Acórdão nº 427/19.4YLPRT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA CLARA SOTTOMAYOR
Data da Resolução04 de Novembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1.

Os presentes autos tiveram início com o procedimento especial de despejo proposto no Balcão Nacional do Arrendamento (B.N.A.) por AA e outros contra Capital Criativo, SCR, SA, visando a resolução do contrato arrendamento celebrado entre as partes respeitante aos pisos 2, 3 e Águas Furtadas do imóvel sito na Rua ......., nº ... e ..., em ..., bem como o pagamento de rendas em dívida até à presente data e ainda as rendas vincendas até ao momento da entrega do locado.

  1. O tribunal de 1.ª instância decidiu o seguinte, conforme se exarou na parte dispositiva da sentença, que se passa a transcrever: «Pelo exposto, vistos os factos e o direito, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, decide-se:

    1. Declarar válida a comunicação de resolução do contrato de arrendamento efectuada pelos Requerentes à Requerida em 9 de Julho de 2018 e, consequentemente, decretar a resolução do contrato de arrendamento relativo ao piso dois, três e águas furtadas, do nº ... e ..., do prédio urbano, sito na Rua ......., em ...; b) Condenar a Requerida no pagamento aos Requerentes das rendas referentes aos meses de Maio de 2017 a Julho de 2018, cada uma no valor de € 15 000,00, acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa de 4% ao ano, desde a data do seu vencimento, até efectivo pagamento.

    2. Condenar a Requerida no pagamento aos Requerentes a título de indemnização da quantia correspondente as rendas mensais, cada uma no valor de € 15 000,00, que se venceram desde Julho de 2018 até à data de entrega do locado (2 de Junho de 2020), acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa de 4% ao ano, desde a data do seu vencimento, até efectivo pagamento».

  2. C2 Capital Partners - SCR, S.A., anteriormente denominada Capital Criativo - SCR, S.A., inconformada, interpõe recurso de apelação, em que impugna a decisão relativa à matéria de facto e invoca que a sentença do tribunal de 1.ª instância interpretou e aplicou erradamente os artigos 406.º, 424.º, 762.º, 798.º e 1031.º, al.

    1. e 1037.º, todos do Código Civil, pedindo, em consequência, a revogação da sentença e a sua substituição por outra decisão que reconheça o seu crédito sobre a Requerida e admita a compensação com o crédito dos Requerentes.

  3. No Tribunal da Relação ......, a Relatora proferiu despacho singular de não admissibilidade do recurso de apelação, por extemporaneidade.

  4. C2 Capital Partners – SCR, S.A., notificada do despacho que rejeitou por extemporâneo o recurso de apelação por si interposto, veio reclamar para a conferência, no Tribunal da Relação, nos termos do disposto nos artigos 643.º n.º 1 e 652.º n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC).

  5. A Conferência, no Tribunal da Relação ......, com um voto de vencido, indeferiu a reclamação, confirmando o despacho reclamado, entendendo que o procedimento especial de despejo é um processo de natureza urgente e por isso, o prazo de interposição de recurso é de 15 dias, nos termos dos n.ºs 5 e 8 do art.º 15.º-S, da Lei 6/2006, de 27 de fevereiro e 638.º, n.º 1, 2.ª parte, do CPC.

  6. Inconformada, a Capital Partners interpõe recurso de revista deste acórdão do Tribunal da Relação, formulando as seguintes conclusões: «

    1. O presente recurso tem por objeto o Acórdão proferido a 3.06.2021 no processo n.º 427/19...., que correu termos na 6.ª Secção do Tribunal da Relação ......, e que confirmou, com voto de vencido, a Decisão Singular proferida pelo Tribunal da Relação ...... a 26.04.2021, que julgou extemporâneo o Recurso de Apelação interposto pela Recorrente.

    2. No âmbito do Acórdão de que ora se recorre, o Tribunal da Relação confirmou a decisão da Decisão Singular, rejeitando o recurso interposto pela Recorrente a 11.12.2020, por considerar que o mesmo foi apresentado extemporaneamente, na medida em que “… o procedimento especial de despejo é um processo de natureza urgente e por isso, o prazo de interposição de recurso é de 15 dias, nos termos dos números 5 e 8 do art.º 15.º-S da Lei 6/2006 de 27 de Fevereiro e 638.º n.º 1 2.ª parte do CPC.”.

    3. Para sustentar a posição adotada no Acórdão de que ora se recorre, o Acórdão do Tribunal da Relação ..... utiliza argumentos de três ordens: (i) a letra da lei, (ii) a ratio legis da norma, e (iii) a jurisprudência (divergente) a respeito do tema. Sucede que, conforme melhor se verá infra, o Tribunal da Relação não apreciou corretamente tais argumentos.

    4. No que diz respeito ao argumento literal,cumpre notar que, não obstante o Tribunal da Relação ...... no Acórdão de que ora se recorre considerar que existe uma forte correspondência verbal quanto à qualificação do processo com urgente, na medida em que conferiu ao processo características de urgência (nomeadamente, a não suspensão dos prazos em férias e o carácter urgente aos atos a praticar pelo Juiz).

