Acórdão nº 2603/19.0T8PDL.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelFERNANDO BAPTISTA
Data da Resolução30 de Novembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível I – RELATÓRIO AA veio propor acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra A.., Lda.

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Pede o reconhecimento da validade da resolução com justa causa, por parte do Autor, do contrato-promessa de compra e venda a que se reporta os autos, bem como a condenação desta a entregar-lhe a quantia de € 29.000,00 (vinte e nove mil euros), a título de devolução do valor do sinal em dobro, acrescida de juros de mora vincendos, alegando para o efeito, em suma, que a Ré, deliberadamente, omitiu divergências entre a realidade substantiva e a realidade registral das frações autónomas, e incumpriu definitivamente o sobredito contrato-promessa.

Devidamente citada, a Ré contestou a ação por impugnação motivada, defendendo, em suma, que não se mostram verificados os pressupostos de facto e legais da resolução e/ ou do incumprimento definitivo do contrato-promessa, tendo concluído pela improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.

Realizou-se a audiência prévia em que foi proferido o despacho saneador tabelar e se identificou o objeto do litígio, bem como foram enunciados os temas da prova.

No seguimento da audiência de discussão e julgamento, foi elaborada a sentença que julgou a ação totalmente improcedente, por não provada.

Não se conformando, o autor interpôs recurso de apelação, vindo a Ralação de Lisboa, em acórdão, a decidir “julgar a apelação improcedente e em manter a decisão recorrida”.

Veio, ainda, o recorrente invocar a nulidade do acórdão proferido por omissão de pronúncia, nos termos dos artigos 608º nº 2 e 615º nº 1 alínea d) do C.P.C., o que foi indeferido por acórdão lavrado em conferência.

* De novo inconformado, vem o Autor AA interpor recurso de revista excepcional, tendo, porém, a Formação considerado que, dada a impugnação da matéria de facto deduzida, “será admissível o recurso de revista normal quanto a violação de normas de direito adjetivo por parte do tribunal da Relação”, razão pela qual determinou a remessa dos autos ao relator.

