Acórdão nº 01149/20.9T8LSB.L1.S1 de Tribunal dos Conflitos, 15 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução15 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal dos Conflitos

Acordam, no Tribunal dos Conflitos: 1. Em 14 de Janeiro de 2020, AA intentou no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Instância Central — Juízo do Trabalho - Lisboa, ação emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo declarativo comum, contra IAPMEI, IP – Agência para a Competitividade e Inovação, IP, pedindo que: “a) - Seja anulada a decisão do R. relativamente à A. de "fazer cessar a atribuição do subsídio de função pela coordenação no valor de € 208,85, com efeitos a partir de 1 de abril de 2018" (Doc. 9); b) - Seja o R. condenado a proceder ao pagamento à A. do subsídio de função de coordenação a partir de 01 de abril de 2018 até à presente data, no valor global de 5.221,25 € (…), bem como dos subsídios de função vincendos; c)- Seja jurisdicionalmente reconhecido que o subsídio de função em causa pago à A. mensal, regular e periodicamente de forma ininterrupta há cerca de 20 anos, integra o conceito de retribuição e por isso beneficia do princípio da irredutibilidade, não podendo ser feito cessar pelo R. (cfr. art° 129º/1-d) do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009, de 12/02; e art° 4º/1 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei 35/2014, de 20/06); Assim não se entendendo, questão que se suscita por mero dever de patrocínio, d)- Seja, subsidiariamente, o R. condenado a (cfr. art° 554° do CPC): 1)- pagar à A. a indemnização de valor equivalente ao período de aviso prévio em falta correspondente a 180 dias de retribuição (cfr. Doc. 3-n°s 1 e 2 da cláusula 3a); e 2)- integrar na retribuição mensal da A. 50% do valor do subsídio de função auferido, a título de compensação, nos termos contratualmente devidos (cfr. Doc. 3-n° 1 da cláusula 4ª) - cfr. artigos 38°, 55° e 56° supra; e)- Seja o R. condenado no pagamento dos juros de mora legais, à taxa de 4% ao ano, a partir da data de incumprimento, em 01/04/2018, até integral pagamento (cfr. artigos 559°, 805°/2-a) e b), e 806°/1 e 2, todos do Código Civil; Portaria n° 291/2003, de 08/04; art° 323°/1 e 2 do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009, de 12/02; e art° 4º/1 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei 35/2014, de 20/06); f) - Seja o R. condenado no pagamento das custas de parte, nos termos legais.” Alegou, como questões prévias, que, pese embora o réu seja um instituto público integrado na administração indireta do Estado, “à data da ocorrência dos factos essenciais ora em litígio – celebração do contrato de trabalho, nomeação e acordo para exercício de funções de coordenação e atribuição do subsídio de função – as relações entre as partes regiam-se, na generalidade, pelas normas aplicáveis ao contrato individual de trabalho de natureza privada e, na especialidade, pelo disposto no Regulamento Interno”; e que, estando em causa a apreciação de um diferendo emergente de contrato individual de trabalho de natureza privada e não de um vínculo de emprego público, a competência para a apreciação da causa compete à Instância Central – Juízo do Trabalho de Lisboa.

O réu contestou, em 24 de Fevereiro de 2020, sustentando a total improcedência da ação. Quanto à questão da competência, expressando dúvidas “quanto ao sentido da orientação da decisão final que nessa matéria venha a ser proferida”, alegou, em síntese, que no caso em análise a «"cessação da atribuição do subsídio de função de coordenação" que constitui o cerne do presente litígio radica no exercício de poderes administrativos, públicos e determinados, ou vinculados, (…) por órgãos de soberania e entidades com competências no apuramento da legalidade e no mérito da realização da despesa pública».

Por despacho de 7 de Maio de 2020, foi determinada a realização de audiência prévia com a finalidade, no que agora especialmente releva, do “exercício do contraditório quanto às arguidas excepções”; da acta da audiência prévia consta que “iniciada a audiência o ilustre mandatário da Autora no uso da palavra pronunciou-se sobre as arguidas excepções”.

No despacho saneador, de 4 de Dezembro de 2020, o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo do Trabalho de Lisboa – Juiz 4, julgou-se materialmente incompetente para conhecer da ação, atribuindo a competência aos Tribunais Administrativos.

