Acórdão nº 00638/15.1BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 25 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelRog
Data da Resolução25 de Março de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: A Ordem dos Advogados Portugueses veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 04.05.2021, pela qual foi julgada totalmente procedente a acção interposta por M..., Advogado, e em consequência foi anulado o acto impugnado, “o despacho do Presidente do Conselho de Deontologia do Porto da Ordem dos Advogados, notificado através de comunicação eletrónica datada de 10.07.202, mediante a qual foi determinada a execução da pena disciplinar de multa, no valor de 7.500€00 (sete mil e quinhentos euros), aplicada por decisão do Conselho de Deontologia da Ordem dos Advogados de 28.11.2014.

Invocou para tanto, em síntese, que: como “questão prévia”, a decisão recorrida procede a uma equívoca aplicação do direito, ao tutelar a pretensão de ampliação do objecto processual a acto consequente sem que se verifique nos autos a regular impugnação do acto principal e pregresso, violando, assim, de forma manifesta o previsto no artigo 63.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos; a decisão recorrida procedeu a uma errónea aplicação do art.º 193.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas e da inexistência de “lei mais favorável”; a decisão recorrida não teve em conta o efeito suspensivo da contagem do prazo de prescrição decorrente da impugnação contenciosa do acto: a ser aplicável o referido dispositivo previsto na al. b) do art.º 193.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, o que não se concede e apenas por cautela de patrocínio se conjectura, nunca tal produziria o efeito pretendido pelo Recorrido, nomeadamente, à luz da leitura conjugada do referido dispositivo com o previsto nos n.ºs 6 e 7 do art.º 178.º da mesma Lei; ao contrário do que expõe o Tribunal recorrido, nunca se deu o transcurso do prazo de prescrição aí previsto, na medida em que, em virtude da comprovada pendência de impugnação do acto de condenação, conforme iniciativa laborada pelo Autor nos autos do Proc. n.º 1123/18.5BEPRT, a tramitar na Unidade Orgânica 2 do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, nunca o referido prazo se poderá ter, sequer, como tendo iniciado a sua contagem.

O Recorrido contra-alegou, defendendo a manutenção da sentença recorrida.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

*Cumpre decidir já que nada a tal obsta.

* I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: A. Tendo sido notificada da Decisão proferida nos presentes autos em10.05.2021, a Ré não se conforma com o teor do decisório em causa e, como tal, vem exercer o seu direito de recurso, nomeadamente por entender que o Tribunal recorrido laborou em equívoca apreciação tanto dos elementos de facto como de direito.

Desde já se diga que, I - Questão Prévia B. Tendo o Tribunal recorrido conhecido, por Despacho Saneador de 30.11.2020 e notificado em 03.12.2020, da inimpugnabilidade do acto que o Autor visou impugnar nos presentes autos, e não tendo sido impugnado qualquer outro acto, nomeadamente, aquele que condenou o Recorrido na pena de multa, C. Não se conjectura como possível que os presentes autos se pudessem deter sobre a apreciação da validade de um acto consequente de um acto pregresso que nunca foi impugnado.

D. Assim sendo, como é, não existe demanda principal por absoluta inexistência de objecto processual sobre o qual o Tribunal se pudesse pronunciar.

E. Pelo que, sempre se dirá que a Sentença ora colocada em crise procede a errónea apreciação dos factos, tendo em conta a manifesta e objectiva impossibilidade de, da inexistência de acto impugnando, se poder retirar a existência de um acto consequente, F. Tal como procede o Tribunal a quo a uma equívoca aplicação do direito, ao tutelar a pretensão de ampliação do objecto processual a acto consequente sem que se verifique nos autos a regular impugnação do acto principal e pregresso, violando, assim, de forma manifesta o previsto no art.º 63.º do CPTA.

Acresce que, II - Da errónea aplicação do art.º 193.º da LGTFP e da inexistência de “lei mais favorável” G. O Tribunal recorrido, na decisão ora colocada em crise, procedeu à aplicação do regime de prescrição das sanções disciplinares previsto no art.º 193.º da LGTFP e instituído no seio do exercício do poder disciplinar no contexto da relação de trabalho em funções públicas.

H. Fê-lo dando acolhimento ao argumento invocado pelo Autor nos autos quando afirma que, apesar de no caso se ter como aplicável o Estatuto da Ordem dos Advogados na redacção dada pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro, conforme o previsto n.º 1 do art.º 3.º da 145/2015, de 9 de Setembro, dever-se-á ter como aplicável o EOA2015 por deste constar um regime de prescrição das penas disciplinares mais favorável e que, assim sendo, deveria o Tribunal conhecer da prescrição da pena de multa que lhe foi aplicada nos autos disciplinares em causa.

