Acórdão nº 500/21 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução09 de Julho de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 500/2021

Processo n.º 353/2021

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e recorridos o Ministério Público e Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante, «LTC»), dos acórdãos proferidos por aquele Tribunal, em 12 de fevereiro e 6 de abril de 2021.

2. O ora recorrente impugnou junto do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão a decisão proferida pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (doravante «CMVM») que, no âmbito do processo de contraordenação n.º 33/2014, lhe aplicou: (i) pela prática de uma contraordenação prevista no artigo 389.º, n.º 1, alínea a), do Código dos Valores Mobiliários (doravante «CdVM»), com fundamento na violação, a título doloso, do dever de divulgação de informação com qualidade, previsto no artigo 7.º do CdVM, relativamente à informação divulgada no relatório e contas consolidadas relativo ao ano de 2012, a coima de €475.000,00 (quatrocentos e setenta e cinco mil euros); (ii) pela prática de uma contraordenação prevista no artigo 389.º, n.º 1, alínea a), do CdVM, com fundamento na violação, a título doloso, do dever de divulgação de informação com qualidade, previsto no artigo 7.º do CdVM, em relação à informação divulgada no relatório de governo societário de 2012, na coima de €275.000,00 (duzentos e setenta e cinco mil euros); e (iii) em cúmulo jurídico, a coima única de €600.000,00 (seiscentos mil euros).

2.1. Tendo o recurso sido julgado apenas parcialmente procedente, o recorrente foi condenado: (i) na coima de €250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), pela violação, a título doloso, do dever de divulgação de informação com qualidade, previsto e punido pelos artigos 7.º, 389.º, n.º 1, alínea a) e 388.º, n.º 1, alínea a), todos do CdVM, relativamente à informação divulgada no relatório e contas consolidadas relativo ao ano de 2012; (ii) na coima de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), pela violação, a título doloso, do dever de divulgação de informação com qualidade, previsto e punido pelos artigos 7.º, 389.º, n.º 1, alínea a) e 388.º, n.º 1, alínea a), todos do CdVM, em relação à informação divulgada no relatório de governo societário de 2012; e (iii) em cúmulo jurídico, na coima única de € 310.000,00 (trezentos e dez mil euros).

2.2. Inconformado, o recorrente interpôs recurso desta sentença para o Tribunal da Relação de Lisboa.

2.3. O recurso foi admitido pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão que, por despacho datado de 10 de agosto de 2020, atribuiu aos autos natureza urgente.

2.4. Por acórdão prolatado em 12 de fevereiro de 2021, o Tribunal da Relação julgou o recurso totalmente improcedente.

2.5. Na sequência da prolação do referido aresto, o ora recorrente apresentou perante o Tribunal da Relação requerimento, peticionando, entre o mais, que fosse decretada a prescrição do procedimento contraordenacional com o consequente arquivamento dos autos.

2.6. Por acórdão prolatado em 6 de abril de 2021, o Tribunal da Relação de Lisboa julgou tal pretensão improcedente.

3. O recorrente interpôs, então, recurso para este Tribunal de ambos os acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Lisboa, através de requerimento com o seguinte teor:

«A., vem interpor RECURSO para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, no que se refere ao Acórdão prolatado a 12.02.2021, bem como o proferido a 06.04.2021, os quais aplicaram normas jurídicas que o recorrente tem por materialmente inconstitucionais, recurso que é oferecido conjuntamente vista a homogeneidade substancial da matéria em causa, na parte em que tais arestos decidiram sobre normas jurídicas relativas aos tema da suspensão do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional, cuja desconformidade com a Lei Fundamental foi suscitada tempestivamente, o que faz, estando em prazo, nos termos e com os fundamentos seguintes:

Contexto

1. Em motivação de recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa, o ora recorrente configurou, como temas de inconstitucionalidade material duas questões: (i) uma atinente à configuração típica das normas que estatuem o ilícito contraordenacional e à medida da coima (ii) outra, o respeitante ao tema da prescrição do procedimento contraordenacional.

Foi esta a configuração que o recorrente colocou à decisão do Tribunal da Relação, como se extrai das conclusões da motivação do recurso:

Quanto ao primeiro tema [conclusão 5ª, desenvolvida nas conclusões 6ª e 7ª]:

5.ª Como foi prevenido na impugnação «o complexo normativo formado pelos artigos 7º, 388º, n.º 1, a) e 389º, n.º 1, c) do Código de Valores Mobiliários, ao prever que «a prestação de informação à CMVM que não seja completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita ou a omissão dessa prestação gera uma contraordenação muito grave, punível com coima que pode atingir os cinco milhões de euros, é materialmente inconstitucional por violação dos artigos 29º e 18º da Constituição, ao ofender o princípio da tipicidade e da proporcionalidade das sanções.»

