Acórdão nº 12142/20.1T8LSB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 16 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelCARLOS CASTELO BRANCO
Data da Resolução16 de Dezembro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: 1. Relatório: * 1. G… e C…, identificados nos autos, instauraram contra o ESTADO PORTUGUÊS, representado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, a presente acção declarativa, com processo comum, pedindo o reconhecimento da união de facto entre os autores, “nos termos e para os fins da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, da Lei n.º 37/81, de 03 de Outubro e do Decreto-Lei 237-A/2006, de 14 de Dezembro”.

Alegaram os autores, em suma, o seguinte: - Que o Tribunal de Família e Menores é materialmente competente, pois, nos termos do disposto no art.º 122º, n.º 1, g) da lei 62/2013 de 26 de Agosto, compete aos juízos de família e menores preparar e julgar, “outras ações relativas ao estado civil das pessoas e família”, sendo que, a leitura mais consistente deste segmento normativo se reporta às condições ou qualidades pessoais que têm como fonte as relações jurídicas familiares, incluindo as resultantes das uniões de facto de modo a individualizar ou a concretizar a situação jurídica pessoal familiar, tendo em atenção a natureza complexa e multinível que atualmente tem a família; - Que a ação ocorre por exigência do art.º 3º, n.º3 da Lei 37/81, de 3 de Outubro - Que o Autor nunca irá conseguir obter a nacionalidade portuguesa por meio da união de facto se a presente ação não for intentada na jurisdição portuguesa; - Que mesmo que se entenda que não é possível a aplicação da norma do artº 80º nº 3, última parte, do CPC/13, à situação em que o autor tem domicílio no estrangeiro e o réu é o Estado Português, ainda assim o tribunal cível de Lisboa (instância local) seria competente para a acção, já não por efeito das regras da competência territorial (interna), mas por via da aplicação das regras sobre competência internacional dos tribunais portugueses, através da convocação da regra do artº 62º nº 3 do CPC/13, que dá guarida ao critério da necessidade; - Que os Autores conheceram-se em Portugal em 2016 e mantiveram um relacionamento desde então, até que em 30 de Maio de 2017 decidiram viver juntos na Holanda, na residência do Autor, tendo oficializado a união de facto, de acordo com a legislação Holandesa, por Parceria Registada a 22.02.2018 e tendo apresentado a declaração de imposto sobre rendimento singular 2017 e 2018, em conjunto; - Que nutrem uma relação familiar, social, afectiva e sexual, e residem na mesa casa desde 30 de Maio de 2017, partilham refeições e contribuem ambos para o sustento do lar, sendo vistos, desde 30 de Maio de 2017, juntos em eventos sociais e partilham a relação afectuosa e marital publicamente e ambos contribuem para a economia do casal, mediante mútuo auxílio em relacionamento tipicamente de marido e mulher.

- Que as decisões dos Autores são tomadas em acordo, no supremo interesse da família, pelo que se acham no direito de requerer o reconhecimento judicial da situação de união de facto exigido pelo artigo 3.º, n.º 3, da Lei n.º 37/81 e pelo artigo 14.º, n.º 2, do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, Decreto-Lei nº 237-A/2006; - De acordo com o artigo 1º, n.º 2 da Lei 7/2001, de 11 de Maio “A união de facto é a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos.”; - Que a prova da existência da união de facto faz-se por qualquer meio legalmente admissível, podendo, contudo, ser acompanhada de uma declaração de honra de cada um dos unidos de facto, onde referem que vivem em união de facto há mais de dois anos; - Que o art.º 14º, n.º 2 do Decreto-Lei 237-A/2006, de 14 de Dezembro estatui que “O estrangeiro que coabite com nacional português em condições análogas às dos cônjuges há mais de três anos, se quiser adquirir a nacionalidade deve igualmente declará-lo, desde que tenha previamente obtido o reconhecimento judicial da situação de união de facto” e o n.º 4 do mesmo artigo que “No caso previsto no n.º 2, a declaração é instruída com certidão da sentença judicial, com certidão do assento de nascimento do nacional português, sem prejuízo da dispensa da sua apresentação pelo interessado nos termos do artigo 37.º, e com declaração deste, prestada há menos de três meses, que confirme a manutenção da união de facto. “, pelo que os Requerentes intentam a presente ação judicial de forma a obterem certidão de uma sentença judicial que reconheça a União de Facto de ambos.

* 2. Por despacho judicial de 14-07-2020 foi declarada a incompetência territorial para a apreciação dos presentes autos pelo Juízo de Família e de Menores de Lisboa e julgado territorialmente competente o Juízo de Família e Menores do Seixal, para o qual os autos foram remetidos.

* 3. Citado o Ministério Público, em 27-01-2021 foi apresentada contestação, na qual foi invocada defesa por exceção - incompetência em razão da matéria, incompetência em razão do território, ineptidão da petição inicial, ilegitimidade da autora C… e falta de interesse em agir – e, para o caso de a mesma não proceder, pugnou-se pela improcedência da acção, por não provada, com a absolvição do réu Estado do pedido.

