Acórdão nº 15/22 de Tribunal Constitucional (Port, 06 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. António José da Ascensão Ramos
Data da Resolução06 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 15/2022

Processo n.º 1109/21

2.ª Secção

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1.1. A. apresentou requerimento de recusa (artigo 47.º do Código de Processo Penal [CPP]) do juiz de Direito B., titular do Tribunal do juízo central criminal de Lisboa (J14).

Na pendência do incidente, o recorrente apresentou reclamação de nulidade por, no vestíbulo da decisão, o procurador-geral adjunto ter sido notificado e ouvido junto do Tribunal da Relação de Lisboa, pronunciando-se pelo indeferimento da recusa e pela condenação do requerente em sobrecustos de incidente nos termos do art. 45.º, n.º 7 do CPP (cfr. fls. 109-118).

Por acórdão de 15.09.2021 do Tribunal da Relação de Lisboa, foi negada procedência ao incidente de recusa do juiz titular do processo em 1.ª instância, condenando-se o requerente em custas de incidente nos termos do artigo 7.º, n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais [Reg.CP] e Tabela II anexa ao diploma.

1.2. A. reclamou deste acórdão com fundamento em nulidade, apontando-lhe omissão de pronúncia e preterição do direito a contraditório. Por acórdão de 06.10.2021, o Tribunal da Relação de Lisboa negou procedência à reclamação de nulidade (fls. 167-172).

Amílcar Contente apresentou depois reclamação de nulidade por preterição da notificação do acórdão ao Ministério Público em obediência ao disposto no artigo 449.º, n.º 4 do Código de Processo Civil [CPC], ex vi artigo 4.º do CPP. Mais pediu a fiscalização concreta deste articulado legal quando interpretado no sentido de a omissão do ato não importar nulidade por violação do disposto nos artigos 202.º, n.º 2, 203.º e 204.º, todos da Constituição da República (fls. 181-182).

Por acórdão de 13.10.2021, o Tribunal da Relação de Lisboa indeferiu a nulidade reclamada.

1.3. A. interpôs depois recurso para o Tribunal Constitucional do aresto produzido pela conferência, suscitando a fiscalização concreta da constitucionalidade das normas constantes (i) do artigo 45.º, n.º 7 do CPP, (ii) do artigo 45.º, n.ºs 4 e 5 do CPP, em interpretação normativa que autorizasse o Tribunal recorrido a não ter de decidir sobre todo o objecto temático do incidente, a produzir elementos de prova irrelevantes e/ou que o capacitasse a dispensar a audiência prévia do requerente e (iii) do artigo 449.º, n.º 4 do CPC, em interpretação normativa que autorizasse a dispensa de notificação ao Ministério Público da decisão de incidente de falsidade que tivesse sido tramitado e decidido.

Pela decisão sumária n.º 695/2021, decidiu-se não conhecer do mérito do recurso. Os fundamentos são os seguintes, para o que ora nos importa:

(…) relativamente à primeira questão de constitucionalidade suscitada, o artigo 45.º, n.º 7 do CPP citado pelo recorrente no requerimento de interposição estabelece que o requerente do incidente de recusa pode ser condenado no pagamento de uma quantia-sanção (entre 6 UC e 20 UC) quando o pedido por ele formulado se conclua por manifestamente infundado.

O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15.09.2021 ora recorrido, porém, se negou procedência ao pedido de recusa, cingiu-se à condenação do recorrente (e ali requerente) em custas de incidente ao abrigo do artigo 7.º, n.º 4 do RCP, deixando de parte qualquer sancionamento que se baseasse em demérito grosseiro do pedido. O encargo fixado pelo Tribunal, pois claro, teve por causa apenas a atividade processual gerada, baseando-se no quadro legal de tributação do incidente e achando-se desprovido de natureza sancionatória, pelo que a norma do artigo 45.º, n.º 7 do CPP não se pode entender de modo nenhum aplicada no caso sub iudicio.

