Acórdão nº 203/17.9BEBJA de Tribunal Central Administrativo Sul, 06 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelANA CRISTINA LAMEIRA
Data da Resolução06 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I- RELATÓRIO C...

, S.A., intentou no Tribunal Administrativa e Fiscal de Beja (TAF de Beja) acção administrativa contra S... e P... S.A., de responsabilidade civil por danos emergentes da circulação de um veículo por esta segurado, peticionando que a presente acção seja julgada procedente por provada e, em consequência, sejam as Rés condenadas ao pagamento do valor de € 9.088,81, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento, custas judiciais e respectivas custas de parte.

Em 26.02.2021, o Tribunal a quo proferiu sentença julgando a açcão parcialmente procedente e, em consequência, condenou as Rés a pagar à Autora a quantia de € 9.015,92, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Inconformadas as Rés, ora Recorrentes, vieram interpor recurso para este TCA SUL, cujas Alegações culminam com as seguintes conclusões: “1.ª A sentença sub judice enferma de erro de julgamento quanto à matéria de facto e de erro na decisão de direito, violando por errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 342.º, n.º 1 e 2 e 493.º, n.º 1 do Código Civil, artigo 12.º, n.º 1 da Lei n.º 24/2007, de 18 de julho e artigo 10.º, n.º 3 do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas.

  1. A decisão da matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo não considerou como provada factualidade que se afigura - atento o enquadramento legal do litígio - relevante para a decisão do processo, impondo-se, desta forma, a sua ampliação.

  2. A factualidade alegada pela Autora no artigo 16.º da petição inicial (“No local a via apresenta 2 (duas) hemifaixas, 1 (uma) no sentido sul, e 1 (uma) no sentido Norte, separadas no eixo da faixa de rodagem por linha descontinua”) foi expressamente aceite pelas Rés no artigo 52.º da contestação e resulta demonstrada documentalmente através das fotografias juntas aos autos (cf. documento n.º 3 junto com a contestação).

  3. A referida factualidade, alegada pela Autora, aceite pelas Rés e provada por documento, assume-se com relevância para a decisão da causa, pelo que deverá ser aditado um ponto ao elenco dos factos provados - por ter sido admitido por acordo - com a seguinte redação: “No local a via apresenta 2 (duas) hemifaixas, 1 (uma) no sentido sul, e 1 (uma) no sentido Norte, separadas no eixo da faixa de rodagem por linha descontinua” (cf. artigo 16.º da petição inicial, artigo 52.º da contestação, documento n.º 3 junto com a contestação e artigo 607.º, n.º 4 do Código de Processo Civil).

  4. O Tribunal a quo deu ainda como provada inúmera factualidade que, para além de ter sido expressamente impugnada pelas Rés na sua contestação, não resulta da prova documental junta aos autos, pelo que se impõe a sua remoção do acervo dos factos provados.

  5. As Rés impugnaram a dinâmica e causa do acidente, a existência de danos e pagamentos, bem como o nexo causal entre o alegado sinistro e os danos e pagamentos efetuados, sendo que tal factualidade não pode ser extraída da documentação que se encontra junta aos autos - impugnada, aliás, pelas Rés.

  6. O Tribunal a quo deu como provado, no Ponto 4, que “Em 11/09/2016, pelas 00H15m, no IC 33, Km…, Grândola, ocorreu um acidente com o veículo segurado da Autora, pertencente e conduzido por V…, tendo este embatido num javali”, com base no Documento n.º 3 junto com a petição inicial.

    1. ª. Em face da impugnação realizada pelas Rés nos artigos 56.º, 57.º e 63.º da contestação e na ausência de prova sobre a mesma, não pode considerar-se como provado que ocorreu um acidente de viação e que o mesmo se deveu ao embate num javali.

  7. Além do mais, encontrando-se já dado por reproduzido, no elenco dos factos provados (cf. ponto 9 da matéria de facto provada), o conteúdo do documento n.º 3 junto com a petição inicial, não poderia o Tribunal recorrido, em face da impugnação realizada pelas Rés, ir mais além do conteúdo expresso do referido documento e considerar como provada qualquer factualidade referente ao acidente sub judice, pelo que deverá ser removido o ponto 4 dos factos provados.

