Acórdão nº 54/18.3GCACB-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelROSA PINTO
Data da Resolução09 de Junho de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 4ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

A – Relatório 1.

Pela Comarca de Leiria (Juízo Local Criminal de Alcobaça), por sentença de 2.7.2020, o arguido AM foi condenado por um crime de homicídio negligente, previsto e punido pelo artigo 137º, nº 1, do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão, cuja execução se suspendeu com condições, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 (seis) meses, nos termos do artigo 69º, nº 1, alínea a), do mesmo diploma legal.

  1. A 25.9.2020, o M.P. procede à liquidação da pena acessória, fixando o início do cumprimento da pena em 26.9.2020 e o seu termo às 24 horas do dia 26.3.2021.

  2. Por sua vez, por despacho de 5.11.2020, decidiu-se proceder à liquidação da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados em moldes distintos dos referidos pelo Ministério Público, fixando-se a data do início da execução da pena no dia 25.9.2020, sendo esta a data da entrega do título, e a data do término a 25.3.2021.

  3. Inconformado com tal despacho, veio o Ministério Público interpor recurso do mesmo, terminando a motivação com as seguintes conclusões: “1. As penas privativas da liberdade implicam uma restrição a um direito fundamental [cf. artigo 27.º da C.R.P.], ao contrário da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor [cf. artigo 69.º do C.P.], a qual não restringe nenhum direito fundamental e apenas suspende, temporariamente, o direito de conduzir na via pública veículos a motor – e apenas esses –, não afectando a liberdade pessoal de deslocação ou de circulação na via pública, nem qualquer outro direito fundamental.

  4. Tal distinção releva na determinação da norma aplicável ao cômputo do prazo de tal pena acessória, prazo esse fixado pelo Tribunal na sentença condenatória e que tem natureza substantiva (e não processual).

  5. O cômputo do prazo da pena acessória obedece às normas previstas nos artigos 296.º e 279.º do Código Civil, não existindo nenhuma lacuna de regulamentação desta questão jurídica.

  6. O Tribunal a quo entendeu que «não vislumbramos fundamento legal para aplicação ao caso do artigo 279.º do Código Civil porquanto a duração da pena acessória não é, sem quebra de vénia por distinta opinião, um prazo, mas uma pena.

    Não nos parece assim legitimo aplicar ao computo da pena acessória – com evidente caracter sancionatório – uma norma que respeita computo de prazos”.

  7. Ora, considerar que «a duração da pena acessória não é […] um prazo, mas uma pena», é confundir a pena, enquanto consequência jurídica da prática do crime, com a duração dessa mesma pena, correspondente ao lapso de tempo durante o qual a pena produz os seus efeitos, não sendo uma única e mesma coisa.

  8. Ao contrário do que é o entendimento do Tribunal a quo, a duração da pena acessória é um prazo, considerado como tal pelo legislador quando, a propósito precisamente da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, estabelece no artigo 69.º/6 do Código Penal que «não conta para o prazo da proibição o tempo em que o agente estiver privado da liberdade por força de medida de coacção processual, pena ou medida de segurança».

  9. Assim, o Ministério Público discorda desta interpretação, considerando que a norma prevista no artigo 279.º do Código Civil é aplicável ao cômputo do termo da pena acessória.

  10. No caso concreto, o arguido foi condenado na pena acessória de seis meses de proibição de conduzir veículos a motor e o mesmo entregou a carta de condução nos presentes autos em 25.09.2020 (cf. termo de entrega – ref. CITIUS 94760884).

  11. De acordo com a regra prevista na alínea b) do artigo 279.º do Código Civil, no cômputo do prazo da pena acessória não se inclui o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr – ou seja, o dia em que o título de condução é entregue, apreendido ou remetido ao processo da condenação.

    Assim, o primeiro dia do prazo da pena acessória corresponde ao dia 26.09.2020.

  12. Segundo a regra prevista na alínea c) do artigo 279.º do Código Civil, o prazo fixado em meses termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro do último mês, a essa data. Portanto, o último dia do prazo da pena acessória corresponde ao dia 26.03.2021, sexta-feira, vigorando a mesma durante todo esse último dia, desde as 00h01 até às 24h00, não sendo legítimo proceder à restituição do título de condução antes das 24h00 desse último dia.

  13. A circunstância da carta de condução se encontrar apreendida junta aos presentes autos e da secretaria do Tribunal poder estar encerrada ao sábado não impede o arguido de ter acesso ao respectivo título de condução logo nos primeiros minutos do dia 27.03.2021, sábado, bastando para tanto que o Tribunal remeta previamente a carta de condução ao Posto Territorial da área de residência do arguido para que este possa ter pronto acesso à mesma logo que se inicie o dia 27.03.2021.

  14. O despacho recorrido, ao decidir que a pena terminará no dia 26.03.2021 e que o arguido deve ter a possibilidade de proceder ao levantamento da sua carta de condução nesse último dia, procedeu ao cômputo do prazo da pena acessória infringindo a regra prevista na alínea b) do artigo 279.º do Código Civil, aplicável por remissão do artigo 296.º do mesmo diploma, pelo que padece de ilegalidade.

  15. O despacho recorrido considerou existir uma lacuna da lei quanto ao cômputo do prazo da pena acessória e aplicou indevidamente, por analogia, a norma prevista no artigo 479.º do Código de Processo Penal, aplicável à pena de prisão, sem ponderar se no cômputo do prazo da pena acessória procedem as razões justificativas da regulamentação da contagem do prazo da pena de prisão, como imposto no n.º 2 do artigo 10.º do Código Civil, norma essa também infringida.

  16. Consequentemente, pugna-se pela revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que declare que o prazo de seis meses da pena acessória única de proibição de conduzir veículos a motor teve início no dia 26.09.2020 [artigo 279.º, alínea b) do Código Civil] e vigorará até às 24h00 do dia 26.03.2021, sexta-feira [artigo 279.º, alínea c) do Código Civil], determinando que o título de condução possa ser restituído ao arguido a partir das 00h01 do dia 27.03.2021”.

  17. Notificado da admissão do recurso, o arguido não respondeu.

  18. O recurso foi remetido para este Tribunal da Relação e aqui, com vista nos termos do artigo 416º do Código de Processo Penal, o Ex.mo Procurador da República emitiu Parecer no sentido de que deve ser declarada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277º, alínea e), do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 4º do Código de Processo Penal.

    Alega que assistia razão ao Ministério Público, mas o certo é que, entretanto, se verificou o termo da sanção acessória. A instância extingue-se sempre que se torne supervenientemente inútil, ou seja, sempre que por facto ocorrido na pendência da instância, a continuação da lide não tenha qualquer utilidade.

  19. Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não tendo o arguido respondido ao douto parecer.

  20. Respeitando as formalidades aplicáveis, após o exame preliminar e depois de colhidos os vistos, o processo foi à conferência.

  21. Dos trabalhos desta resultou a presente apreciação e decisão.

    * B -...

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