Acórdão nº 31/20.4IDVRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelFLORBELA SEBASTIÃO E SILVA
Data da Resolução15 de Dezembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.

No âmbito da Instrução que corre termos pelo Juízo Local Criminal ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., sob o nº 31/20...., requerida a instrução, foi proferida decisão instrutória em 15-06-2022, com a refª ...68, relativamente aos arguidos S..., Lda.

e AA, do qual ora se recorre, nos seguintes termos: “DECISÃO INSTRUTÓRIA O Ministério Público deduziu acusação contra S..., Lda., pessoa coletiva n.º ..., constituída sob a forma de sociedade por quotas em 22/11/2013, com sede na Rua ..., em ..., concelho ..., e com morada para efeitos de notificação na Rua ..., ... ... e AA, nascido em .../.../1966, natural da freguesia ..., concelho ..., filho de AA e de BB, casado, empresário e residente na Rua ..., ..., ..., imputando-lhes, respectivamente, a prática de um crime de fraude fiscal, p. e p. pelos artigos 7.º, n.º 1, e 103.º, n.º 1, alíneas a) e b), n.º 2 e n.º 3, do RGIT e 11.º, n.º 1, 14.º, n.º 1, e 26.º, do Código Penal e, em relação ao arguido pessoa singular, p. e p. pelos artigos 7.º, n.º 3, e 103.º, n.º 1 alíneas a) e b), n.º 2 e n.º 3, do RGIT e 11.º, n.º 7, 14.º, n.º 1, e 26.º, do Código Penal.

*Os arguidos, inconformados com a acusação deduzida, requereram a abertura da instrução, tendo, em suma, negado a prática dos factos, no que diz respeito ao elemento subjectivo típico do crime de fraude fiscal. Sustentaram, assim, que a não entrega das quantias descritas na acusação se deveu a um erro de parametrização informático, não tendo havido da parte quer do arguido, quer da sociedade arguida qualquer vontade de se locupletarem em prejuízo do Estado. Por fim, subsidiariamente, peticionaram a aplicação do instituto da suspensão provisória do processo. A título preliminar, os arguidos invocaram a prescrição do presente procedimento criminal.

*Declarada aberta a instrução, foram realizados os actos instrutórios requeridos e, por fim, o competente debate instrutório, o qual viria a decorrer com observância estrita das formalidades legais.

*O Tribunal é competente.

  1. Da invocada prescrição do presente procedimento criminal Como defendido por Figueiredo Dias in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 1993, p. 699, “a prescrição justifica-se, desde logo, por razões de natureza jurídico-penal substantiva. É óbvio que o mero decurso do tempo sobre a prática de um facto não constitui motivo para que tudo se passe como se ele não houvesse ocorrido; considera-se, porém, que uma tal circunstância é, sob certas condições, razão bastante para que o direito penal se abstenha de intervir ou de efectivar a sua reacção. Por um lado, a censura comunitária traduzida no juízo de culpa esbate-se, se não chega mesmo a desaparecer. Por outro lado, e com maior importância, as exigências de prevenção especial, porventura muito fortes logo a seguir ao cometimento do facto, tornam-se progressivamente sem sentido e podem mesmo falhar completamente os seus objectivos (…). Finalmente e sobretudo, o instituto da prescrição justifica-se do ponto de vista da prevenção geral positiva: o decurso de um largo período sobre a prática de um crime ou sobre o decretamento de uma sanção não executada faz com que possa falar-se de uma estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, já apaziguadas ou definitivamente frustradas”.

    No caso dos autos, os arguidos vêm acusados da prática de um crime de fraude fiscal, p. e p. pelos artigos 7.º, n.º 1, e 103.º, n.º 1, alíneas a) e b), n.º 2 e n.º 3, do Regime Geral das Infracções Tributárias e 11.º, n.º 1, 14.º, n.º 1, e 26.º, do Código Penal.

    Nos termos das disposições aplicáveis, o crime imputado aos arguidos é punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias Determina o artigo 21.º do Regime Geral das Infracções Tributárias que o procedimento criminal por crime tributário extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a sua prática sejam decorridos cinco anos.

    Determina o n.º 2 do referido preceito legal que o disposto no número anterior não prejudica os prazos de prescrição estabelecidos no Código Penal quando o limite máximo da pena de prisão for igual ou superior a cinco anos, o que não é o caso dos autos.

    Segundo o n.º 4 do referido artigo 21.º, o prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos no Código Penal, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º e no artigo 47.º.