I. Ora, desde já se diga e salvo melhor entendimento que não se vislumbra, que o juízo expendido pelo Tribunal a quo, de que ao caso seria aplicável um prazo de 3 (três) meses, conforme estatuído no art.º 193.º da LGTFP não se mostra como correcto, na medida em que tal aplicação do direito procede a uma interpretação revogatória do disposto no art.º 126.º EOA2015, violando de forma manifesta este normativo.

J. Ora, cabe, desde logo, atentar na redacção constante do art.º 126.º do EOA2015 que, conforme resulta expressamente da letra da lei, não tem o alcance ou efeito que o Recorrido ou o Tribunal a quo pretendem, pois diz-nos o referido art.º 126.º do EOA2015, «Ao exercício do poder disciplinar da Ordem dos Advogados, em tudo o que não for contrário ao estabelecido no presente Estatuto e respetivos regulamentos, são subsidiariamente aplicáveis as normas procedimentais previstas na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho.» K. É pois, clara e sem margem para qualquer dúvida a referência expressa a normas procedimentais, sendo certo que não se pode retirar do texto da lei aquilo que o legislador não quis dizer, presumindo-se sempre no labor de interpretação que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, cfr. o n.º 3 do art.º 9.º do CCiv..

L. Assim, se o legislador fez questão de fazer referência à necessária natureza procedimental das normas da LGTFP a aplicar por remissão, será sempre porque, manifestamente, quis deixar de fora do âmbito da remissão aí prevista as normas que não tenham essa natureza e, assim, o dispositivo previsto no art.º 193.º da LGTFP, dado que as normas referentes a prazos prescricionais se tratam de normas de natureza substantiva.

M. Não podendo, por isso mesmo, ter-se como válida a remissão que o Recorrido pretendeu operar, e a que o Tribunal a quo deu abrigo em violação do direito aplicável ao caso, para a al. b) do art.º 193.º da LGTFP para o prazo prescricional previsto para a sanção de multa de três meses contados da data em que a decisão se tornou inimpugnável.

N. Ora, tal posição não se mostra válida, no sentido em que, de facto, não existe qualquer fundamento legal que sustente a aplicabilidade do referido normativo no âmbito do exercício do poder disciplinar da Ordem dos Advogados.

O. Na verdade, e sendo clara a vontade do legislador não aplicar as disposições previstas na LGTFP de natureza substantiva, sempre seria mais correcto, tendo em conta a letra da lei, aplicar in casu as disposições previstas no Código Penal ou do Regime Geral das Contra-Ordenações do que convocar um regime cuja aplicabilidade foi expressamente excluído pelo legislador.

P. E neste sentido, porque não resulta provada a existência de qualquer regime mais favorável constante do EOA2015, sempre se deverá aplicar o regime previsto no EOA2005, tendo em conta que este é, em face do disposto nas disposições transitórias constantes do diploma que aprovou a redacção do EOA2015, nomeadamente, do n.º 1 do art.º 3.º da Lei n.º 145/2015, de 9 de Setembro, que, a contrario sensu, impõe a aplicabilidade do disposto no EOA2005 aos autos disciplinares já instaurados à data da entrada em vigor da referida Lei.

Q. Assim, é manifestamente claro que não existe qualquer fundamento, seja factual, seja legal, que permita aplicar ao caso qualquer regime previsto no EOA2015, porque (i) não ficou demonstrado que o regime da prescrição das penas disciplinares aplicadas pela Ordem dos Advogados seja distinto do que se deveria ter como aplicável à luz do EOA2005, (ii) não ficou demonstrado que o regime aplicável não seja mais gravoso, dada a natureza do regime geral previsto no Código Civil, (iii) apenas resulta como claro e certo, da norma remissiva invocada pelo Autor, que o regime de prescrição previsto na LGTFP não se aplica ao caso.

R. E assim, não havendo qualquer prova de que o regime previsto no EOA2015 é mais favorável, dever-se-á aplicar in casu o regime previsto no EOA2005 que no seu art.º 121.º referia «Ao exercício do poder disciplinar da Ordem dos Advogados, em tudo o que não for contrário ao estabelecido no presente Estatuto e respectivos regulamentos, são subsidiariamente aplicáveis:

a) As normas do Código Penal, em matéria substantiva; b) As normas do Código de Processo Penal, em matéria adjectiva.» S. E neste caso sempre se dirá que é clara a remissão directa do EOA2005 para o disposto no Código Penal e, assim, para o regime aí previsto para a prescrição das penas e, consequentemente, para o prazo de 4 (quatro) anos previsto na al. d) do n.º 1 do art.º 122.º do CPenal.

T. Pelo que, não se verifica in casu o transcurso de qualquer prazo de prescrição que tenha operado em relação à pena de multa no montante de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) aplicada ao Autor e, como tal, ao entender como entendeu, o Tribunal recorrido, violou o disposto no...

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