Acórdão nº 263/18.5GCACB-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Fevereiro de 2022

Data16 Fevereiro 2022
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I 1.

Por despacho judicial de 22. 9. 2021, proferido nos autos, procedeu-se à liquidação da pena acessória e de sanção acessória de proibição de conduzir veículos em que o arguido foi condenado - pena acessória de 7 meses de proibição de conduzir veículos motorizados e sanção acessória de 7 meses de inibição de conduzir, cumpridas sucessivamente.

  1. Não se conformando com o teor do despacho, do mesmo recorre o Ministério Público que formula as seguintes conclusões: 1. No caso concreto, o arguido foi condenado na pena acessória de sete meses de proibição de conduzir veículos a motor e na sanção acessória de 7 (sete) meses de inibição de conduzir, que serão cumpridas sucessivamente, tendo entregue a sua carta de condução nos presentes autos em 09-09-2021.

  2. A pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, sendo uma verdadeira pena, não priva o condenado da liberdade de circulação nem sequer do seu direito de conduzir na via pública, uma vez que aquele mantém o seu direito de conduzir na via pública veículos para os quais não careça de habilitação legal, tais como velocípedes e veículos a eles equiparados cf. artigo 121.º, n.º 6, do Código da Estrada.

  3. O recurso à analogia pressupõe a existência de um caso omisso (lacuna) e a procedência das razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei e nenhum dos referidos pressupostos, previstos no artigo 10.º, n.º 2, do Código Civil, se verifica no caso concreto.

  4. Não sendo uma pena privativa da liberdade, não há que equiparar a pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor à pena de prisão (privativa da liberdade) e assim, por recurso à analogia, aplicar àquela as normas previstas nos artigos 479.º do CPP (contagem do tempo de prisão) e 24.º do CEPMPL (momento da libertação), como o fez o despacho recorrido.

  5. Na perspectiva do Ministério Público, a duração temporal da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor (bem como a duração temporal da sanção acessória de inibição de conduzir) é um prazo tal como expressamente previsto no artigo 69.º, n.º 6, do Código Penal , pelo que a determinação do início da sua contagem obedece à regra prevista na alínea b), do artigo 279.º. do Código Civil e a determinação do seu termo à regra prevista na alínea c), do mesmo preceito, por força do disposto no artigo 296.º do Código Civil, não havendo qualquer incompatibilidade com as normas previstas no artigo 182.º, n.º 3, do Código da Estrada, aplicando-se, concomitantemente, aquele regime à sanção acessória de inibição de condução.

  6. A norma prevista na alínea e), do artigo 279.º, do Código Civil, não é aplicável ao cômputo da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor (nem à sanção acessória de inibição de conduzir), atenta a subsidiariedade estabelecida no artigo 296.º do Código Civil (na falta de disposição especial em contrário) e o princípio da legalidade na aplicação das penas (artigo 2.º do Código de Processo Penal), do qual decorre que, uma vez transitada em julgado a condenação numa determinada pena, a duração temporal (prazo) da execução da pena fica definitivamente fixada, não podendo sofrer acréscimos ou decréscimos, salvo se expressamente previstos na lei.

  7. A aplicabilidade da regra prevista na alínea b), do referido artigo 279.º, não conduz a qualquer prolongamento da duração da pena acessória já fixada, pois ao “avanço” do primeiro dia da contagem do prazo corresponde o igual “avanço” do último dia, resultado garantido pela regra estabelecida na alínea c), do mesmo preceito.

  8. A razão de ser da aplicabilidade da regra prevista na alínea b), do aludido artigo 279.º, ao cômputo da pena e da sanção acessórias compreende-se à luz da necessidade de prevenção de injustiças relativas, que ocorreriam se, por exemplo, para o cumprimento de penas de igual duração, dois arguidos entregassem os respectivos títulos de condução no mesmo dia mas em horas diferentes (um às 09h00 de manhã no tribunal, outro às 23h00 da noite no posto policial da sua área de residência), circunstância que prejudicaria o arguido mais diligente no cumprimento e beneficiaria o arguido mais atrasado no cumprimento (no primeiro dia da pena/sanção, um arguido ficaria privado do título durante quinze horas e outro apenas uma hora).

