Acórdão nº 301/21.4T8MGR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelFALCÃO DE MAGALHÃES
Data da Resolução14 de Março de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Processo: 301/21.4T8MGR.C1 Referência: 10720514 Relator: Falcão de Magalhães 1.º Adjunto: Des. Pires Robalo 2.º Adjunto: Des. Sílvia Pires Apelação n.º 301/21.4T8MGR.C1 Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra1: I - A) – 1) - 2«[…] A Autora AA, solteira, maior portadora do CC ..., válido até 17/12/2029 e do NIF ..., residente em Rua ..., ... ..., instaurou ACÇÃO DE DESPEJO, sob a forma de Processo Comum, contra, BB, divorciada, portadora do CC ..., NIF ..., residente em Rua ..., ..., ... freguesia de concelho ... (...), Pedindo: 1º. Se declare resolvido, por culpa da R., o contrato de arrendamento dado ao processo, pelos factos supra alegados; e, 2º. Se condene a R. a reconhecer que, ao não franquear a porta à A. e não fazer as reparações urgentes para evitar danos em prédio terceiro, foram causados danos em prédio de terceiros que poderão ser indemnizáveis e na parte em que decorram da conduta omissiva da R. Caso assim se não entenda, o que só por dever de patrocínio se admite, 3º. Se reconheça a resolução do contrato de arrendamento sem termo dado ao processo, nos termos da comunicação resolutiva com efeitos a 31 de Dezembro de 2021; Em qualquer dos casos que venha a julgar-se fundamento de resolução do contrato, 4º. Se condene a R. a restituir à A. o locado no estado de conservação e limpeza previsto no contrato de arrendamento celebrado; Alegando, em apertada síntese, que na sequência de contrato de arrendamento, sem termo, celebrado com a Ré, que declarou ser divorciada e viver sozinha, após queixa apresentada pela proprietária da fracção imediatamente inferior à sua, reportou à seguradora contratada, tendo acompanhado a vistoria realizada no dia 20 de Julho de 2020, na sequência da qual verificou pela degradação do imóvel dado em arrendamento, designadamente na ausência de uma porta de um armário roupeiro, infiltrações com origem na casa de banho do locado, por inexistência de silicone a vedar o poliban. Alegou ter enviado comunicação à Ré para nova vistoria, inicialmente para 11 de Agosto de 2020 e posteriormente alterada para 12 de Setembro de 2020, vistoria que não se realizou porque a Ré não abriu a porta, tendo chamado a PSP para tomar conta da ocorrência. Mais correspondência foi enviada, por Autora e Ré, sem que a Autora pudesse vistoriar o interior do locado e averiguar se a reparação recomendada pelo técnico tinha sido realizada. Alega ainda que foi acordado aquando a celebração do contrato de arrendamento, que a Ré não pagaria a primeira renda, na condição de, com esse valor, proceder à pintura interior do prédio. Mais alega que quando a obrigação de confinamento, consequência da declaração do Estado de Emergência, a Ré contactou a Autora por Whatsapp informando que seria colocada em situação de layoff e que não conseguiria pagar a renda, o que a Autora aceitou, sendo certo que até ao presente a Ré não procedeu ao pagamento das duas rendas em atraso.

* A Ré contestou a acção, alegando que habita o locado desde o dia 1 de Outubro de 2013, sempre tendo cuidado da casa como se fosse sua, de forma zelosa e cuidadosa. Mais alegou ter contratado um canalizador para lhe vedar, com silicone, o poliban, assim como já diligenciou pela colocação da porta do roupeiro, após ter conseguido adquirir as peças necessárias, esgotadas à data no Leroy Merlin, pugnando pela improcedência da acção. Apresentou ainda Reconvenção, pedindo a condenação da Autora em indemnização, por ter comentado em toda a vizinhança que a Ré não zelava, nem tinha cuidados de higiene com o locado, enviando correspondência com alegações falsas, apenas com o propósito de fazer pressão para a Ré abandonar o locado.

* A Autora replicou, pugnando pela improcedência da reconvenção.

* Dispensada a audiência prévia, proferiu-se despacho saneador, não admitindo a reconvenção, por ilegal. Foram identificados o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

(…) Em audiência de julgamento, a Autora requereu a ampliação do pedido, o qual, por deferido, passou a ter seguinte configuração: 1º - falta culposa de pagamento de 3 (três) rendas; 2º - violação do dever de facultar ao locador o exame do locado nos termos do artº 1038º, al. b), do Código Civil; 3º - violação do dever de não fazer do locado um uso imprudente nos termos da al. c), do artº 1038º, do Código Civil; 4º - Violação do dever de tolerar as reparações urgentes nos termos do artº 1038º, al. e), do Código Civil; Mais se pede a condenação da ré no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a €150,00 (cento e cinquenta euros) por cada dia em que não tolere a realização da vistoria para efeitos de apuramento de danos e reparações urgentes quer do locado quer do imóvel que se situa no piso inferior; Mais se pede que a condenação da Ré no pagamento de todos os custos e despesas de qualquer natureza que a autora comprovadamente tiver que suportar para repor a sua fracção e a do r/chão no estado de conservação adequado a um uso normal dos imóveis, tudo a apurar em sede de liquidação de sentença. […]».