Quanto ao segundo tema [conclusão 4ª]:

4.ª O conjunto normativo formado pela Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, com a redação conferida pelo artigo 2º e 6º, n.º 2 da Lei n.º 4-A/2020, de 06.04 e artigos 8º e 10º da Lei n.º 16/2020, de 29.05 quando determina a aplicação aos processos pendentes da suspensão do prazo substantivo de prescrição do procedimento contraordenacional neles prevista é materialmente inconstitucional, por violação do artigo 29º, n.º 1 e 4 da Constituição.

2. Por acórdão proferido a 12.02.2021 foram desatendidas as questões suscitadas e decretada a vigência, aplicação e conformidade constitucional das normas contraordenacionais postas em crise, tanto na vertente da configuração típica do ilícito de mera ordenação social, como ainda no que se refere à suspensão do decurso do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional.

3. Ante o mencionado acórdão, o ora recorrente suscitou a nulidade do mesmo, o que foi desatendido, mediante acórdão proferido a 26.03.2021.

4. Dado que o acórdão referido, firmado a 12.02.2021, ao decidir sobre um dos temas que lhe foi colocado, consignara como data de prescrição do procedimento contraordenacional aplicável a estes autos, o dia 17 de março do corrente, o ora requerente, por requerimento levado aos autos a 25.03.2021, reiterou um dos temas que havia concitado e sobre o qual ocorrera tomada de posição parcial por parte do Tribunal da Relação, o da prescrição do procedimento contraordenacional.

Tomada de posição parcial porquanto no mencionado aresto ficara consignada, sim, como se disse, como data de prescrição o dia 17 de março do corrente, nada tendo ficado determinado com força de caso julgado no que se refere à valia e conformidade constitucional

das normas atinentes à suspensão da contagem do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional.

Antes o aresto em causa consignou o seguinte [na sua página 163] em relação à específica questão suscitada pelo ora recorrente [n.º 100, itálico nosso]:

Questão 8: O conjunto normativo formado pela Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, com a redação conferida pelos artigos 2.º e 6.º, n.º 2 da Lei n.º 4-A/2020, de 06.04, e artigos 8.º e 10.º da Lei n.º 16/2020, de 29.05, quando determina a aplicação aos processos pendentes da suspensão do prazo substantivo de prescrição do procedimento contraordenacional neles prevista é materialmente inconstitucional, por violação do artigo 29.º, n.ºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa?

100. A resposta à questão anterior torna ociosa e inútil, neste tempo e sede, logo proscrita, a busca de resposta à presente, pelo que não se procederá à sua análise.

5. Foi então esta a configuração que o recorrente deu neste requerimento ao tema em apreço o da prescrição do procedimento contraordenacional:

5. O artigo 7º, números 3 e 4 da Lei n.º 1-A/2020, de 19 e Março, o artigo 6º, n.º 2 da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril e os artigos 8.º e 10.º da Lei n.º 16/2020, de 29.05, quando em concatenação normativa com os artigos 29º do Código Penal e artigo 5º, n.º 2, a) do CPP, estes por remissão do estatuído nos artigos 32º e 41º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, quando determinem a suspensão do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional relativo a anteriores à sua vigência e com isso determinarem a aplicação em modo retroativo de lei mais gravosa para o agente do ilícito a quem são imputados atos antecedentes à sua entrada em vigor, são materialmente inconstitucionais [artigo 29º, números 1, 3 e 4], o que desde já se previne.

6. São igualmente inconstitucionais os referidos preceitos quando configurados em aplicação conjunta com o artigo 3º, n.º 3 do Código Penal, permitindo a retroatividade da lei pretérita que suspenda o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional relativo a factos anteriores à sua entrada em vigor.

7. Os referidos preceitos, ao determinarem a suspensão do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional relativo a um processo que continua a correr seus termos e relativamente a cujos prazos os arguidos continuam adstritos, como se denota pela tramitação dos presentes autor, gera uma situação de desigualdade, em favor da pretensão punitiva do Estado e contra o direito dos arguidos, o que fere essas normas jurídicas de inconstitucionalidade material, agora nos termos do artigo 13º, n.º 1 da Lei Fundamental, o que igualmente fica prevenido.

6. Ante tal requerimento, foi, enfim, proferido a 06.04.2021, acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa...

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