Acórdão nº 412/17.GACBT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelF
Data da Resolução24 de Maio de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães.

(Secção Penal) I. RELATÓRIO No processo comum singular n.º 412/17.0GACBT, do Juízo Local de Competência Genérica de Celorico de Basto, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, foi submetido a julgamento o arguido D. R.

, com os demais sinais dos autos.

A sentença, proferida a 10 de novembro de 2020 e depositada no mesmo dia, tem o seguinte dispositivo: «Em face do supra exposto, o Tribunal decide: Julgar o arguido D. R. autor imediato e material, na forma consumada, e com dolo direto, de um crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido pelos artigos 14º, n.º 1; 26º, 1ª parte do Código Penal e artigos 1º; 3º; 4º, n.º 1, alínea g) e 108º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 422/89, de 02 de dezembro, e, em consequência: Condena o arguido na pena de 4 (quatro) meses de prisão e 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros); Substitui a pena de 4 (quatro) meses de prisão por 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros); Condena o arguido no somatório das penas de multa aplicadas, designadamente, em 170 (cento e setenta) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), o que perfaz a quantia global de €1.020,00 (mil e vinte euros).

Condenar o arguido D. R. no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2,5UC, nos termos dos artigos 513º, n.ºs 1 a 3 e 514º do Código de Processo Penal, 8º, n.º 9 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais.

**Do destino das coisas ou objetos apreendidos: Declara-se perdidos a favor do Estados os bens identificados nos autos de apreensão de fls. 15, à exceção do dinheiro/quantia monetária.

Mais se ordena a sua destruição, pela autoridade apreensora, devendo ser lavrado o respetivo auto.

*Declaram-se perdidas a favor do Fundo de Turismo as quantias apreendidas nos presentes autos (cfr. fls. 15 e 16).

Providencie pelo destino da quantia.

**Estatuto coativo: D. R. foi sujeito à medida de coação Termo de Identidade e Residência, prevista no artigo 196º do Código de Processo Penal.

Nos termos do artigo 214º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo Penal, a medida de coação Termo de Identidade e Residência apenas se extingue com a extinção da pena.

**Após trânsito remete boletins ao Registo Criminal.

**Notifique e proceda ao depósito da sentença, nos termos dos artigos 113º, n.º 10; 333º, n.º 5; 372º, n.ºs 4 e 5 e 373º, n.º 2 do Código de Processo Penal.»*Inconformado, o arguido D. R. interpôs recurso, apresentando a competente motivação que remata com as seguintes conclusões: «A) O Tribunal a quo deu erradamente determinada matéria de facto como provado, incorrendo assim em erro notório de julgamento na apreciação da prova, o que inquina o sentido da decisão final, pelo que o presente recurso tem por objecto a matéria de facto dada como provada e não provada – art.º 412, n.º 3 do Cód. de Proc. Penal.

  1. Concretamente, o Tribunal a quo errou notoriamente na apreciação da prova ao dar como provada a factualidade dos pontos 1º («O arguido D. R. explorou o estabelecimento de restauração denominado “Café ...”, sito na Rua ..., …, no concelho de Celorico de Basto, na data dos factos em apreço.”), 2º («No âmbito das suas funções, compete ao arguido, além do mais, adquirir e supervisionar o funcionamento e exploração de equipamentos de diversão ali utilizados.”;), 3º («(…) o arguido (…)»), 6º («(…) Os prémios são entregues à razão pecuniária de € 1,00 (um euro) por ponto.»), 8º («No circunstancialismo espácio-temporal supra descrito o arguido não era titular de licença ou qualquer outro documento válido que lhe permitisse a exploração de jogos de fortuna e azar, nomeadamente da máquina identificada, no citado estabelecimento comercial.»), 9º («O arguido não possuía qualquer licença para a exploração de jogos de fortuna e azar no referido estabelecimento, conhecia as características da máquina e do jogo que executavam e quis explorá-la nas condições mencionadas, bem sabendo que não é permitida a exploração dos jogos descrito fora das zonas criadas por lei para esse efeito.») e 10º («O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.»).

  2. Quanto à FALTA DE PROVA DE QUE O ARGUIDO ERA O EXPLORADOR DO ESTABELECIMENTO E POR ISSO AUTOR DO CRIME (pontos 1º, 2º, 3º, 8º, 9º e 10º dos factos provados), nenhuma prova foi produzida para além do depoimento das testemunhas A. P. e V. M., tendo sido com base nas suas declarações em audiência de julgamento que o Tribunal a quo deu como provado que era o aqui recorrente quem explorava o estabelecimento de restauração denominado «Café ...» e, por isso, quem praticou os factos, sendo nesta decorrência o autor material do crime.

  3. O grande ponto de discordância do recorrente com o decidido em primeira instância reside na valoração do depoimento das testemunhas A. P. e V. M. uma vez que estas duas testemunhas são os militares da GNR que procederam à «fiscalização» do estabelecimento de restauração.

