Acórdão nº 19/20.5YLPRT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO VAZ TOMÉ
Data da Resolução18 de Janeiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça, I - Relatório 1. Gerex - Gabinete de Gestão Industrial e Comercial, Lda.

, Requerida no procedimento especial de despejo intentado por Paradise Pyramid, Lda., com fundamento na oposição à renovação do contrato de arrendamento, deduziu, ao abrigo do art. 15.º-F da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, oposição com pedido reconvencional.

  1. Alegou, em síntese, que: - a Requerente apresentou no presente procedimento especial de despejo um contrato de arrendamento celebrado, por escritura pública, a 19 de dezembro de 1997, juntando o comprovativo da comunicação prevista no art. 1097.º, n.º 1, do CC; omitiu, todavia, que a relação contratual subjacente ao arrendamento dos autos remonta a 15 de junho de 1989, data da celebração do contrato entre a primitiva proprietária do imóvel - Hufvudsraden International AB - e a primitiva arrendatária - Procomer - Sociedade de Representação e Promoção de Vendas, Lda.; previa-se, neste contrato, que a arrendatária podia ceder a sua posição contratual à Requerida, o que veio a suceder também a 15 de junho de 1989, por escritura celebrada, outrossim no ….º Cartório Notarial …; deste modo, o documento que serviu de base ao presente procedimento especial de despejo não corresponde ao contrato dos autos, mas sim a uma alteração do mesmo; - tendo o contrato dos autos sido celebrado antes do início de vigência do DL n.º 321-B/90, de 15 de outubro (RAU), era imperativamente aplicável o regime denominado como vinculístico, sendo o arrendamento sucessivamente renovável, apenas podendo ser denunciado pelo locador nos casos previstos no art. 1096.º do CC, então em vigor; - com o início de vigência do DL n.º 321-B/90 (RAU), o regime de denúncia deste contrato manteve-se essencialmente inalterado, pelo que o arrendamento dos autos, celebrado em 1989, tem de ser tratado, no atual quadro normativo, como um arrendamento para fins não habitacionais, na modalidade temporal de contrato de duração indeterminada; - com a Lei n.º 6/2006 (NRAU), que entrou em vigor a 27 de Junho de 2006, os contratos do mesmo tipo daquele dos autos passaram a reger-se pelo NRAU, com as particularidades introduzidas, inter alia, pela norma do art. 28.º, que veda ao senhorio a oposição à renovação; a Requerente nunca tomou a iniciativa de promover a transição do contrato para o NRAU, pelo que a carta por si enviada a 26 de junho de 2017 carece de fundamento, não sendo válida nem eficaz enquanto comunicação de oposição à renovação do contrato e, não produzindo, por isso, quaisquer efeitos; - ainda que por mera hipótese se considere que a escritura outorgada a 19 de dezembro de 1997 importou a revogação do anterior contrato de arrendamento, também o novo contrato teria, ainda assim, duração indeterminada, pois que beneficiaria também do regime vinculístico previsto no art. 68.º, n.º 2, do RAU; com efeito, o DL n.º 257/95, de 30 de setembro, reviu o regime do arrendamento urbano para o exercício de comércio, indústria, profissões liberais e outros fins lícitos não habitacionais, tendo previsto, para o futuro, a celebração de contratos de arrendamento urbano de duração limitada para comércio ou indústria, o que não acontecia antes da sua entrada em vigor - 5 de outubro de 1995; os então denominados arrendamentos não habitacionais de duração limitada deveriam conformar-se com as normas previstas nos arts. 98.º-101.º do RAU para os contratos de duração limitada nos arrendamentos urbanos para habitação, com as devidas adaptações; - entre essas normas que, por remissão expressa do art. 117.º, n.º 2, do RAU, se aplicavam aos arrendamentos não habitacionais de duração limitada estava aquela segundo a qual o prazo mínimo de duração desses contratos não podia ser inferior a cinco anos (art. 98.º, n.º 2, do RAU); por conseguinte, do facto de o contrato de 19 de dezembro de 1997 haver mantido o prazo de duração do contrato de um ano, como previsto no contrato anterior, não mencionando expressamente a sua qualificação como “de duração limitada”, resulta que as partes não quiseram retirar a natureza vinculística ao contrato em causa; - acresce que a cláusula 2.ª do documento complementar anexo a tal escritura se deveria considerar nula por violar disposição legal imperativa, uma vez que o prazo de duração de tal contrato nunca poderia ser inferior a cinco anos; por isso, encontrando-se ferida de nulidade, essa cláusula nunca seria idónea para produzir quaisquer efeitos e, na falta de estipulação das partes, dever-se-ia considerar o contrato celebrado pelo prazo de cinco anos, automaticamente renovável por iguais e sucessivos períodos de cinco anos cada; - vigorando inicialmente de 1 de janeiro de 1998 a 31 de dezembro de 2002, e sendo automaticamente renovável por períodos sucessivos de cinco anos, aquando da entrada em vigor, a 27 de junho de 2006, do NRAU, nos termos do art. 26.º, n.º 3 (na sua redação originária), esse contrato renovou-se por cinco anos e, posteriormente, por três anos; não afetando tal disposição o prazo do contrato que se encontraria a correr, de 1 de janeiro de 2003 a 31 de dezembro de 2007, por força das sucessivas renovações, estaria agora a correr o período contratual de 1 de janeiro de 2018 a 31 de dezembro de 2022, não produzindo, por isso, efeitos a comunicação efetuada pela Requerente.

