Acórdão nº 00888/20.9BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 28 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelLu
Data da Resolução28 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:*Estado Português interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF do Porto, que julgou parcialmente procedente acção administrativa instaurada por I.

(Rua (…)), e na qual o réu foi condenado “ao pagamento do montante de 27.000 € (vinte e sete mil euros), acrescidos de juros de mora desde a data da citação até integral pagamento, correspondente a indemnização devida em virtude da violação da exigência da duração razoável de processo.

”.

Conclui: 1º Vem o presente recurso interposto da sentença proferida a 17 de novembro de 2021, notificada ao Ministério Público em 19 de novembro, que decidiu julgar a ação instaurada por I. contra o RÉU ESTADO PORTUGUÊS parcialmente procedente e, em consequência, o condenou a pagar à A. a quantia de 27.000€ (vinte e sete mil euros), acrescida de juros de mora desde a data da citação até integral pagamento, quantia correspondente a indemnização devida em virtude da violação do direito da Autora à obtenção de decisão judicial em prazo razoável.

  1. Fundou-se a sentença ora recorrida, em suma, na verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado, por factos ilícitos deste, fazendo impender sobre o Réu o dever de indemnizar a Autora, sendo o valor da indemnização correspondente a danos não patrimoniais pelos 18 anos de atraso na obtenção de decisão judicial no âmbito da execução especial por alimentos n.º 2196/14.5TMPRT –A, que correu termos no Tribunal de Família e Menores do Porto e cuja tramitação processual teve a duração total de 21 anos. 3ºAplicou, em matéria de direito, essencialmente o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas - Lei n.º 67/2007 de 31/12 -, art.º 6º, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o artigo 20º, n.º 4 da CRP e os artigos 483º a 510º Código Civil.

  2. A discordância do Réu Estado situa-se na apreciação feita na sentença recorrida em relação à verificação, em concreto, dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito do Réu, nomeadamente, no que concerne à ilicitude e à culpa, ao nexo de causalidade entre o fato ilícito e os danos dados como provados, bem como no que concerne ao quantum da indemnização arbitrada, por danos não patrimoniais.

  3. Ou seja, apesar da factualidade dada como provada, a qual não se contesta neste recurso, atenta a motivação de facto nela apresentada, entende o Réu Estado Português, representado pelo Ministério Público, que o Tribunal a quo, se tivesse interpretado corretamente as normas jurídicas aplicáveis, não deveria ter considerado verificados, em concreto, os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito do Réu, em virtude de violação do direito à obtenção de decisão em prazo razoável e que, ao decidir nos termos em que decidiu, o Tribunal a quo, fez uma errada interpretação e aplicação do regime legal aplicável in casu.

  4. Antes de mais cumpre referir que o processo cujo atraso na prolação de “uma decisão judicial” está aqui em discussão é um processo executivo – execução por alimentos devidos a menor -, onde se executava uma sentença que fixou os alimentos a pagar pelo progenitor de um menor, pelo que e não havia qualquer decisão judicial, no sentido de decisão que apreciasse do mérito de uma pretensão suscitada ao tribunal pela Autora, que tivesse que ser proferida em “prazo razoável” e cuja violação pudesse servir de causa de pedir na presente ação.

  5. Acresce que, o impulso processual no processo executivo cabe sempre à parte exequente, sendo o papel do Tribunal o de decidir quanto ao que vem peticionado, em conformidade com a lei, bem assim proceder às diligências que, de todo em todo as partes não possam levar a cabo – cf. art.ºs 810º e 812º, n.º 2 do CPC, na versão vigente à data da instauração da execução e prosseguimento do processo até 1/9/2013, altura em que entrou em vigor o novo CPC.

  6. Ora, se é certo que, de acordo com o que dispõe o artigo 2º n.º 1 do Código de Processo Civil, “a proteção jurídica através dos tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar”, 9ºCerto é também que ao Estado não pode, sem mais, ser-lhe imputado um atraso de 18 anos na obtenção da decisão no processo executivo em causa nos autos, no caso, decisão de extinção da instância executiva por impossibilidade do seu prosseguimento por falta de bens conhecidos ao executado.

  7. Isto porque, por um lado, não se deu como provado nenhum comportamento ilícito praticado por magistrados e funcionários do Tribunal de Família e Menores do Porto, e por outro, a demora na prolação da aludida decisão, contabilizada em 18 anos, não traduz, por si só, um comportamento violador das normas jurídicas relativas à violação do direito à obtenção de decisão judicial em prazo razoável, nem configura uma ilicitude objetiva pelo defeituoso funcionamento do serviço público de justiça.