Para tanto, sustentou, em suma, que, na decorrência da sucessão de vários regimes legais, a relação de trabalho subordinado que existia entre as partes convolou-se numa relação de emprego público, sujeita, após a convolação, à jurisdição administrativa, sendo que “a pretensão invocada pela A. não tem a sua génese no período compreendido na altura em que, entre A. e R. vigorava uma relação sujeita ao regime geral do contrato de trabalho”.

“Ora, tal como a A. configura a acção, foi praticado pela entidade administrativa um acto administrativo com violação dos direitos dos interessados, consagrados em normas de direito administrativo (Código do Procedimento Administrativo e Constituição da República Portuguesa dirigidas às entidades administrativas: o art. 267.º, da CRP, (…) . Esta argumentação vem pôr a nu a intenção de a A. pretender anular um acto administrativo. Para fazê-lo, terá que recorrer ao tribunal administrativo, pois não tem o Juízo do Trabalho competência para conhecer de tal matéria”.

Consequentemente, absolveu o réu da instância.

Inconformada, em 22 de Dezembro de 2020 a autora interpôs recurso desta decisão, pugnando pela sua revogação e consequente substituição por outra que julgasse o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo do Trabalho – Juiz 4 competente em razão da matéria.

O Ministério Público proferiu parecer no sentido de que “deveria a acção ter prosseguido os seus trâmites no Tribunal do Trabalho”: “(…) assinalando-se que não se vê que a decisão em causa constitua uma decisão-surpresa, já que, na audiência prévia, ambas as partes se pronunciaram sobre a questão da competência material para o conhecimento da acção – entende-se que, porventura, face às dúvidas colocadas e à natureza do pedido principal (pagamento de quantias susceptíveis de integrar o conceito de «retribuição» por parte da entidade empregadora) – deveria a acção ter prosseguido os seus trâmites no tribunal de trabalho”.

A autora manifestou a concordância com o Parecer do Ministério Público, no que toca à conclusão sobre a competência; o réu veio dizer, por entre o mais, que deve ser “competente a jurisdição administrativa (art. 12.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas e al. b) do n.º 4 do art. 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais”).

Por acórdão de 15 de Setembro de 2021, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu que, estando em causa um litígio emergente de vínculo de emprego público (atinente a suplemento remuneratório), a sua apreciação insere-se na competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais e declarou o Juízo do Trabalho materialmente incompetente para conhecer da presente ação, negando provimento ao recurso.

Para tanto, sustentou, em suma, que “embora na origem do litígio” estivessem “normas de direito privado, os factos que fundamentam a presente ação (cessação do pagamento do subsídio de função de coordenação) ocorreram já no âmbito de um vínculo de emprego público.

” Em 27 de Setembro de 2021, a autora interpôs recurso do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa para o Tribunal dos Conflitos.

  1. Nas alegações que apresentou, a recorrente formulou as seguintes conclusões (transcrevem-se as que interessam ao julgamento do presente recurso): «1- A A. e ora recorrente discorda de duas posições/situações contidas no acórdão do TRL de que ora se recorre e que fundamentam o presente recurso, a saber: a)– Na parte em que se diz que “a questão da competência em razão da matéria foi suscitada nos articulados e foi realizada audiência prévia” (cfr. acórdão-parte III-Apreciação, na antepenúltima página, 2º parágrafo), na qual “Ambas as partes mantiveram os seus pontos de vista quanto à (in)competência do Juízo do Trabalho”, daqui resultando “que foi exercido o contraditório, pelo que a decisão recorrida não está ferida de nulidade” (Ibidem, 4º e 5º parágrafos); e b)– Na parte em que se diz que “À data do início da relação contratual entre as partes aplicam-se as normas do direito privado” (cfr. acórdão-parte III-Apreciação, na penúltima página, 5º parágrafo), sendo que, “Embora na origem do presente litígio estejam normas de direito privado, os factos que fundamentam a presente acção (cessação do pagamento do subsídio de função de coordenação) ocorreram já no âmbito de um vínculo de emprego público …” (Ibidem-7º parágrafo), e em tais circunstâncias, prossegue o aresto em causa, conclui-se que “As questões em apreço não emergem de uma relação de trabalho subordinado de natureza privada e estamos...

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