2) – Na ocasião do saneador, definiu-se o seguinte objecto do processo: “Saber se a Autora poderá resolver o contrato por incumprimento culposo da Ré dos deveres de cuidado e zelo do locado.”; Nessa mesma ocasião os temas de prova enunciados foram os seguintes: 1. Saber se a Ré impossibilitou o acesso ao locado apesar de notificada da vistoria, em 12 de Setembro de 2020; 2. Saber se as infiltrações nas fracções vizinhanças têm origem no locado; 3. Saber se os danos verificados pela Autora na casa de banho do locado (humidade e falta de silicone vedante nas loiças da causa de banho) são causa adequada de infiltrações na fracção inferior; 4. Saber se a porta do roupeiro foi reposta; 5. Saber se a Ré já tinha avisado a Autora de problemas de humidade na casa de banho do locado; 6. Saber se Autora e Ré acordaram na realização de pintura no interior do locado, e se a Ré a realizou.

3) – A Autora veio reclamar, pretendendo que, o objecto do litígio fosse o seguinte: “Saber se a Autora poderá resolver o contrato por incumprimento culposo da Ré dos deveres de cuidado e zelo do locado e o de facultar à Autora o exame do locado”; E que aos temas de prova se adicionasse este: “Saber se a Ré franqueou a porta do locado à Autora para que o examinasse nas datas que a mesma lhe comunicou pelas cartas juntas ao processo ou, caso o não tenha feito, se justificou a impossibilidade ou propôs datas alternativas.”.

4) – Por despacho de 21/2/2022 foi deferida a aludida reclamação, considerando-se o objecto do litígio e os temas de prova alterados nos termos reclamados.

5) – Na sessão de 17/5/2022, da audiência final, foi requerida a ampliação do pedido acima referida, tendo a mesma sido deferida por despacho proferido para a acta dessa sessão.

6) – Pronunciando-se sobre tal requerimento, posteriormente a ter sido proferida a supra mencionada decisão a admitir a ampliação requerida, a Ré sustentou: “(…) que se opõe a tal pretensão, nomeadamente no que respeita à falta culposa de pagamento de três rendas e à violação do dever de facultar ao locador o exame do locado.., na justa medida que tais ampliações não resultam do desenvolvimento nem são consequência do pedido primitivo, cfr. alegado pela A. na sua PI nos pontos 48. a 50, e 20. e 21. da mesma peça processual.

Por outro lado, Não se opõe às restantes ampliações dos pedidos, não obstante a R. entender que tais ampliações não têm qualquer utilidade para o processo, na justa medida em que a R. sempre fez um uso prudente do locado e tolerou sempre as reparações urgentes no locado (…). (os sublinhados são nossos).

* - Em 31/8/2022 foi proferida sentença pelo Juízo de Competência Genérica ..., tendo-se consignado, na respectiva parte dispositiva, o seguinte: «[…] decide-se julgar a presente acção parcialmente procedente e em consequência: I – Declarar a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre Autora e Ré, sobre fracção autónoma, designada pela letra ..., tipologia ..., do prédio urbano em regime propriedade horizontal, sito em Rua ..., lugar de ..., freguesia e concelho ..., inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ...03 e descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o número ...25, com fundamento em incumprimento grave e reiterado da obrigação de facultar ao locador o exame da coisa locada, condenando-se a Ré a entregar o locado livre e devoluto de pessoas e bens; II – Absolver a Ré do demais peticionado; III – Condenar Autora e Ré no pagamento das custas, na proporção de metade para cada. […]».

* B) – 1) - Inconformada com a sentença, a Ré interpôs recurso desta decisão, oferecendo, no final da sua alegação recursória, as seguintes “conclusões”: «1.

A ora Recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo tribunal “a quo” que julgou Procedente o procedimento especial de despejo.

  1. A questão central é demonstrar que efectivamente a R. não violou qualquer dever de facultar ao locador o exame do locado.

  2. Uma vez que sempre cumpriu, de forma constante, a obrigação que lhe impõe de facultar ao senhorio o exame da coisa locada, cfr. factos julgados provados, a saber: 4. Em finais de Junho, início de Julho de 2020, a proprietária do andar inferior, CC, exigiu que a Autora reportasse ao seu seguro as infiltrações que tinha em sua casa e que admitia provir do andar superior, o que a Autora fez; 5. Em 20 de Julho de 2020, a Autora deslocou-se ao prédio dado de arrendamento à Ré, para acompanhar a vistoria realizada pelo técnico, tendo a Ré cedido a chave à vizinha de baixo, CC, que abriu a porta do locado; 6. Na sequência da vistoria realizada em 20 de Julho de 2020, foi realizado relatório pelo técnico, no qual conclui o seguinte: “após deslocação a fracção segura, em conjunto com Administrador do condomínio foi realizado teste no R/c esq que apresenta danos na parte inferior das paredes, já secas, derivado a insuficiência de isolamentos, na base, no qual já se apresenta reparados. No...

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