Acórdão nº 390/21 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução07 de Junho de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 390/2021

Processo n.º 20/2021

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorridos o Ministério Público e outros, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), dos acórdãos daquele Tribunal, de 29 de outubro de 2020 e de 26 de novembro de 2020.

2. Pela Decisão Sumária n.º 142/2021, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objecto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«5. Atento o teor do requerimento de interposição do recurso, a decisão recorrida é o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 21 de dezembro de 2017, que aprecia a arguição de nulidade oposta ao acórdão de 12 de setembro de 2017, onde se conheceu do mérito do recurso interposto do acórdão condenatório proferido pelo tribunal de 1.ª instância.

O recorrente pretende a apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, «no sentido de permitir a fixação da medida concreta da pena além do necessário para realização das necessidades de prevenção especial positiva que se verificam in casu, pois para esse efeito parece ter considerado apenas, a necessidade de dissuasão do próprio delinquente (prevenção especial negativa) e as diversas condenações anteriores, sem justificar se tal circunstância denota uma grande necessidade de ressocialização, ou, se inversamente demonstra a impossibilidade de “educar’ o ora Recorrente para o cumprimento das normas penais» e «como permitindo a fixação da pena acima da gravidade do mal causado pelo crime».

Constitui requisito do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente.

No caso vertente, é manifesto que tal requisito não se encontra preenchido.

No acórdão de 21 de dezembro de 2017, o Tribunal da Relação de Évora não aplicou qualquer norma extraída do artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, como fundamento da decisão. Com efeito, no acórdão recorrido aprecia-se a existência ou não das invocadas nulidades do acórdão de 12 de setembro de 2017, aplicando-se apenas normas atinentes a vícios processuais.

É certo que aí se revisitou a questão dos critérios de determinação da medida concreta da pena, designadamente transcrevendo-se parte da fundamentação aduzida no anterior aresto. Porém, tal não implica que tenham sido novamente aplicadas as normas aí invocadas, nomeadamente a do artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal; a transcrição serviu apenas para fazer a demonstração de que a nulidade não existia, designadamente que se não verificava qualquer contradição entre os considerados antecedentes criminais do arguido e o juízo de prognose que esteve subjacente à escolha de uma pena de prisão efetiva.

A não aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma ou normas cuja constitucionalidade é questionada pela recorrente, obsta ao conhecimento do objeto do recurso, justificando a prolação da presente decisão sumária, segundo o previsto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.

6. Sem prejuízo do que se disse, cumpre assinalar que outra razão determinaria idêntico desfecho.

Segundo o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º, da Constituição, e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, «identificando-se assim, o conceito de norma jurídica como elemento definidor do objeto do recurso de constitucionalidade, pelo que apenas as normas e não já as decisões judiciais podem constituir objeto de tal recurso» (v. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 361/98).

Recorde-se a forma como o recorrente enuncia o objeto do presente recurso: artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, interpretado «no sentido de permitir a fixação da medida concreta da pena além do necessário para realização das necessidades de prevenção especial positiva que se verificam in casu, pois para esse efeito parece ter considerado apenas, a necessidade de dissuasão do próprio delinquente (prevenção especial negativa) e as diversas condenações anteriores, sem justificar se tal circunstância denota uma grande necessidade de ressocialização, ou, se inversamente demonstra a impossibilidade de “educar’ o ora Recorrente para o cumprimento das normas penais» e «como permitindo a fixação da pena acima da gravidade do mal causado pelo crime».

Este enunciado demonstra que o recorrente pretende questionar a necessidade e a proporcionalidade da medida concreta da pena que lhe foi aplicada, atentos os fins das penas. Com efeito, o recorrente considera que, na graduação da pena, o Tribunal recorrido tomou exclusivamente em consideração, ou pelo menos sobrevalorizou, a vertente da prevenção especial negativa, consubstanciada na existência de antecedentes criminais e nas decorrentes necessidades de dissuasão do próprio delinquente, o que o levou a fixar uma pena excessiva.

