha de 9 anos de idade, o que também não é totalmente viável face à ausência de algumas condições de habitabilidade do imóvel em causa.
14. Igualmente descobriu a Recorrente que a Ficha Técnica da Habitação estava absolutamente irregular, não existindo correspondência entre a f‌icha e a realidade, pois as plantas apresentadas neste documento estão diferentes do que se encontra construído e não se encontram compaqveis com o construído, facto esse só descoberto após a escritura.
15. Nessa senda, no dia 30.03.2022, a Recorrente instaurou a presente ação, através da qual requereu a condenação dos Réus, aqui Recorridos, no pagamento à mesma dos valores que despendeu com a reparação e instalação de nova caldeira, no valor de €3.109,00, bem como a, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da sentença, eliminarem todos os defeitos referidos na petição, bem como os defeitos que se venham a apurar no decurso das obras de reparação ou, em alternativa, a pagarem à Recorrente o valor necessário para a reparação dos defeitos.
16. Dito isto, considerou o Tribunal a quo que aos presentes autos é aplicável o disposto no artigo 917.º do Código Civil e que, tendo a Autora/Recorrente concretizado a denúncia em 01.04.2021 e intentado a presente ação em 30.03.2022, ou seja, cerca de 11 meses depois da denúncia, já havia decorrido o prazo de 6 meses previsto naquele normativo para intentar a correlativa ação.
17. Isto porque considerou o Tribunal a quo que “Embora o art 917.º, do C.C. apenas se ref‌ira à ação de anulação, tanto a doutrina (…) como a jurisprudência (…), em obséquio ao princípio da unidade do sistema jurídico e com vista a evitar soluções manifestamente...

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