  8. Ou seja, entende o recorrente que no presente caso, e em concreto, não se verifica o pressuposto da ilicitude, na vertente de uma omissão ilícita de qualquer dever de agir do Réu, que o Tribunal a quo nem sequer concretiza qual seja.

  9. Em primeiro lugar, e no entender do recorrente, o Tribunal a quo laborou num pressuposto errado, ao equiparar um processo executivo a um processo declarativo, considerando que o prazo razoável, em primeira instância, para a obtenção de uma “decisão judicial” no primeiro é de 3 anos, assim imputando ao Estado um atraso de 18 anos na obtenção da decisão de extinção da instância executiva por impossibilidade do prosseguimento da lide, ainda que esta se pudesse vir a renovar no caso de serem conhecidos rendimentos, bens ou direitos ao executado.

  10. Isso porque, estamos perante um processo executivo – execução especial por alimentos, instaurada ao abrigo do disposto nos artigos 1118º a 1121 do CPC de 1961, atualmente prevista no art.º 933º e segs. do novo CPC -, pelo que se deve ter em conta, desde logo, que este tipo de processos tem especificidades que se evidenciam no que concerne ao cômputo do prazo de duração do processo.

  11. Nomeadamente, e relativamente ao executado, apenas se pode iniciar a contagem do prazo de duração do processo de execução com a intervenção deste, que no caso nunca ocorreu, por ser desconhecido, desde o início, o seu paradeiro, o que contribuiu, e em muito, para a pendência do processo executivo ao longo do tempo e não poder ser imputado, a nenhum título, ao Réu Estado, nomeadamente a título de “funcionamento anormal do Tribunal por onde o processo tramitou”.

  12. Depois, o processo de execução, ainda que de execução especial por alimentos, atenta a sua natureza, constitui um processo não tramitado durante as férias judiciais, pelo que ao computo dos 18 anos de atraso que o Tribunal a quo calculou, sempre teriam de ser descontados todos os períodos de férias judiciais, o que não foi efetuado.

  13. Como, também, deveria ter sido descontado o período em que o processo esteve parado, a aguardar o impulso da Autora – o requerimento da penhora de 1/12 avos da fração autónoma designada pela letra “A” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua (…), só foi feio cerca de 8 meses depois da adjudicação do primeiro imóvel penhorado a um credor hipotecário -, como decorre dos pontos 38, 51 e 52 da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida.

  14. Por outro lado, deveria o Tribunal a quo ter em conta que a pendência da execução em causa nos autos se deveu, sim, a uma errada estratégia da Autora, que sempre esteve representada por mandatário judicial, isto porque sabia, desde o início, que o executado havia desaparecido, que o imóvel que primeiramente nomeou à penhora estava onerado com uma hipoteca, que existiam outras dividas, de elevado valor, da responsabilidade do executado e que, seguramente, os respetivos credores as viriam reclamar ao processo executivo, como aconteceu.

  15. E, quanto ao segundo imóvel, bem sabia a Autora que penhorar um direito correspondente a 1/12 de um bem, desconhecendo a totalidade das identidades dos demais 11 comproprietários e as respetivas moradas, era atividade executiva morosa e de sucesso muito duvidoso, como realmente se verificou, circunstâncias a que o Réu Estado foi completamente alheio e que não tem que ver com o funcionamento anormal do tribunal onde o processo foi tramitado.

  16. Portanto, verifica-se que não foi o mau funcionamento do serviço de justiça, que não se prova ter ocorrido em nenhuma circunstância, que levou a que a execução se prolongasse no tempo por 21 anos.

  17. Pelo contrário, é indiscutível que os serviços de justiça do Réu Estado funcionaram atempadamente e com normalidade, não tendo havido, da sua parte –através dos magistrados e funcionários judiciais que tramitaram o aludido processo - quaisquer atrasos, que se possam considerar anormais ou exagerados, nem se verificou, da parte do Réu, qualquer inércia no impulso processual do processo – como na própria sentença tudo se reconhece.

  18. Assim, e ao contrário do referido pelo Tribunal a quo, o Réu Estado ilidiu a presunção de culpa que sobre o mesmo recaía, já que ficou demonstrado nos autos que nenhum facto ilícito e culposo pode ser imputado aos magistrados e funcionários judiciais do Tribunal de Família e Menores do Porto que tivesse dado causa a que o processo executivo se prolongasse no tempo por 21 anos.

  19. Por outro lado, a sucessão de “anomalias processuais” que terão bloqueado, no entender do Tribunal a quo, o normal fluir do processo e levado à morosidade da execução especial de alimentos, se não são de imputar à Autora nem ao Tribunal, tal como se refere na sentença, também não o podem ser ao Réu Estado, nomeadamente por “deficiência” da lei processual vigente – CPC de 1961 -, a qual foi...

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