Acórdão nº 147/22 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução17 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 147/2022

Processo n.º 43/2022

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, em que é reclamante a sociedade A., S.A. e reclamado o Ministério Público, a primeira reclamou, ao abrigo do artigo 76.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do despacho de 22 de outubro de 2021, daquele Tribunal, que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional.

2. No âmbito de processo contra-ordenacional em que é visada a aqui reclamante, esta interpôs recurso de uma decisão interlocutória da Autoridade da Concorrência para o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, tendo pedido que ao mesmo fosse fixado efeito suspensivo.

Por despacho datado de 23 de agosto de 2021, o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão admitiu o recurso, mas com efeito meramente devolutivo.

A ora reclamante arguiu a nulidade e, subsidiariamente, a irregularidade de tal decisão, com fundamento em omissão de pronúncia e falta de fundamentação. Contudo, por decisão datada de 24 de setembro de 2021 o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão indeferiu tal requerimento.

Notificada dessa decisão, a aqui reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do despacho de 23 de agosto de 2021, através de requerimento onde se pode ler o seguinte:

«A., S.A. ("A."), Arguida e Recorrente nos autos acima referenciados, vem, pelo presente, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 70.º, n.º 1 alínea b), 72.!9, n.º 1 alínea b) e n.º 2 e 75.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (doravante "LTC"), interpor recurso para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, do despacho do TCRS de 23.08.2021, que fixou o efeito meramente devolutivo ("Despacho") ao recurso interposto pela A. em 16.07.2021 de decisão interlocutória da Autoridade da Concorrência ("AdC") no âmbito de um processo de contraordenação, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:

I. ANTECEDENTES PROCESSUAIS

1.º No presente processo de contraordenação, a A. foi alvo de diligência de busca e apreensão levadas a cabo pela AdC, no âmbito do qual foi apreendida diversa documentação da A..

2.º Tendo sido requerida, nos termos legais, a proteção da confidencialidade de determinada informação constante dos documentos apreendidos nas buscas pela AdC, essa proteção foi indeferida pela AdC.

3.º Não se conformando com essa decisão interlocutória, a A. interpôs recurso para o TCRS quanto à mesma, tendo requerido expressamente que, apesar de se tratar de um recurso de uma decisão interlocutória da AdC, interposto ao abrigo do artigo 85.º da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio ("LdC"), lhe fosse atribuído efeito suspensivo, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 407.º, n.º 1 e 408.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Penal ("CPP"), por remissão do artigo 41.º n.º 1 do Regime Geral das Contraordenações ("RGCO"), aplicável ex vi artigo 83.º da LdC, por entender que, de outra forma não se permitiria um efetivo acesso à tutela jurisdicional, nem, bem assim, o cabal exercício do direito ao recurso, por absoluta inutilidade do mesmo.

4.º Entendeu e fundamentou a A. a existência de uma lacuna na LdC quanto à possibilidade de atribuição de efeito suspensivo ao recurso de decisões interlocutórias proferidas pela AdC em casos em que, por força do efeito meramente devolutivo, fosse retirado efeito útil ao recurso - como é o caso de decisões da AdC relativas ao tratamento de confidencialidades - sustentando, nessa medida, por via da remissão contida no artigo 83.º da LdC, a necessária aplicação do RGCO e, na sua omissão, do CPP.

5.º No entanto, antecipando que tal fosse outro o entendimento do TCRS, a A. invocou desde logo a inconstitucionalidade:

(i) da norma do artigo 84.º n.ºs 4 e 5 da LdC, quando interpretada e aplicada no sentido de impedir a atribuição casuística de efeito suspensivo aos recursos interlocutórios de decisões da AdC, por violação dos artigos 2.º, 17.º, 18.º e n.º 2, 20.º n.º 1, 61.º, 62.º, 202.º, 268.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa ("CRP"); e

(ii) da norma extraída do artigo 84.º, n.º 4 e n.º 5 da LdC no sentido de que o recurso de decisões interlocutórias da AdC tem sempre efeito meramente devolutivo, mesmo que a eficácia imediata da decisão seja suscetível de causar dano irreversível no direito que se pretende tutelar, por violação dos direitos à tutela jurisdicional efetiva, à reserva de competência jurisdicional em matéria de direitos e interesses legalmente protegidos, à impugnação de quaisquer atos administrativos lesivos de direitos e à adoção de medidas cautelares adequadas, à defesa da legalidade democrática (cf. artigos 2.º, 20.º n.º 2, 202.º n.º 2 e 268.º n.º 4 da CRP) e, bem assim, aos direitos fundamentais de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias da Recorrente (cf. artigos 17.º, 61.º e 62.º da CRP), tudo em violação do princípio da proporcionalidade na restrição de direitos fundamentais, decorrente do artigo 18.º, n.º 2 da CRP.