  8. O Tribunal a quo deu como provada a factualidade constante no Ponto 7 (“Em 14/09/2016, foi elaborada, pela Rede Nacional de Peritagens, uma peritagem ao veículo do segurado da Autora, referente ao sinistro de 11/09/2016, tendo constatado danos na parte frontal do veículo, orçamentados no valor de € 8.960,57”) com base no teor do documento n.º 6 junto com a petição inicial e deu como provada a factualidade vertida no Ponto 8 (“Em 14/09/2016, foi elaborada a Fatura n.º 344.226/PAR, pela Rede Nacional de Peritagens, e dirigida à Autora, no valor de € 55,35”) fundamentando a sua resposta no documento 10 junto com a petição inicial.

  9. O Tribunal Recorrido considerou ainda provado, no Ponto 10, que “Em 28/09/2016, foi elaborada a Fatura n.º FA 2016/01183, dirigida à Autora, e elaborada pela Sociedade A… – Reparações Automóveis Unipessoal, Lda., referente à reparação do Veículo mencionado no ponto II, no valor de € 8.960,57” com base no conteúdo do documento n.º 7 junto com a petição inicial e considerou como provado, no Ponto 11, que “Em 29/09/2016, a Autora procedeu à transferência bancária para o seu segurado, no montante de € 8.960,57” alicerçando a sua resposta no conteúdo do documento n.º 8 com a petição inicial.

  10. O Tribunal a quo se limitou-se a dar como provado o conteúdo dos documentos que se encontram juntos aos autos, não tendo tomado em consideração os factos alegados pelas partes.

  11. Não obstante se poderem dar como reproduzidos documentos na seleção da matéria de facto, o Tribunal a quo não poderia ter ignorado na seleção da matéria de facto a factualidade alegada pelas partes, até porque os documentos são meios de prova essa mesma factualidade.

  12. As Rés impugnaram expressamente, nos artigos 60.º, 61.º e 65.º da contestação a factualidade alegada pela Autora (e documentação junta) referente aos danos, consequências e pagamentos que se verificaram e o seu nexo causal com o alegado sinistro em discussão nos autos.

  13. O Tribunal a quo não poderia, apenas com base na prova documental junta aos autos – impugnada, quando ao seu valor e alcance probatório - considerar como provada qualquer factualidade referente aos aludidos pressupostos processuais, sem que fosse produzida prova sobre a mesma.

  14. Os Pontos 7, 8, 10 e 11 devem ser retirados da matéria de facto provada por se encontrar controvertida a respetiva factualidade e por ausência de prova sobre a mesma.

  15. Em face da alteração à matéria de facto que se impõe realizar nos termos expostos no presente recurso, é manifesto que a factualidade que estará provada impõe a absolvição das Rés dos pedidos uma vez que da mesma não resultará demonstrado dois dos pressupostos do instituto da responsabilidade civil extracontratual: o dano e o nexo de causalidade.

  16. Para fundamentar a sua decisão, o Tribunal Recorrido sustentou, nomeadamente, que: “Verificando-se a existência/atravessamento de um animal em plena via de trânsito (facto que se infere do auto de notícia, uma vez que o Guarda da GNR referiu que na beira da estrada se encontrava um javali e que este teria sido a causa do acidente), opera a presunção de culpa, nos termos supra expostos, por força da aplicação do art.º 12.º da Lei n.º 24/2007, de 18/07, assim como dos artigos 10.º, n.º 3, do RRCPP e 493.º, n.º 1, do Código Civil” (cf. sentença recorrida).

  17. Atento o âmbito de aplicação da Lei n.º 24/2007, de 18 de julho -previsto no seu artigo 2.º, n.º 1 - para que o Tribunal a quo pudesse aplicar ao caso sub judice o regime previsto na citada lei, o mesmo teria de ter demonstrado que o local do acidente (o IC33, Pk …) tem “duas vias em cada sentido” o que não fez e não corresponde à realidade, o que exclui a aplicação do aludido diploma ao caso dos autos.

  18. Com a entrada em vigor da Lei n.º 24/2007, de 18 de julho, passou a estar consagrado, no artigo 12.º, um novo ónus de prova (e não uma presunção de culpa), que faz recair sobre as concessionárias de autoestradas, em caso de acidente de viação envolvendo animais, objetos ou líquidos na via, a obrigação de provar o cumprimento das suas obrigações de segurança para se eximir da responsabilidade.

  19. Ainda que o diploma em...

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