Acórdão nº 811/21 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução26 de Outubro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 811/2021

Processo n.º 254/2021

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. A. (o ora recorrente) foi condenado, entre outros arguidos, em primeira instância, no âmbito do processo comum para julgamento por tribunal coletivo com o número 11/17.7SULSB, do Juízo Central Criminal de Lisboa, por acórdão de 23/06/2020, na pena de de 4 anos e 6 meses de prisão efetiva, pela prática de um crime de tráfico e mediação de armas, previsto e punido pelo artigo 87.º, nº 1, com referência ao disposto no artigo 86.º, nº 1, alíneas c) e d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro. Mais se decidiu, no mesmo acórdão, julgar procedente a perda ampliada de bens a favor do Estado, requerida pelo Ministério Público, “[…] nos termos do disposto no artigo 7.º, n.os 1 e 2, da Lei n.º 5/2002 de 11 de janeiro, liquidada no valor de €5.463,56, por corresponder ao valor do património incongruente com o rendimento lícito do arguido A., considerando tal valor como vantagem ilícita proveniente da atividade criminosa e, consequentemente, [condenar] o mesmo a pagar ao Estado o mencionado montante global, não se julgando nem declarando, no entanto, o arresto de bens”.

1.1. Desta decisão recorreu o identificado arguido para o Tribunal da Relação de Lisboa. Nas alegações invocou, designadamente, a inconstitucionalidade da “[…] interpretação das normas constantes dos artigos 48.º, 241.º e 263.º do CPP com o sentido segundo o qual, encontrando-se arguidos a serem investigados pela alegada prática do crime de tráfico de armas, num determinado processo, onde estão a ser levadas a cabo diligências de prova – como escutas telefónicas, vigilâncias e seguimentos – o órgão de polícia criminal [poder] à revelia do Ministério Público, com base no resultado desses meios de prova, levar a cabo diligências de prova – como sejam apreensões, revistas e buscas – fora do processo ou/e instaurando outros processos, cujo objeto de investigação e os arguidos são os mesmos” (v. conclusão 13.ª) e da “[…] norma constante da alínea b) do n.º 3, com referência à al. b) do n.º 2 do artigo 177.º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que o ‘consentimento’ para a busca no domicílio do arguido [poder] ser dado apenas por um dos residentes, ainda que suspeito” (v. conclusão 19.ª).

1.1.1. Por acórdão de 06/01/2021, o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento ao recurso.

1.2. Por requerimento de 20/01/2021, o identificado arguido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, tendo em vista um juízo de inconstitucionalidade das normas supra identificadas. No requerimento de interposição do recurso, o recorrente afirmou que “[…] à cautela, suscitará a nulidade do acórdão recorrido devido à eventualidade de se entender que a decisão não se pronunciou exatamente sobre a questão por si suscitada. Independentemente do resultado desse instrumento processual parece-nos ser possível ao tribunal ‘ad quem’ pronunciar-se sobre a suscitada inconstitucionalidade”.

1.2.1. Por requerimento de 20/01/2021, o mesmo arguido suscitou a nulidade do acórdão de 06/01/2021, por omissão de pronúncia, invocando, em síntese, que o tribunal não se pronunciou sobre as questões de inconstitucionalidade identificadas em 1.1., supra.

1.2.2. O recurso para o Tribunal Constitucional foi admitido por despacho de 02/02/2021 do senhor juiz desembargador relator.

1.2.3. Por acórdão de 10/02/2021, o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento à reclamação.

1.2.4. Após a prolação e notificação do acórdão de 10/02/2021, os autos foram remetidos ao Tribunal Constitucional.

1.2.5. No Tribunal Constitucional, o relator proferiu a Decisão Sumária n.º 278/2021, no sentido do não conhecimento do objeto do recurso. Assentou tal decisão nos fundamentos seguintes:

“[…]

Importa assinalar, desde logo, que o recurso é extemporâneo.

Foi interposto logo após a prolação do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06/01/2021, arguindo, simultaneamente, a nulidade da mesma decisão por omissão de pronúncia, ‘à cautela’.

Pretende o Recorrente interpor recurso nos termos do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC. Prevê o n.º 2 do mesmo artigo que tal recurso ‘[…] apenas [cabe] de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização de jurisprudência’ e acrescenta o n.º 3 que ‘são equiparadas a recursos ordinários as reclamações para os presidentes dos tribunais superiores, nos casos de não admissão ou de retenção do recurso’.