(…) não estão reunidos os requisitos de que depende o recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da LTC, conquanto a norma cuja sindicância se pretende não foi adoptada pelo acórdão recorrido (nem na interpretação normativa indicada no requerimento, nem em qualquer altura), revelando-se inócua para o desfecho do incidente. (…)

Sobre a segunda questão de inconstitucionalidade alegada no recurso, o artigo 45.º do CPP dispõe, no seu n.º 4, regras genéricas de tramitação do incidente de recusa (admitindo indeferimento liminar e estabelecendo um princípio-base de instrução oficiosa da prova) e o seu n.º 5 fixa o prazo de trinta dias para o Tribunal decidir sobre o objecto do incidente. (…) não há forma nenhuma de entender que o acórdão de 06.10.2021, quando negou o juízo de que o aresto de 15.09.2021 estivesse viciado de falta de pronúncia, de realização de diligências inúteis e de preterição de contraditório, tivesse aplicado os citados articulados legais numa interpretação que convalidasse a decisão viciada. Dito de outra forma, a decisão recorrida (de 06.10.2021) não interpretou o artigo 45.º, n.ºs 4 e 5 do CPP numa aceção normativa que autorizasse o Tribunal recorrido a não ter de decidir sobre todo o objecto temático do incidente, a produzir elementos de prova irrelevantes ou em aceção que capacitasse a conferência a dispensar a audiência prévia do requerente, com isso suportando a legalidade do aresto: deixando os citados articulados de lado e noutro sentido, o Tribunal entendeu que a decisão não enfermava desses vícios e que, verdadeiramente, todo o objecto do incidente foi apreciado, toda a prova produzida revestiu utilidade e, ainda e também, que o requerente dispôs de oportunidade processual para exercer contraditório sobre todas as questões colocadas que pudessem obstruir a procedência.

A interpretação normativa que o recorrente atribui ao acórdão recorrido da norma, no fundo, é apenas uma observação crítica que dirige ao aresto por discordar com ele, não um enunciado de um sistema normativo que o Tribunal tivesse adotado em esforço hermenêutico das disposições do artigo 45.º, n.ºs 4 e 5 do CPP que nessa sede tivesse sido conduzida a consequências.

(…) no acórdão de 13.10.2021 (…) não se extrai que o Tribunal tivesse interpretado a norma do artigo 449.º, n.º 4 do CPC em sentido que dispensasse o foro de realizar a comunicação ao Ministério Público do desfecho do incidente de falsidade que tivesse sido tramitado e decidido. (…) o acórdão recorrido indeferiu a nulidade reclamada por entender que não foi suscitado incidente de falsidade – de documento (artigo 446.º do CPC) ou de ato judicial (artigo 451.º do CPC) – de forma processualmente adequada; por, no ver da conferência, não existir aquisição de notícia de crime praticado por magistrado; e, por fim, porque a decisão final foi efetivamente notificada ao Ministério Público, tornando inviável que se entendesse sequer por implícita qualquer forma de interpretação abrogante do artigo 449.º, n.º 4 do CPC. (…)

Resta concluir, em face de todo o exposto, pela existência de vício da instância de recurso constituída por falta de verificação de pressuposto processual típico e próprio do meio de processo em causa (recurso para o Tribunal Constitucional) de sindicância oficiosa e que obsta à apreciação de mérito do recurso quanto às questões de inconstitucionalidade suscitadas (cfr. artigos 280.º, n.º 1, alínea b) da Constituição da República, artigos 6.º, 70.º, n.º 1, alínea b), 71.º, n.º 1 e 79.º-C, todos da LTC, articulados com o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 2, 577.º, corpo do texto e 578.º, todos do Código de Processo Civil, ex vi artigo 69.º da LTC).

1.3. O recorrente reagiu a este despacho pela peça de fls. 218-221, pelo qual “diz e requer ao abrigo do disposto nos artigos 78-A, n.º 3 e 78.º-B, n.º 2 da Lei n.º 28/82 de 15.11” que seja “declarada a falsidade do ato/documento de...

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