  2. A Requerente exerceu o contraditório, tendo pugnado pela improcedência das exceções e pela inadmissibilidade da reconvenção.

  3. Foi proferida decisão que não admitiu a reconvenção e decidiu do mérito da ação, concluindo pela improcedência do pedido.

  4. Não conformada, a Requerente interpôs recurso de apelação.

  5. Por seu turno, a Requerida também interpôs recurso de apelação que, todavia, não foi admitido.

  6. Por acórdão, o Tribunal da Relação … decidiu o seguinte: “Pelo exposto acorda-se em julgar a apelação procedente revogando-se a decisão recorrida e julgando-se improcedente a oposição ao pedido de despejo.” 8.

    Não conformada, a Requerida Gerex - Gabinete de Gestão Industrial e Comercial, Lda., interpôs recurso de revista, apresentando as seguintes Conclusões: “1) Para formalizar o aditamento de um contrato são necessárias as mesmas formalidades legais atribuídas ao contrato original, pelo que não constitui argumento decisivo para a questão de saber se o documento celebrado em 19 de dezembro de 1997 constitui um contrato novo ou um aditamento do anterior o facto de aquele ter sido celebrado por escritura pública (forma legal a que obrigatoriamente estavam sujeitos quaisquer dos atos àquela data).

    2) O facto de o documento celebrado em 19 de dezembro de 1997 não ter feito referência ao documento celebrado em 15 de junho de 1989, revogando-o expressamente, leva à conclusão de que as partes não quiseram revogar, dando sem efeito, o contrato original que vinha já desde 1989.

    3) Não constando a vontade de revogar o contrato original expressamente prevista no documento celebrado em 19 de dezembro de 1997, haverá que atender às regras normais em termos de interpretação das declarações negociais que, nos negócios jurídicos formais dispõem que não pode ser aceite como válida qualquer interpretação que não tenha no texto escrito um mínimo de correspondência (cfr. art.º 238º do C.C.).

    4) A Recorrida não fez referência, nem juntou, qualquer documento subscrito pelas partes a dar expressamente por revogado o contrato anterior.

    5) As regras estabelecidas no documento celebrado em 19 de dezembro de 1997 são, na sua quase totalidade, coincidentes com as estabelecidas no documento celebrado em 15 de junho de 1989.

    6) Um aditamento a um contrato constitui, precisamente, a alteração de um contrato original, o qual, com as novas alterações, passa a constituir um contrato único, titulador do mesmo e único negócio jurídico, o que manifestamente ocorre na situação dos autos.

    7) O facto de a relação contratual, após a alteração consubstanciada no documento celebrado em 19 de dezembro de 1997, ter mantido o mesmo núcleo essencial, sendo apenas alterados elementos acidentais ou acessórios (integração do lugar de estacionamento no contrato de arrendamento, o qual já fazia parte do locado, embora a título gratuito, e a introdução de uma cláusula sobre benfeitorias), significa que tais alterações não têm a virtualidade de transformar o negócio jurídico, que se manteve sem interrupções, num novo e diferente contrato.

    8) Para apurar se subjacente à celebração do documento celebrado em 19 de dezembro de 1997está a intenção das partes de celebrar um novo contrato ou de modificar o anterior, deve o Julgador verificar se o negócio assim transformado se apresenta economicamente como uma relação completamente diferente da anterior, chamando à colação a distinção entre os elementos essenciais do negócio, e aqueles que são acessórios ou meramente acidentais.

    9) Conforme decorre do simples confronto entre os dois documentos em apreciação, dúvidas não existem de que o documento celebrado em 19 de dezembro de 1997 se apresenta economicamente como a mesma relação jurídica decorrente do documento celebrado em 15 de junho de 1989, o que leva à conclusão de que aquele constitui uma mera modificação do contrato original, e não consubstanciou um novo contrato, ao contrário da qualificação que dele erroneamente fez o Acórdão recorrido.

    10) Em ambos os documentos, o período contratual decorre do dia 1 de janeiro ao dia 31 de dezembro, sendo que o dia 1 de janeiro de 1998 que consta como data de início do contrato no documento celebrado em 19 de dezembro de 1997 coincide, precisamente, com o início de um novo período contratual após a renovação automática que já se impunha nos termos previstos no contrato original.

    11) O facto de não ter ocorrido nenhuma interrupção entre a vigência do contrato original e a data de produção de efeitos do documento celebrado em 19 de dezembro de 1997 é mais um argumento a favor da qualificação deste último documento como mera modificação ou alteração contratual, e não...

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