* 4. Em 17-09-2021 foi proferido o seguinte despacho judicial: “Ao abrigo dos princípios do contraditório, da economia processual, do dever de gestão processual e do poder de adequação formal (artigos 3.º, n.º 3, 6.º e 547.º do Código de Processo Civil), notifique os Autores para, no prazo de 10 dias, querendo, se pronunciarem sobre as matérias de excepção deduzidas na contestação (…).”.

* 5. Efetuada a mencionada notificação, sem pronúncia dos autores, em 21-10-2021 foi proferida decisão que declarou “estes juízos de família incompetentes, em razão da matéria, para a tramitação e decisão desta acção”, mais absolvendo o réu da instância.

* 6. Não se conformando com a referida decisão, dela apelam os autores, pugnando pela revogação da mesma, considerando-se o Juízo de Família e Menores do Seixal competente, em razão da matéria, para conhecer de ação de reconhecimento judicial da união de facto para efeitos de aquisição da nacionalidade portuguesa, tendo formulado as seguintes conclusões: “1. Vem o presente recurso interposto da douta decisão de verificação da exceção de incompetência material do Tribunal à quo.

  1. Os Autores, ora Apelantes, não se conformam com tal decisão.

  2. Foi intentada AÇÃO DECLARATIVA COM PROCESSO COMUM para reconhecimento judicial da situação de união de facto, nos termos e para os efeitos do art.º 14º, n.ºs 2 e 4 do Decreto-Lei 237-A/2006, de 14 de Dezembro, junto do Juízo de Família e Menores de Lisboa.

  3. O propósito da ação sub judice é o do reconhecimento judicial da união de facto entre os Apelantes, conforme exigência da Lei da Nacionalidade – Lei n.º 37/81, de 03 de outubro (atualizada por último pela Lei Orgânica n.º 2/2018, de 05 de julho) –, concretamente do artigo 3.º, n.º 3.

  4. O reconhecimento judicial de uma união de facto não é, nos termos legalmente determinados, da competência de nenhum dos tribunais de competência territorial alargada (cf., neste exato sentido, artigos 111.º; 112.º; 113.º, 114.º; 116.º; 120.º, n.º 1, da LOSJ).

  5. A 14 de Julho de 2020, o Juízo de Família e Menores de Lisboa, veio a declarar-se territorialmente incompetente, remetendo o processo para o Juízo de Família e Menores do Seixal por considerar que, tendo os Autores um domicilio em Portugal, seria então esse Tribunal o competente.

  6. A 27 de Janeiro de 2021 o Ministério Público veio peticionar, entre outros, pela incompetência territorial e material do Tribunal à quo.

  7. Os Autores, ora Apelantes, foram notificados a 22 de Setembro de 2021 para se pronunciarem, querendo, sobre as exceções deduzidas.

  8. Tendo já essas questões de incompetência sido, antecipadamente, tratadas na Petição Inicial, não fazia sentido estar a repetir os argumentos já anteriormente apresentados e, espera-se, devidamente valorados.

  9. A 28 de Outubro de 2021, foram os Apelantes notificados da douta Sentença do Tribunal à quo que veio decidir pela sua incompetência material pondo assim termo ao processo.

  10. O Tribunal ad quem já proferiu diversos acórdãos no sentido de atribuir competência material aos juízos de família e menores: Acórdão de 11.12.2018, Proc.º 590/18.1T8CSC.L1-6; Acórdão de 30.06.2020, Proc.º 23445/19.8T8LSB.L1-7; Acórdão de 11.12.2018, Proc.º 590/18.1T8CSC.L1-6.

  11. O reconhecimento judicial de uma união de facto, está incluído na competência interna dos tribunais de comarca.

  12. O critério da competência em razão da matéria, releva, não só para determinar que os tribunais de comarca são, aqui, competentes, como também para determinar qual o juízo competente (cf., artigo 81.º da LOSJ).

  13. Ora, o artigo 122.º, n.º 1, alínea g), da LOSJ, estatui que os juízos de família e menores são competentes para preparar e julgar “[outras] ações relativas ao estado civil das pessoas e família.’’.

  14. Com efeito, o legislador determinou a competência material dos juízos de família e menores para o conhecimento e apreciação de ações relativas a uniões de facto, designadamente ao reconhecimento judicial das mesmas.

  15. A união de facto é, na verdade, uma relação familiar (pelo menos em sentido amplo), estando intimamente ligada ao estado civil das pessoas e família.

  16. Por conseguinte, e havendo juízos cuja competência especializada é, precisamente, matéria de Direito da Família e dos Menores – sendo isso aquilo que está em causa – , não parece que o legislador tenha excluído, da alínea g), do n.º 1, do artigo 122.º, a união de facto. A união de facto diz respeito ao estado civil das pessoas.

  17. Assim, não só os juízos de família e menores são abstratamente competentes para o conhecimento e apreciação deste tipo de ações – reconhecimento judicial da união de facto –, como, no caso sub judice, havia, e há, um juízo de família e menores concretamente competente: o Juízo de Família e Menores do Seixal, sito no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa.

  18. Por todo exposto...

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