Acórdão nº 105/17.9T9CMN-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Setembro de 2021

Data27 Setembro 2021

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I - Relatório 1. Em processo comum (singular) com o nº 105/17.9T9CMN a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo – Juízo de Competência Genérica de Caminha, no dia 09/02/2021 foi proferido despacho de saneamento do processo, ao abrigo do disposto no art. 311º do CPP, que não admitiu o pedido cível de indemnização deduzido pela lesada, C. S., do seguinte teor (transcrição parcial): “Do pedido de indemnização civil: C. S. deduziu pedido de indemnização civil contra a arguida, alegando, em súmula, que as obras que esta realizou e que concluiu, em desacordo com o licenciado, após e não obstante o seu embargo total, agravam as condições de salubridade e segurança do seu imóvel, descrito no artigo 54º e obstaculizam à iluminação, arejamento e insolação, quer do seu prédio, quer do prédio da demandada, tendo igualmente reduzido o valor do prédio urbano de que a demandante é proprietária, e bem assim tendo lesado a sua saúde física e psíquica., pela forma que concretizou. Concluiu, peticionando o ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais, que quantificou.

O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo (cf. artigo 71º do Código de Processo Penal).

De acordo com o artigo 74º nº 1 do Código de Processo Penal, o pedido de indemnização civil é deduzido pelo lesado, entendendo-se como tal a pessoa que sofreu danos ocasionados pelo crime.

Nos termos do artº 129º do Código Penal, a indemnização por perdas e danos é regulada nos termos da lei civil, remetendo, pois, para os artºs 483º e 562º do Código Civil.

É sabido que a ilicitude civil, pode revestir, à luz do artigo 483º nº 1 do Código Civil, uma de duas modalidades: a) – a violação do direito de outrem, abrangendo esta forma de ilicitude, os direitos subjetivos absolutos, definindo-se estes “…como o poder jurídico (reconhecido pela ordem jurídica a uma pessoa) de livremente exigir ou pretender de outrem um comportamento positivo (acção) ou negativo (omissão) ou de por um acto de livre vontade, só de per si ou integrado por um acto de uma autoridade pública, produzir determinados efeitos jurídicos que inevitavelmente se impõem a outra pessoa (contraparte ou adversário).” (cf. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição Actualizada, Coimbra Editora, pág. 169, sombreado nosso); b)- a violação de norma destinada a proteger interesses alheios ou disposição legal de proteção, tratando-se, nesta modalidade, da infração “…das leis que, embora protejam interesses particulares, não conferem aos respectivos titulares um direito subjectivo a essa tutela (1); e de leis que, tendo também ou até principalmente a protecção de interesses colectivos, não deixam de atender aos interesses particulares subjacentes (de indivíduos ou de classes ou grupos de pessoas)”, aqui se integrando, desde logo, as normas penais que tutelam interesses particulares ou valores “como a vida, a integridade física, a honra, a saúde, a liberdade, a autenticidade dos documentos e das assinaturas”, as que protegem “interesses particulares, mas sem conceder ao respectivo titular um direito subjectivo, só porque um outro interesse particular mais forte se lhe sobrepõe”, e, por fim, as normas de direito económico, administrativo, fiscal ou contra-ordenacional sempre que visem “proteger interesses dos particulares, sem lhes conferir um verdadeiro direito subjectivo” (cfr. A. Varela, Das Obrigações Em Geral, Almedina 2ª Edição, Vol. I, pág. 414 a 416), Sendo que, nos casos deste segundo tipo de ilicitude, para que o lesado tenha direito à indemnização, torna-se necessário que: a) – à lesão dos interesses do particular corresponda a violação de uma norma legal, compreendendo-se nesta expressão, em termos amplos, à luz do preceituado no artigo 1º, nº 2, do C.C., todas as disposições genéricas provindas dos órgãos estaduais competentes; b) – a tutela dos interesses particulares figure, de facto, entre os fins da norma violada, isto é, que não seja por simples reflexo da tutela de interesses gerais indiscriminados que a respetiva proteção ocorre; e, por último; c) – o dano se tenha registado no círculo de interesses privados que a lei visa tutelar, ou seja, que se produza no próprio bem jurídico ou interesse privado que a lei protege.

Ora, no caso concreto, a arguida está acusada pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348º, nº 1, alínea b) do Código Penal, por referência ao artigo 107º, n.º 1 do Regime da Edificação e Urbanização aprovado pelo DL 555/99, de 16.12.

No crime de desobediência, o interesse protegido é a autonomia funcional do Estado, o interesse público do Estado em que as autoridades ou os seus agentes sejam obedecidos nos seus mandatos legítimos.

Assim sendo, não se trata de uma norma penal que tutele interesses particulares ou valores “como a vida, a integridade física, a honra, a saúde, a liberdade, a autenticidade dos documentos e das assinaturas”.

Impõe-se, pois, concluir que inexiste ab initio um pressuposto para a procedência do pedido de indemnização civil formulado, sendo forçoso concluir que, por tal motivo, de acordo com o artigo 74º nº 1 do Código de Processo Civil, não é legalmente...

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