Acórdão nº 430/22 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução09 de Junho de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 430/2022

Processo n.º 359/2022

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foram interpostos os presentes recursos, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), dos acórdãos daquele Tribunal, de 26 de outubro de 2021 e 15 de fevereiro de 2022.

2. Pela Decisão Sumária n.º 315/2022, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«5. Vejamos, em primeiro lugar, o recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26 de outubro de 2021, o qual julgou improcedente reclamação apresentada contra despacho da relatora nesse Tribunal que indeferiu o pedido formulado pelo arguido para ser ouvido em audiência sobre a matéria relativa às suas condições pessoais e económicas atuais.

O recurso em apreço funda-se na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC e tem por objeto a apreciação de duas normas extraídas dos «artigos 61.°, n.° 1, alínea b) e alínea g), 340.°, 410.°, n.° 1, 412.°, n.° 3, 4 e 6 e 428.°, todos do CPP». A primeira tem o seguinte teor: «em recurso perante a Relação, não é admissível a produção de prova e a audição do arguido sobre a situação actual do mesmo com vista à decisão sobre a medida e suspensão da pena»; e a segunda o seguinte teor: «em recurso perante a Relação, não é admissível a produção de prova e a audição de arguido sobre a situação actual do mesmo quando julgado na ausência com vista à decisão sobre a medida e suspensão da pena». Outra norma, extraída dos artigos 428.º, 430.º e 431.º do Código de Processo Penal e dos artigos 40.º e 50.º, do Código Penal, determina que «em sede de recurso perante o Tribunal da Relação não tem de apreciar a situação atual do arguido para efeitos da decisão sobre a pena (incluindo a suspensão da mesma)».

Do artigo 70.º, n.º 2, da LTC, decorre que o recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 cabe apenas de decisões que não admitam recurso ordinário. É de entender que a exigência de definitividade da decisão recorrida – entendida como a insusceptibilidade de poder ainda vir a ser modificada – impõe que não possa ser interposto recurso de constitucionalidade de decisão relativamente à qual seja suscitado incidente pós-decisório, pelo menos na medida em que o julgamento de tal incidente possa vir a repercutir-se no objeto do recurso de constitucionalidade.

Ora, tendo sido arguida a nulidade insanável do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26 de outubro de 2021 – com repercussão direta sobre as questões de constitucionalidade normativa suscitadas – e tendo sido interposto recurso de constitucionalidade do mesmo acórdão no decurso do mesmo prazo, ou seja, antes de o incidente pós-decisório ter sido julgado, deve considerar-se que, por ação do recorrente, a decisão recorrida não consubstanciava uma decisão definitiva – no sentido relevante para efeitos do pressuposto processual estabelecido no artigo 70.º, n.º 2, da LTC –, na ordem jurisdicional respetiva. Isto porque, caso fosse reconhecida razão ao recorrente no incidente de nulidade, sempre tal se repercutiria sobre o sentido e conteúdo do acórdão recorrido, no que às questões de constitucionalidade suscitadas dizia respeito. É este o entendimento tradicional e dominante na jurisprudência constitucional (v. os Acórdãos n.os 534/2004, 24/2006, 286/2008, 331/2008, 377/2011, 117/2012, 426/2013, 620/2014 e 622/2017), ainda que não unânime (v. o Acórdão n.º 329/2015), não se vislumbrando razões para dissentir de tal orientação jurisprudencial.

A propósito desta questão, escreveu-se no Acórdão n.º 734/2014:

«A existência dos pressupostos de admissibilidade do recurso deve ser aferida à data da respetiva interposição, não sendo admissível, nem justo, que os requerimentos de interposição de recurso sejam distinguidos em função de uma álea quanto ao tempo de resolução das pretensões deduzidas pelos recorrentes. Dito de outro modo, não seria justo nem minimamente fundado se, existindo, por hipótese, dois recorrentes, que, simultaneamente à apresentação dos respetivos requerimentos de interposição de recurso de constitucionalidade, tivessem apresentado dois incidentes pós-decisórios junto do tribunal a quo, os mesmos vissem os seus requerimentos de interposição de recurso ser alvo de tratamento diferenciado pelo Tribunal, em função da maior ou menor dilação na prolação da decisão dos incidentes pós-decisórios apresentados por cada um deles, em idênticas circunstâncias.

Pelo exposto, conclui-se que o Tribunal Constitucional deve apreciar os pressupostos de admissibilidade dos recursos, com referência à data da respetiva interposição – excetuados os casos em que ocorrência processual superveniente torne a apreciação inútil – e não fazer depender tal admissibilidade de circunstâncias processuais alheias aos recorrentes, como o momento em que o despacho de admissão do recurso é proferido pelo tribunal a quo ou o momento em que o processo é efetivamente enviado para o Tribunal Constitucional, tudo, de resto, em obediência a um princípio de igualdade de tratamento.