    Determina o artigo 119.º do Código Penal, quanto ao início da contagem do prazo de prescrição, o seguinte: “1 - O prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado.

    2 - O prazo de prescrição só corre: a) Nos crimes permanentes, desde o dia em que cessar a consumação; b) Nos crimes continuados e nos crimes habituais, desde o dia da prática do último acto; c) Nos crimes não consumados, desde o dia do último acto de execução.

    3 - No caso de cumplicidade atende-se sempre, para efeitos deste artigo, ao facto do autor.

    4 - Quando for relevante a verificação de resultado não compreendido no tipo de crime, o prazo de prescrição só corre a partir do dia em que aquele resultado se verificar.”.

    No caso dos autos, importa notar que o período contributivo em crise na acusação pública deduzida reporta-se ao primeiro trimestre de 2016 (2016.03T), sendo que é descrito na acusação que a sociedade arguida procedeu à entrega da competente declaração periódica à Autoridade Tributária e Aduaneira no dia 13/05/2016, isto é, dentro do prazo legal previsto no artigo 41.º, n.º 1, alínea b) do Código do IVA.

    Isto significa que, nos termos do artigo 27.º, n.º 1, alínea b) do Código do IVA, era obrigação da sociedade arguida proceder à entrega, na qualidade de sujeito passivo de IVA, do montante de imposto exigível até ao 20.º dia do 2.º mês seguinte ao trimestre do ano civil a que respeitam as operações, isto é, in casu, até ao dia 20/05/2016.

    Salvo melhor entendimento, estando o arguido acusado de, com o propósito concretizado de fazer com que a sociedade arguida não pagasse ao Estado no âmbito das prestações tributárias devidas em sede de IVA 28.407,33EUR (vinte e oito mil, quatrocentos e sete euros e trinta e três cêntimos), relativamente ao primeiro trimestre de 2016, tendo para o efeito omitido valores e alterado outros que deviam constar das declarações apresentadas à ATA, de forma a obter para a sociedade arguida uma vantagem patrimonial de valor correspondente a 28.351,26EUR (vinte e oito mil, trezentos e cinquenta e um euros e vinte e seis cêntimos), deve ser entendido que o crime imputado aos arguidos consumou-se no dia 20 de Maio de 2016, data limite para a entrega das quantias devidas à Autoridade Tributária a título de IVA e que alegadamente a sociedade arguida se apropriou ilicitamente.

    Constata-se, assim, que o prazo de prescrição de 5 anos, supra referido, iniciou a sua contagem no dia 21-05-2016, pelo que, na ausência de qualquer causa suspensiva e/ou interruptiva, atingiu o seu máximo no dia 21-05-2021.

    Sucede que, nos termos do artigo 121.º do Código Penal, “1 - A prescrição do procedimento criminal interrompe-se: a) Com a constituição de arguido; b) Com a notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, com a notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou com a notificação do requerimento para aplicação da sanção em processo sumaríssimo; c) Com a declaração de contumácia; d) Com a notificação do despacho que designa dia para audiência na ausência do arguido.

    2 - Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.

    3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 118.º, a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade. Quando, por força de disposição especial, o prazo de prescrição for inferior a dois anos o limite máximo da prescrição corresponde ao dobro desse prazo.”.

    Nos termos do artigo 120.º do Código Penal, “1 - A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que: a) O procedimento criminal não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal ou de sentença a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal; b) O procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, a partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo; c) Vigorar a declaração de contumácia; ou d) A sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência; e) A sentença condenatória, após notificação ao arguido, não transitar em julgado; f) O delinquente cumprir no estrangeiro pena ou medida de segurança privativas da liberdade.

    2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior a suspensão não pode ultrapassar 3 anos.

    3 - No caso previsto na alínea c) do n.º 1 a suspensão não pode ultrapassar o prazo normal de prescrição.

    4 - No caso previsto na alínea e) do n.º 1 a suspensão não pode ultrapassar 5 anos, elevando-se para 10 anos no caso de ter sido declarada a excecional complexidade do processo.

    5 - Os prazos a que alude o número anterior são elevados para o dobro se tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional.

    6 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão.” No caso dos autos, verifica-se que os arguidos apenas foram constituídos nessa qualidade no dia 17 de Junho de 2021 (cfr. fls.198 e seguintes), isto é, já após o decurso do prazo máximo de prescrição de 5 anos supra referido.

    A tudo isto acresce que não se verificam in casu quaisquer causas suspensivas e/ou interruptivas previstas nos artigos supra...

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