6.º Ora, no despacho de admissão de recurso da A., o TCRS limitou-se a atribuir-lhe efeito meramente devolutivo, invocando as normas previstas nos artigos 84.º e 85.º da LdC,

7.º não se pronunciando sobre a requerida atribuição de efeito suspensivo, nem tão-pouco sobre a inconstitucionalidade invocada quanto às normas acima referidas, que teriam fundamentado a sua decisão quanto ao efeito do recurso).

8.º Neste Despacho - que constitui o objeto do presente recurso - o TCRS limitou-se a referir "Por ter sido tempestivamente interposto, por quem detém legitimidade para o efeito e com respeito pelas exigências deforma, admito o recurso interposto, com efeito meramente devolutivo, de harmonia com o disposto nos artigos 84.º e 85.º do Regime Jurídico da Concorrência (vide ainda Comentário Conimbricense à Lei da Concorrência, 3.ª Ed., Almedina, pág. 956, quanto ao efeito do recurso sobre decisões interlocutórias) e artigo 55.°, n.ºs 1 do Decreto-Lei n.° 433/82, de 27 de Outubro, ex vi do artigo 83.º do da [sic] Regime Jurídico da Concorrência". (destacado e sublinhado nossos).

9.º Note-se, a este propósito, crê-se que a referência ao Comentário Conimbricense à Lei da Concorrência seja feita para o seguinte excerto:

"A regra estabelecida neste n.s 4 aplica-se igualmente a recursos de decisões interlocutórias proferidas pela AdC ao longo da investigação, já que a respetiva letra não estabelece qualquer distinção a este respeito (salvo quanto à aplicação de medidas de carácter estrutural). Este aspeto foi clarificado em várias ocasiões pelo Tribunal da Relação de Lisboa no quadro de acórdãos que revogaram despachos do TCRS que haviam fixado o efeito suspensivo a recursos de decisões interlocutórias da AdC (...)".

10.º Perante este Despacho, e tendo em consideração a jurisprudência constante do Tribunal da Relação de Lisboa ("TRL") no sentido de que não é admissível recurso para esse Tribunal do despacho do TCRS que fixa o efeito do recurso, a A. veio invocar, junto do TCRS, a nulidade ou, pelo menos, a irregularidade do Despacho, por omissão de pronúncia e falta de fundamentação, o que fez por requerimento de 03.09.2021.

11.º Nesse requerimento, a A. invocou, precisamente, a omissão e de pronúncia e a falta de fundamentação quanto às questões de inconstitucionalidade invocadas no seu recurso, tendo sido expressamente alegado que a forma como o Tribunal fundamentou o Despacho impedia a cabal compreensão do sentido da norma expressamente aplicada ao caso.

12.º Não obstante o exposto, o TCRS indeferiu as invalidades do despacho de admissão de recurso interlocutório suscitadas pela Recorrente no seu requerimento de 03.09.2021 mediante decisão proferida em 24.09.2021, considerando, entre o mais, que "[o] aludido despacho (...) não enferma de qualquer nulidade, porquanto se pronunciou, de forma clara, adequada e fundamentada, sobre o efeito a conceder ao recurso. Não só aduziu as normas legais para assim decidir, como indicou pertinentes referências doutrinárias (...)",

13.º e "que a vertente nulidade haveria de ter sido invocada em sede recursiva, porquanto a decisão em causa admite recurso, em harmonia com o disposto no artigo 89.B, do Regime Jurídico da Concorrência", entendimento que é absolutamente contrariado pela jurisprudência constante do TRL.

14.º Aqui chegada, não pode, pois, a A., deixar de apresentar o presente recurso, para que seja apreciada a conformidade com a CRP da norma contida no artigo 84.º. n.ºs 4 e 5 da LdC, tal como foi interpretada e aplicada, em última instância, pelo TCRS.

15.º Conforme decorre da jurisprudência assente do Tribunal Constitucional, as questões de inconstitucionalidade, para serem conhecidas pelo Tribunal Constitucional, devem obedecer aos seguintes requisitos:

(i) a questão ter sido suscitada pelo recorrente perante o Tribunal recorrido, admitindo-se, no entanto, limitações a esta regra em determinadas situações processuais excecionais (cfr. artigos 70.º, n.º1 alínea b) e 72.°, n.º 2 da LTC);

(ii) a questão respeitar a norma ou interpretação normativa que foi efetivamente aplicada, constituindo ratio decidendi da decisão jurisdicional proferida;

(iii) os normais meios impugnatórios existentes no ordenamento adjetivo que rege o processo no âmbito do qual a decisão recorrida foi proferida estarem já esgotados (cfr. artigo 70.º, n.º 2 da LTC); e

(iv) a questão revelar-se de utilidade para a decisão da causa, atenta a configuração do caso concreto.

16.º No presente caso, encontram-se preenchidos todos esses requisitos de admissibilidade.

Se não, vejamos.

II. DA ADMISSIBILIDADE DO PRESENTE RECURSO

17.º Por via do presente...

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