Assim, é indiferente, para efeito da admissibilidade do recurso, se um determinado incidente pós-decisório é considerado ou não procedente pelo tribunal a quo, após tal interposição.»

É esta jurisprudência que aqui importa reiterar, o que permite concluir que, em virtude da dedução do incidente de reclamação, o recurso de constitucionalidade incidia sobre decisão não definitiva, na aceção do artigo 70.º, n.º 2, da LTC, não podendo ser admitido.

É certo que, aquando da interposição do segundo recurso de constitucionalidade, agora incidente sobre o acórdão de 15 de fevereiro de 2022, o recorrente declarou reiterar o interesse no primeiro recurso. Porém, tal reiteração não pode valer como renovação do acto de interposição desse recurso, na medida em que, nessa ocasião, o prazo de dez dias para a sua interposição se encontrava há muito esgotado.

Como tal, não pode admitir-se o recurso de constitucionalidade incidente sobre o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26 de outubro de 2021.

6. Considera-se agora o recurso de constitucionalidade que incide sobre o acórdão de 15 de fevereiro de 2022, que julgou o mérito do recurso interposto da decisão condenatória proferida pelo Tribunal de 1.ª instância.

O recorrente pretende a apreciação da constitucionalidade das seguintes normas:

a) A norma extraída interpretativamente dos artigos 410.º, n.º 1, 412.º, n.os 3, 4 e 6, 428.º, 340.º e 61.º, n.º 1, alíneas b) e g), todos do Código de Processo Penal, segundo a qual não é admissível no recurso perante a Relação a produção de prova sobre a situação atual do arguido com vista à decisão sobre a medida e suspensão da pena.

b) A norma extraída interpretativamente dos artigos 410.º, n.º 1, 412.º, n.os 3, 4 e 6, 428.º, 340.º e 61.º, n.º 1, alíneas b) e g), todos do Código de Processo Penal, segundo a qual não é admissível no recurso perante a Relação a audição do arguido sobre a sua situação atual do arguido com vista à decisão sobre a medida e suspensão da pena.

c) A norma extraída interpretativamente dos artigos 410.º, n.º 1, 412.º, n.os 3, 4 e 6, 428.º, 340.º e 61.º, n.º 1, alíneas b) e g), todos do Código de Processo Penal, segundo a qual não é admissível no recurso perante a Relação a produção de prova sobre a situação atual do arguido julgado na ausência com vista à decisão sobre a medida e suspensão da pena.

d) A norma extraída interpretativamente dos artigos 410.º, n.º 1, 412.º, n.os 3, 4 e 6, 428.º, 340.º e 61.º, n.º 1, alíneas b) e g), todos do Código de Processo Penal, segundo a qual não é admissível no recurso perante a Relação a audição do arguido sobre a sua situação atual do arguido julgado na ausência com vista à decisão sobre a medida e suspensão da pena.

e) A norma extraída interpretativamente dos artigos 428.º, 430.º e 431.º do Código de Processo Penal e 40.º e 50.º do Código Penal, segundo a qual em sede de recurso perante o Tribunal da Relação este não tem de apreciar a situação atual do arguido para efeitos da decisão sobre a pena (incluindo a suspensão da mesma).

7. Constitui requisito do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente.

No caso vertente, é manifesto que tal requisito não se mostra preenchido quanto às normas enunciadas nas alíneas a) a d).

Com efeito, todas essas normas são extraídas do mesmo arco legal, tendo como elemento central e comum a questão da possibilidade de produção de prova perante o Tribunal da Relação quando funciona como tribunal de recurso, designadamente a audição do arguido, com vista à apreciação da parte do recurso que incide sobre a determinação da pena, em particular a sua medida concreta e eventual suspensão de execução.

Porém, no acórdão de 15 de fevereiro de 2022, o Tribunal da Relação de Lisboa não apreciou nenhuma norma relativa à possibilidade de produção de tal prova em audiência de julgamento do recurso, pois tal matéria já havia sido definitivamente decidida no acórdão de 26 de outubro de 2021, que sobre ela especificamente incidira.

Ora, uma vez que, pelos motivos apontados, o Tribunal a quo não apreciou a questão, é de concluir que não aplicou na decisão recorrida qualquer norma extraível dos citados preceitos legais, nomeadamente aquelas que o recorrente pretendia controverter no plano da...

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