  9. Tendo o arguido sido condenado na pena acessória de 7 (sete) meses de proibição de conduzir veículos a motor e na sanção acessória de 7 (sete) meses de inibição de conduzir, a cumprir sucessivamente, temos que o evento a partir do qual o prazo começa a correr é, in casu, a entrega da carta de condução nos presentes autos, evento esse que ocorreu em 09-09-2021.

  10. De acordo com a norma estabelecida na citada alínea b) do artigo 279.º do Código Civil, não se inclui esse dia na contagem do prazo da pena acessória, pelo que, o primeiro dia de execução da pena acessória corresponde ao dia 10-09-2021.

  11. Segundo a regra prevista na alínea c) do artigo 279.º do Código Civil, o prazo fixado em meses termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro do último mês, a essa data.

  12. Portanto, o último dia do prazo da pena acessória corresponde ao dia 10-04-2022, Domingo, durando todo este último dia, ou seja, das 00h01m às 24h00m, não fazendo sentido considerar que a pena se extingue nesse último dia.

  13. Uma vez que o arguido irá cumprir sucessivamente a sanção acessória de 7 (sete) meses de inibição de conduzir, tem-se como primeiro dia do respectivo cumprimento o dia 11-04-2022, terminando o seu cômputo a 11-11-2022, durando todo este último dia, ou seja, das 00h01m às 24h00m, não fazendo, outrossim, sentido considerar que a sanção acessória se extingue nesse último dia.

  14. Com efeito, tal juízo correspondia a uma contradição lógica, segundo a qual a pena/sanção acessória vigoraria e estaria em execução e, simultaneamente, não vigoraria nem estaria em execução nesse último dia.

  15. A interpretação adoptada pelo Tribunal a quo no sentido do recurso à analogia por favorecer inequivocamente o condenado, aplicada às demais penas não privativas da liberdade, conduz a resultados incertos e deve ser rejeitada; por exemplo, no caso da pena de suspensão da execução da pena de prisão (artigo 50.º do Código Penal), se o condenado cometesse novo crime precisamente nesse último dia, faria sentido aplicar a norma prevista no n.º 1 do artigo 24.º do CEPMPL por analogia por favorecer inequivocamente o condenado?...a resposta só pode ser negativa.

  16. A data da extinção da pena constitui um facto sujeito a inscrição no registo criminal, nos termos do artigo 7.º, n.º 1, alínea l), do Decreto-Lei n.º 171/2015, de 25-08, cuja determinação exacta assume manifesta importância, desde logo, no caso da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, para efeitos de determinação de eventual cometimento do crime de violação de imposições, proibições ou interdições, previsto e punido pelo artigo 353.º do Código Penal e da (i)legalidade de uma eventual detenção em flagrante delito pela prática de tal crime; e no caso da pena de suspensão da execução da pena de prisão, para efeitos de determinação da aplicabilidade das normas previstas nos artigos 56.º, n.º 1 e 57.º, n.º 2, do Código Penal.

  17. Recorrendo à analogia sem existência de um caso omisso (lacuna) e sem procedência das razões justificativas da regulamentação da pena de prisão à pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor e à sanção acessória de proibição de conduzir, o despacho recorrido violou a norma prevista no artigo 10.º, n.º 2, do Código Civil, pelo que padece de ilegalidade.

  18. Decidindo que o cômputo da pena acessória e da sanção de inibição de conduzir terminará no dia 09-11-2022, o despacho recorrido procedeu ao cômputo do respectivo termo infringindo a regras previstas nas alíneas b) e c) do artigo 279.º do Código Civil, aplicável por remissão do artigo 296.º do mesmo diploma, pelo que padece de ilegalidade.

  19. A possibilidade de o condenado proceder ao levantamento da sua carta de condução no último dia da pena/sanção acessória, conferida pelo despacho recorrido, não tem fundamento legal, pelo que aquele padece de ilegalidade.

  20. Consequentemente, pugna-se pela revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que declare que o prazo de 7 (sete) meses de proibição de conduzir veículos com motor e o de 7 (sete) meses de sanção acessória de inibição de conduzir, cumpridos sucessivamente, vigorarão até às 24h00 do dia 11-11-2022, determinando que o arguido apenas poderá proceder ao levantamento da carta de condução a partir das 00h01 do dia 12-11-2022.

    Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso.

  21. O arguido, ora recorrido, nada veio dizer.

    4.

    Nesta...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT