Acórdão nº 30/21.9GCFVN-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 04 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução04 de Maio de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência, na 4ª Secção (competência criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra.

I 1.

Nos autos supra identificados, por despacho judicial de 9.12.2021 foi decidido, em liquidação de pena, que a pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 1 (um) anos e 6 (seis) meses em que o arguido AA foi condenado, seria cumprida em simultâneo com a pena de 7 meses de prisão a executar em regime de permanência na habitação sujeita a vigilância eletrónica com autorização genérica de saídas do arguido pelo tempo estritamente necessário por razões de saúde ou necessidades de assistência médica (v.g. CRI de ... e/ou em consultas de psiquiatria no Hospital ...); para presença em diligências judiciais ou outras de natureza similar, de urgência e imprevistas que a EVE - Equipa VE de ... – repute de razoáveis e necessárias e pelo tempo estritamente necessário (v.g. para aquisição de bens de consumo) e ainda para manter a sua atividade profissional regular - de segunda a sexta feira das 08h00 às 17h00 – com a oportuna majoração dos tempos de deslocação para e do trabalho ao seu domicilio pela equipa EVE de ..., em função das distâncias a percorrer e forma de locomoção elegida pelo aqui arguido.

2.

Não se conformando com esta decisão, dela recorre o Ministério Público que formula as seguintes conclusões: 1. O Ministério Público não se conforma com o despacho judicial, proferido nos autos à margem referenciados (vide Ref.ª 98713727), no qual o Mmo. Juiz a quo decidiu interpretar restritivamente a estatuição do artigo 69.º, n.º 6 do Código Penal, e determinou o cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, pelo período de 1 (um) ano e 6 (seis) meses, em simultâneo com o cumprimento da pena principal de 7 (sete) meses de prisão, em regime de permanência na habitação, com vigilância electrónica e saídas autorizadas da habitação (nomeadamente para trabalhar), em que o arguido foi condenado nos presentes autos.

2. O despacho recorrido viola o princípio da legalidade e o disposto no artigo 69.º, n.º 6 do Código Penal, bem como o efeito contínuo da referida pena acessória (cfr. artigo 500.º, n.º 4 do Código de Processo Penal e artigo 138.º, n.º 4 do Código da Estrada), dos quais emerge a conclusão de que o termo inicial de cumprimento da pena acessória, em casos como o presente, em que é aplicada uma pena privativa da liberdade, se suspende durante o cumprimento desta última e deverá corresponder à data em que o arguido for restituído à liberdade.

3. Considerando a letra, o espírito da Lei n.º 94/2017, de 23-08, bem como as circunstâncias que lhe subjazem – com enfoque para a introdução da actual redacção do artigo 43.º, do Código Penal (relativo ao regime de permanência na habitação, enquanto forma de execução da pena de prisão); para a supressão da pena de prisão por dias livres e para a manutenção da redacção do artigo 69.º, n.º 6, do mesmo diploma – e pressupondo que sobre exprimir o seu pensamento em termos adequados, cremos que o Legislador quis manter inalterada a ratio da contagem da pena acessória, estatuída no 69.º, n.º 6, no sentido de se suspender a contagem do tempo em que o arguido cumpra uma pena privativa da liberdade, como a irrogada ao arguido nos presentes autos.

4. O regime de permanência na habitação, estatuído no artigo 43.º do Código Penal, não consiste numa pena de natureza autónoma, mas sim num modo de execução de uma pena de prisão – mantendo a sua natureza de pena privativa da liberdade, mesmo nos períodos em que o arguido, autorizadamente, possa ausentar-se da residência – razão pela qual também não se descontam, na liquidação e cumprimento da pena principal de prisão (assim executada) os períodos temporais correspondentes às ausências autorizadas, impedindo assim um cumprimento simultâneo de ambas as penas.

5. Somos de parecer que o sentido do despacho recorrido não encontra qualquer suporte na letra da Lei, não sendo de interpretar restritivamente o artigo 69.º, n.º 6, nem de concluir que o legislador tenha querido repristinar a aplicação de um regime similar ao extinto regime de prisão por dias livres – pois, se o pretendesse, tê-lo-ia dito expressamente.

6. Não vislumbramos como a comunidade poderia sentir reforçada a confiança nas normas violadas, ao saber que o período de prisão, em regime de permanência na habitação é duplamente contabilizado: quer para o cumprimento da pena de prisão, quer para o cumprimento da pena acessória (em que nunca poderia conduzir, atenta a natureza privativa da liberdade da pena principal).

7. A interpretação restritiva do artigo 69.º, n.º 6, sustentada no despacho recorrido, acaba por resultar num injustificado desconto para o condenado, na medida em que subtrai, ao período da pena acessória a cumprir, todo o período correspondente à privação da liberdade, durante o qual o condenado sempre estaria impedido de conduzir – não salvaguardando assim as finalidades que subjazem à sua aplicação, por não se traduzir num pleno sacrifício para o condenado.