    5. Todavia, o legislador optou criar um regime de excecionalidade aplicável aos atos praticados pelo Tribunal, nos termos do qual os atos a praticar no procedimento especial de despejo assumem carácter urgente, conforme se refere no n.º 8 do art.º 15.º - S da Lei n.º 6/2006, sem, contudo, criar um regime equivalente para os atos praticados pelas partes, mormente, para o prazo de interposição de recurso. Ora, ao abrigo do disposto nos n.º 2 e 3 do art. 9.º do Código Civil, não pode ser considerada pelo intérprete uma solução que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, presumindo-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

    6. De facto, e como reconhecido na declaração de voto de vencido pela Juiz Desembargadora Anabela Calafate no Acórdão de que ora se recorre, se todo o procedimento especial de despejo tivesse carácter urgente, seria redundante estabelecer nos nº 5 e 8 do art. 15º- S da Lei 6/2006 de 27/02.

    7. Neste sentido, é inequívoco concluir que o legislador pretendeu somente atribuir carácter de urgência a determinados atos, e não ao procedimento especial de despejo no seu todo, motivo pelo qual sempre terá que se entender que o prazo aplicável ao recurso de sentenças proferidas no âmbito de tal procedimento será de 30 dias, e não de apenas 15 dias.

    8. Já no que diz respeito à ratio legis da norma, o Acórdão de que ora se recorre entende que “… nada justifica, nem faria sentido que o processo fosse urgente apenas quanto aos actos do juiz e não para os actos das partes.”. Sucede que a finalidade do procedimento especial de despejo é a viabilização da rápida desocupação do imóvel, motivo pelo qual se encurtam os prazos para prática de atos pelo Tribunal e se evitam eventuais delongas que pudessem advir da existência de dilações ou suspensão do processo durante o período de férias.

      i) Ora, no que ao presente processo diz respeito, o recurso interposto não versa sobre qualquer obstáculo à desocupação do Imóvel – o qual foi entregue a 2 de junho de 2020 – mas sim à apreciação e reconhecimento do direito de crédito da Recorrente (o qual, se fosse exercido em processo autónomo, sempre beneficiaria do prazo de 30 dias).

      j) Neste sentido, ao abrigo do disposto nos arts. 18.º, n.º 2, 19.º, n.º 4, 30.º, n.º 5 e 266.º, n.º 2 da Constituição da República, é inequívoco concluir que a ratio da atribuição de carácter urgente a alguns dos atos a praticar no procedimento especial de despejo não é extensível aos demais atos que ocorram após tal desocupação.

    9. Por fim, no que diz respeito à existência de jurisprudência (divergente) a respeito do tema, cumpre notar que no Acórdão de que ora se recorre, o Tribunal da Relação ...... acaba por desconsiderar demais jurisprudência garantística dos direitos da Recorrente, nomeadamente, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 21.04.2015 e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.11.2016.

      l) Ora, o art. 202.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa confere aos Tribunais a função de assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos e dirimir os conflitos de interesses privados, acentuando, assim, que a tutela efetiva a que se refere o art. 20.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa implica a prevalência da decisão de mérito sobre a decisão baseada no jogo das preclusões processuais. Assim, perante a existência de jurisprudência divergente, o Tribunal da Relação, no âmbito do Acórdão de que ora se recorre deveria ter adotado o entendimento mais garantístico dos direitos da Recorrente.

    10. Em face do supra exposto, é inequívoco concluir que se encontram verificados todos os pressupostos necessários à admissibilidade de interposição de recurso de revista, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 671.º, n.º 1 do CPC, na medida em que: (i) a decisão proferida no Acórdão de que ora se recorre implica para a Recorrente um efeito processual equivalente à extinção da instância, na medida em que rejeita a apreciação do acórdão porque o mesmo, no entender do Tribunal da Relação foi apresentado extemporaneamente; (ii) o valor da ação é de €795.000,00; e (iii) o prejuízo que advém para a Recorrente pela não apreciação do recurso é de, pelo menos €168.079,53.

    11. Por outro lado, ainda que se entendesse que o Acórdão de que ora se recorre é uma decisão interlocutória – o que não se concede, em face do supra exposto no que diz respeito à interpretação do disposto non.º 1 do art. 671.º do CP, veiculada por ABRANTES GERALDES, e por mero dever de patrocínio se equaciona – sempre se teria que considerar que a decisão de rejeição do recurso por extemporaneidade do mesmo se encontra em contradição com o acórdão transitado em julgado proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça a 24.11.2016, e, nestes termos, sempre seria admissível a interposição do presente recurso de revista, nos termos do disposto no art. 671.º, n.º 2, alínea b) do CPC, na medida em que, na ausência de acórdão de uniformização de jurisprudência conforme com o Acórdão de que ora se recorre, o...

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