Uma vez que, no caso de vir a ser julgada procedente, a arguição de nulidade seria suscetível de contender com a subsistência da decisão recorrida no segmento concernente às interpretações que integram o objeto do presente recurso, deve considerar-se que, no momento em que este foi interposto, o acórdão recorrido não constituía ainda, na ordem dos tribunais comuns, uma decisão definitiva, no sentido pressuposto pelo n.º 2 do artigo 70.º da LTC, o que torna o recurso legalmente inadmissível (cf. Acórdãos n.os 534/2004, 24/2006, 286/2008, 331/2008, 377/2011, 117/2012, 426/2013, 620/2014, 622/2017). Ou seja, perante os desenvolvimentos processuais supra descritos, é por demais evidente que, no momento em que foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, a decisão recorrida (ou seja, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06/01/2021) não era definitiva, pois foi (atempadamente) arguida a sua nulidade. É igualmente notório, perante aqueles desenvolvimentos, que, também no momento em que o recurso para o Tribunal Constitucional foi admitido (02/02/2021), a decisão recorrida não era definitiva.

O Tribunal Constitucional produziu jurisprudência constante no sentido de o momento relevante para aferição dos pressupostos de admissibilidade dos recursos de constitucionalidade ser o correspondente à data da respetiva interposição. Veja-se, a este propósito, o Acórdão n.º 735/2014:

‘[…]

De facto, a interpretação do regime plasmado no artigo 70.º, n.os 2 e 3 e 4, da LTC, quanto ao requisito de esgotamento dos meios impugnatórios ordinários, deve ser teleologicamente orientada, tendo em conta o fim que tal regime pretende alcançar, ou seja, a restrição de acesso ao Tribunal Constitucional, limitando-o apenas às pretensões que já tenham sido analisadas pela hierarquia judicial correspondente. Assegura-se, deste modo, que apenas a decisão definitiva, a última pronúncia, dentro da ordem jurisdicional a que pertence o tribunal a quo, pode justificar a abertura da via do recurso de constitucionalidade, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, da LTC.

[…]

Saliente-se, a este propósito, que a existência dos pressupostos de admissibilidade do recurso deve ser aferida à data da respetiva interposição, não sendo admissível, nem justo, que os requerimentos de interposição de recurso sejam distinguidos em função de uma álea quanto ao tempo de resolução das pretensões deduzidas pelos recorrentes. Dito de outro modo, não seria justo nem minimamente fundado se, existindo, por hipótese, dois recorrentes, que, simultaneamente à apresentação dos respetivos requerimentos de interposição de recurso de constitucionalidade, tivessem apresentado dois incidentes pós-decisórios junto do tribunal a quo, os mesmos vissem os seus requerimentos de interposição de recurso ser alvo de tratamento diferenciado pelo Tribunal, em função da maior ou menor dilação na prolação da decisão dos incidentes pós-decisórios apresentados por cada um deles, em idênticas circunstâncias.

Pelo exposto, conclui-se que o Tribunal Constitucional deve apreciar os pressupostos de admissibilidade dos recursos, com referência à data da respetiva interposição – excetuados os casos em que ocorrência processual superveniente torne a apreciação inútil – e não fazer depender tal admissibilidade de circunstâncias processuais alheias aos recorrentes, como o momento em que o despacho de admissão do recurso é proferido pelo tribunal a quo ou o momento em que o processo é efetivamente enviado para o Tribunal Constitucional, tudo, de resto, em obediência a um princípio de igualdade de tratamento.

Assim, é indiferente, para efeito da admissibilidade do recurso, se um determinado incidente pós-decisório é considerado ou não procedente pelo tribunal a quo, após tal interposição.

[…]’ (sublinhado acrescentado).

Refere-se, ainda, no Acórdão n.º 378/2016, seguindo o entendimento de muitos outros:

“[…]

Na mesma linha argumentativa, enfatizamos que é igualmente indiferente, para efeito da admissibilidade do recurso, o momento da prolação ou o sentido decisório do despacho do tribunal a quo previsto no artigo 76.º, n.º 1, da LTC.

É que tal despacho – como reconhecem os reclamantes – consabidamente não vincula o Tribunal Constitucional, nem deve, por identidade de razão, condicionar o mesmo no exercício da sua competência de apreciação definitiva dos pressupostos de admissibilidade dos recursos de constitucionalidade.

Nestes termos, a decisão de não admitir um recurso, previamente admitido pelo tribunal a quo, não frustra qualquer expetativa do recorrente, que seja digna de tutela constitucional, ao abrigo do princípio da confiança.

A circunstância de o despacho, previsto no artigo 76.º, n.º 1, da LTC, ser notificado ao recorrente no mesmo momento em que ocorre a notificação da decisão, que confere definitividade à decisão recorrida, não altera a ponderação exposta, exatamente por força do princípio da igualdade de tratamento.

Na verdade, a situação não é substancialmente diferente daqueles casos em que o...

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