  4. Erradamente o Tribunal a quo entendeu que poderia valorar e livremente apreciar os depoimentos prestados pelos militares da GNR, na sua íntegra, nomeadamente o relato das declarações perante si prestadas pelo arguido no acto da fiscalização o que inquina a boa decisão da causa, a decisão final e assim o sentido da sentença, fazendo tábua rasa do disposto no n.º 7 do art.º 356º e do art.º 357º do Cód. de Proc. Penal.

  5. O arguido, ora recorrente, não prestou declarações na audiência de julgamento e não requereu a leitura das declarações que por si alegadamente prestadas aos militares da GNR e vertidas no auto de notícia, sendo que apenas foi constituído arguido posteriormente às supostas declarações prestadas aos militares da GNR, pelo que a valoração das alegadas conversas informais anteriores constituem um método proibido de prova, nos termos do art.º 125º do Cód. de Proc. Penal.

  6. A interpretação feita pelo Tribunal a quo não tem qualquer adesão à letra da lei, ao pensamento legislativo e à unidade do sistema jurídico em clara violação do art.º 9º do Cód. Civil, já que contraditória ao quadro garantístico do exercício efectivo dos direitos do arguido previsto no nosso ordenamento jurídico.

  7. Não faz, pois, qualquer sentido que só tal interpretação, quando decorre do art.º 357º do Cód de Proc. Penal que apenas possam ter valor probatório as declarações prestadas pelo arguido perante a autoridade judiciária, que apesar de tudo oferece mais garantias de que sejam observadas as formalidades legais e a Lei, e que ainda assim esteja condicionada a vários condicionalismos, tais como a assistência por defensor e das consequências processuais da não remessa ao silêncio.

  8. Além do mais, a interpretação efectuada pelo Tribunal a quo dá cobertura a uma ilegalidade cometida pelo OPC, concretamente os militares da GNR, que nos seus procedimentos violaram o disposto na alínea d) do n.º 1 do art.º 58º do Cód. de Proc. Penal e no n.º 1 do art.º 59º do Cód. de Proc. Penal.

  9. In casu foi levantado um auto de notícia que deu o arguido como agente do crime dos autos, porquanto foi considerado suspeito pelos militares da GNR, o que levou o autuante a constituir posteriormente o recorrente como arguido, pelo que os militares da GNR deveriam ter dado cumprimento ao disposto no n.º 1 do art.º 59º do Cód. Penal, ou seja, suspender imediatamente qualquer inquirição, proceder à sua constituição de arguido, informando-o dos seus direitos e deveres, nomeadamente de ser assistido por defensor e de não prestar declarações.

  10. Nada disto ocorreu, pelo que valorar as supostas declarações prestadas pelo arguido ao OPC de forma ilegal é reiterar e perpetrar uma ilegalidade.

  11. A posição tomada pelo Tribunal a quo constitui uma autêntica postergação e violação do direito ao silêncio, previsto na alínea d) do n.º 1 do art.º 61º e n.º 1 do art.º 343º ambos do Cód. de Proc. Penal.

  12. Daqui resulta que não podiam ser valorados os depoimentos dos militares da GNR A. P. e V. M. na reprodução das alegadas declarações do arguido, em particular na parte em que se assumiu como explorador do estabelecimento.

  13. Nenhuma prova foi reunida nos autos de que fosse o aqui recorrente o explorador do estabelecimento, tão-somente que este se encontrava no estabelecimento e que a máquina se encontrava exposta no estabelecimento, sendo certo que a sua presença pode ficar a dever-se a variados motivos, que vão muito para além de ser o seu explorador.

  14. Tanto mais que a presença do arguido no estabelecimento, por motivo não apurado nos autos, não implica sequer que tivesse conhecimento da máquina em causa, do seu modo de funcionamento, da sua ilicitude e que a explorasse.

  15. Nenhuma prova foi produzida quanto aos factos constantes do ponto 2º dos factos dados como provados na sentença uma vez que tal factualidade não resulta sequer dos depoimentos dos militares da GNR, que nem sequer foram indagados quanto a tais factos, que não foram assim confirmados por qualquer meio de prova, sendo certo que tais factos não resultam de qualquer presunção natural ou judicial, pelo que deveriam ter sido julgados como não provados, já que nenhuma prova foi sequer produzida quanto aos mesmos.

  16. A identificação do explorador do estabelecimento apenas não ocorreu por uma manifesta falha da investigação e do inquérito, sendo certo que a informação fornecida pela Câmara Municipal, junta aos autos a fls. 32, não permite colmatar tal falha assim como a certidão da acusação e da decisão do processo n.º 117/18.5GACBT não permite identificar o explorador do estabelecimento à data dos factos, ou seja, no dia 18.12.2017 uma vez que tal processo apenas dá como provado que o ora recorrente era o explorador do estabelecimento em 27.04.2018, ou seja, decorridos mais de quatro meses.

  17. Em suma, impõe-se revogar a decisão da matéria de facto, dando como não provados os pontos 1º, 2º, 3º, 8º, 9º e 10º dados erradamente como provados na sentença...

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