8. Portanto, na ausência de critério legal, pelo menos duas formas de liquidação da pena acessória podem ser aventadas: ou se contabilizam somente os períodos de ausências autorizadas da residência (resultando num cumprimento intermitente da pena, de difícil contabilização e ao arrepio do princípio da sua execução contínua) ou se contabiliza todo esse período, desde o seu início e de forma contínua, independentemente do cumprimento daquela privativa da liberdade, nos termos do artigo 43.º do Código Penal (numa dupla contabilização, atentatória do princípio constitucional da igualdade).

9. Seguindo a talhe de foice pelo lapso de cálculo ali vertido (por ter considerado como termo inicial o dia 07-12-2021, quando a carta foi entregue a 29-11-2021), o despacho recorrido acabou por contabilizar ininterruptamente o período de um ano e seis meses, repristinando a ratio de uma pena (de prisão por dias livres) expressamente revogada pelo Legislador e ficcionando um cumprimento contínuo da pena acessória que, de facto, não aconteceu – traduzindo-se, assim, num injustificado desconto, correspondente à totalidade do período correspondente à privação da liberdade.

10.A ausência de fundamento legal, além de suscitar questões ao nível de certeza e segurança jurídicas pode, ainda, criar situações de desigualdade quanto ao cumprimento da referida pena, que ficaria dependente da interpretação que dela faça o Julgador, em violação do princípio constitucional da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Lei Fundamental ** Em remate, reiteramos o entendimento de que a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir deve iniciar-se, no caso concreto, somente após o condenado AA cumprir a pena principal de prisão. Isto para que, após a sua restituição à liberdade (quando este esteja, verdadeiramente, livre), inicie o cumprimento, contínuo e integral da pena acessória que lhe foi irrogada, só assim comportando um verdadeiro sacrifício para o condenado e só assim sendo percepcionada pela comunidade, como uma verdadeira pena.

Pelo exposto, requer-se a V. Ex.as que, dando provimento ao presente recurso, revoguem o despacho recorrido e, em consequência, determinem que o termo inicial de cumprimento da pena acessória corresponda à data em que o arguido for restituído à liberdade, após o cumprimento da pena principal de prisão. 3.

O recorrido arguido não respondeu.

4.

Pelo julgador a quo foi proferido despacho de sustentação.

5.

Nesta instância, o Ministério Público emitiu o seguinte parecer: Visto o alegado em tal recurso, considera-se dever o mesmo merecer provimento, aderindo-se totalmente à motivação do Ministério Público em 1ª instância – da qual resultam com clareza as razões pelas quais não deverá ser mantido o despacho recorrido, que determinou o cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir aplicada ao arguido em moldes que implicam manifesta violação das disposições legais aplicáveis na matéria, desde logo o disposto no nº 6 do art. 69º do C. Penal.

Apenas se poderá tentar reforçar a argumentação já expendida no recurso interposto realçando que, mais do que uma interpretação restritiva da previsão do referido nº 6 do art. 69º do C. Penal, o decidido no despacho recorrido apoia-se numa interpretação contra legem desta disposição legal – introduzida no Código Penal para garantir, precisamente, o cumprimento contínuo da pena acessória aplicada, a ter lugar quanto os respectivos efeitos melhor poderão ser sentidos pelo arguido (dado não estar, por outra via, de facto impedido de conduzir).

Configura assim uma verdadeira fraude à letra e ao espírito da lei argumentar que, não sendo contínua a privação da liberdade a que o arguido se encontra sujeito, poderá a referida pena acessória ser cumprida no decurso da mesma – sobretudo se, conforme parece decorrer do despacho impugnado, se considerar tal proibição de conduzir como sendo de cumprimento contínuo, ao contrário da privação da liberdade do arguido, beneficiando-o assim de forma totalmente injustificada[1].

Deverá por isso, como se disse já, ser acolhida a pretensão formulada no recurso interposto pelo Ministério Público, com consequente revogação do despacho impugnado e sua substituição por outro que dê cumprimento ao disposto na lei em vigor.

6.

Colhidos os vistos, teve lugar a conferência.

II 1.

Tem o despacho recorrido o seguinte teor: “Liquidação da pena acessória O arguido foi ainda condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor por um período de 1 (um) anos e 6 (seis) meses, tendo no passado dia 07 entregue a sua carta de condução com o n.º ...5 0 nos autos.

O Ministério Público pugna que a referida pena acessória apenas tenha início no termo da pena de prisão, cumprida em OPHVE, estribando-se, para tanto, no teor literal do artigo 69.º, n.º 6 do Código Penal, bem como o efeito contínuo da referida pena acessória (cfr. artigo 500.º, n.º 4 do Código de Processo...

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