Daqui decorre, inequivocamente, que o recorrente pretende sindicar a constitucionalidade da própria decisão recorrida, por violação de direito ordinário, e não qualquer normal legal por aquela aplicada. Com efeito, a determinação da medida concreta da pena, sujeita aos princípios da culpa e da proporcionalidade, situa-se necessariamente no domínio reservado ao exercício da função jurisdicional, pelo que não constitui em caso algum objeto idóneo de recurso para o Tribunal Constitucional (v., neste sentido, entre muitos outros, os Acórdãos n.os 303/02 e 633/08).

Como se escreveu no Acórdão n.º 695/2016: «o sistema português de controlo da constitucionalidade normativa assenta na ideia de que a jurisdição constitucional deve ser o juiz das normas e não o juiz dos juízes. O papel do Tribunal Constitucional na arquitetura da nossa democracia constitucional é o de controlar a atuação do legislador e dos seus sucedâneos; os erros judiciais são corrigidos através do regime de recursos próprio da ordem jurisdicional a que as decisões pertencem.» E nas palavras do Acórdão n.º 695/2016: «o sistema português de controlo da constitucionalidade normativa assenta na ideia de que a jurisdição constitucional deve ser o juiz das normas e não o juiz dos juízes. O papel do Tribunal Constitucional na arquitetura da nossa democracia constitucional é o de controlar a atuação do legislador e dos seus sucedâneos; os erros judiciais são corrigidos através do regime de recursos próprio da ordem jurisdicional a que as decisões pertencem.»

A omissão deste pressuposto processual obsta, por si só, ao conhecimento do objeto do recurso, justificando-se, também por esta razão, a prolação da presente decisão sumária, segundo o previsto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.»

3. De tal decisão vem agora o recorrente reclamar para a conferência, apresentando a seguinte argumentação:

«A., assistente nos autos a margem supra referenciados, tendo sido notificado da decisão sumária n.° 142/2021, de 17 de fevereiro de 2021, proferida pela 3.ª Secção do Tribunal Constitucional nos Autos de Recurso n.° 20/21, que decidiu não conhecer do objeto do recurso interposto, vem deste modo reclamar à conferência ao abrigo do disposto no artigo 78.°-A, n.° 3, da LTC. Por estar em tempo (artigo 149.°, do CPC, ex-vi artigo 69.°, da LTC), REQUER seja deferido o presente requerimento agora interposto, com o consequente conhecimento do objeto do recurso e o respetivo prosseguimento dos autos, conforme dispostos pelo artigo 78.°-A, n.° 5, da LTC.

CONCLUSÃO

Nos presentes autos de processo n.° 20/21, foi prolatada a decisão sumária n.° 142/2021 que veio obstar ao conhecimento do objeto do recurso interposto perante este tribunal por não verificação de requisito de admissibilidade, segundo o previsto no artigo 78.°-A, n.°1, da LTC.

Efetuado o exame preliminar a que alude este artigo 78.°-A, n.° 1, afigura-se ao relator não ter havido, como ratio decidendi, a aplicação da norma cuja constitucionalidade é questionada pelo reclamante nos acórdãos recorridos proferidos no Supremo Tribunal de Justiça.

O exame preliminar detetou que:

a) O ora recorrente, na qualidade de assistente em processo-crime, interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, nos termos do artigo 437.° do Código de Processo Penal, do acórdão de 16 de outubro de 2019 do Tribunal da Relação de Coimbra, o qual havia negado provimento ao recurso interposto do despacho que rejeitou o requerimento de abertura da instrução.

b) Pelo acórdão de 10 de setembro de 2020, o Supremo Tribunal de Justiça rejeitou tal recurso extraordinário, com fundamento em extemporaneidade.

c) Notificado de tal aresto, o recorrente arguiu a respectiva nulidade, a qual foi indeferida por um segundo acórdão de 29 de outubro de 2020.

d) O recorrente arguiu então a nulidade deste segundo acórdão, o que foi indeferido por terceiro acórdão, datado de 26 de novembro de 2020.

e) Foi então interposto o presente recurso de constitucionalidade, «interposto dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de outubro de 2020 e de 26 de novembro de 2020. O primeiro indeferiu a arguição de nulidade oposta ao precedente acórdão de 10 de setembro de 2020, o qual rejeitara o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência com fundamento em extemporaneidade. O segundo indeferiu a arguição de...

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