Nas alegações da revista foram apresentadas as seguintes CONCLUSÕES 1. o recorrente deve indicar na sua alegação as razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito; 2. No caso sub judice, a apreciação da questão em apreço não se prende com uma «melhor aplicação do direito», mas com uma «correcta aplicação do direito»; 3. O recurso da matéria de facto não visa a obtenção de um segundo julgamento sobre aquela matéria, sendo antes uma forma de obviar a eventuais erros, ou incorrecções, cometidos na decisão recorrida; 4. O recurso da matéria de facto não visa, pelo contrário, a legalidade da decisão recorrida na forma como apreciou a prova e nos segmentos concretos indicados pelo recorrente; 5. O próprio recurso de apelação com pedido de reapreciação de matéria de facto está sujeito a critérios que implicam uma individualização não só dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; 6. Quando se impugna a matéria de facto com pedido de reapreciação de prova gravada, o recorrente pretende que o tribunal de 2.ª instância aprecie os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, indicando os meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada, concluindo com a decisão que deveria ser proferida sobre as questões impugnadas; 7. Incumbe ao recorrente, quando os meios de prova invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; 8. O tribunal superior tem o dever de analisar o depoimento prestado, em si mesmo considerado, e concluir, ou não, se a versão que apresenta é objectivável, ou seja, se qualquer um aceitaria o raciocínio explanado como compatível com o sentido comum; 9. Não se pretende um segundo julgamento, mas a apreciação da matéria de facto com base em determinados meios de prova que, no entender do recorrente, não foram tidos em consideração pelo tribunal a quo; 10. O recurso com reapreciação de matéria de facto não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento da decisão recorrida; 11. O recurso com reapreciação de matéria de facto pressupõe uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente à decisão sobre os «pontos de facto» que o recorrente considerou incorrectamente julgados, e dos que, na base, para tanto, da avaliação das provas (provas, em suporte técnico ou transcritas, quando as provas tiverem sido gravadas), na perspectiva do recorrente, impunham decisão diversa» da recorrida ou que se determinasse a renovação das provas; 12. O tribunal de recurso não se circunscreveu à prova aduzida pelo recorrente sobre a qual deveria ter emitido a sua apreciação; 13. O recorrente fez apelo a diversa prova (depoimentos de várias testemunhas, da parte, e de um documento ilicitamente desconsiderado), toda ela consubstanciadora da sua divergência relativamente à matéria de facto, e sobre a relevância desta prova nenhum juízo de valor foi emitido pelo Tribunal da Relação; 14. O acórdão recorrido omitiu pronúncia sobre questão de que era obrigado a conhecer, razão pela qual é nulo, nos termos dos arts. 608.º, n.º 2. e 615.º, n.º 1, alínea d), todos do CPC; 15. Não pode imperar a visão jurisprudencial de que, ao recorrente, se exige a definição do objecto do seu recurso e a delimitação da prova que se pretende que seja apreciada e escrutinada pelo tribunal de 2.ª Instância para que esta instância possa passar por cima desse trabalho e daquilo que verdadeiramente se requereu; 16. Tem de ser perfeitamente inteligível por que motivo os trechos e a demais prova que foram identificados e detalhados pelo recorrente não servem para levar a um entendimento divergente, sendo estes o objecto do aludido escrutínio; 17. O tribunal 2.ª Instância basta-se com o que serviu de suporte ao veredicto de 1.ª Instância, ignorando o que se pretende que seja alvo de um juízo analítico; 18. O grau de complexidade e de relevância do caso sub judice é manifesto; 19. A suficiência ou não da apreciação da prova e de como esta prova pode e deve ser apreciada é sempre matéria complexa e de grande relevância; 20. O direito aplica-se a factos, logo, não há decisão de direito sem factos, sen- do que os factos dizem respeito à vida das pessoas, dos cidadãos, que confiam na Justiça para dirimir os conflitos sociais e dar solução aos casos concretos que são trazidos à sua apreciação; 21. A definição de como se concretiza, em sede de decisão judicial superior, este dever fundamentado de análise crítica das provas indicadas em fundamento da impugnação é essencial para o garantir não só da certeza e segurança jurídicas, mas para reforçar a confiança dos cidadãos na Justiça enquanto Instituição; 22. Imperando a tese aqui propugnada, não haverá outra forma que não seja ajuizar no sentido da nulidade do acórdão recorrido, por violação dos artigos 608.º, n.º 2. e 615.º, n.º 1, alínea d), todos do CPC, e por contrariar os artigos 2.º, 20.º, n.º 1, e o 205.º da CRP; 23. O presente recurso de revista excepcional é reputado de extrema relevância para a melhor aplicação do direito e para robustecer a fidúcia dos cidadãos nas instituições que exercem os poderes de soberania de um Estado de Direito Democrático; 24. O Tribunal ad quem não apreciou a matéria de facto e prova enunciada pelo recorrente; 25. O Tribunal da Relação de Lisboa não se pronuncia sobre admissibilidade de prova, o que foi suscitado em sede de recurso, e, havendo essa admissibilidade, se esta teria ou não as consequências pretendidas pelo recorrente; 26. O tribunal a quo não avalia a carta enquanto prova documental, não havendo qualquer referência ao escrutínio de um documento que expressamente se requereu que fosse analisado; 27. A não admissibilidade da prova documental em apreço decorre de erro de direito manifesto do Tribunal de 1.ª instância, mantido pelo Tribunal da Relação de Lisboa; 28. O Tribunal da Relação de Lisboa ignorou a carta acima identificada, quando lhe foi pedido, expressamente, que decidisse se esta poderia ser tida em conta e, tendo-a em conta, que avaliasse se esta, em conjunto com a demais prova carreada nos autos e as próprias alegações da parte em sede de contestação, provaria o aludido facto não provado J); 29. O recorrente considerou que o tribunal de 1.ª Instância não apreciou correctamente o papel da ... no caso sub judice e que fez um incorrecto julgamento do Facto d); 30. No acórdão aqui posto em crise, além do apelo a diversa prova, não há uma concreta análise crítica destes trechos em conjugação com os testemunhos prestados, em si mesmo considerados, concluindo-se, ou não, se a versão que se apresenta é objectivável, ou seja, se qualquer um aceitaria o raciocínio explanado como compatível com o sentido comum; 31. A situação sub judice subsume-se a uma relação contratual à qual é aplicável o regime do art.º 800.º do CC, e que não foi reconhecido pelo Tribunal de 1.ª instância e não foi apreciado pelo Tribunal da Relação de Lisboa; 32. O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa repete esta omissão para todos os demais trechos de depoimentos e testemunhos que fundamentaram a pretensão do recorrente e que careceria de uma análise crítica e concreta – não realizada e não fundamentada – que não se basta com uma mera apreciação genérica e que não pode ser superada por prova diversa; 33. Face aos factos, trechos e provas carreadas pelo Recorrente, conclui-se que o Tribunal de 1.ª instância incorre numa errada...

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