Acórdão nº 0474/20.3BELLE de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 27 de Maio de 2021

Data27 Maio 2021
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – RELATÓRIO 1.

O Ministério Público interpôs recurso para o TCA Sul da sentença do TAF de Loulé de 19/11/2020 (cfr. fls. 49 e segs. SITAF) que julgou procedente a intimação para prestação de informações deduzida pelo Requerente A…………, ao abrigo do art. 104º nº 1 do CPTA, contra o Município de Albufeira para, através do respetivo Presidente da Câmara Municipal, prestar, no prazo de 10 dias, as informações solicitadas.

As informações solicitadas em causa referiam-se ao: “Estado atual do processo de Contra-Ordenação nº 1-228-2019, com indicação do serviço onde o mesmo se encontra, com especificação dos atos e diligências já praticados e do respetivo conteúdo, e daqueles que ainda devam sê-lo, bem como dos prazos aplicáveis a estes últimos”.

  1. O TCA Sul, por Acórdão de 4/2/2021 (cfr. fls. 89 e segs. SITAF), negou provimento ao referido recurso interposto pelo Ministério Público e confirmou a sentença proferida pelo TAF de Loulé (ainda que com um voto de vencida).

  2. Inconformado, veio o Ministério Público interpor o presente recurso de revista, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões (cfr. fls. 104 e segs. SITAF): «1. O presente recurso de Revista vem interposto pelo Ministério Público do Douto Acórdão proferido em sede do TCA - Sul, em 4 Fevereiro 2021, que julgou improcedente o recurso de Apelação interposto pelo Ministério Público da sentença proferida no TAF de Loulé, em 19 Novembro 2020, no âmbito da qual aquele TAF decidiu, a pedido do A. e Recorrido, a intimação do Município de Albufeira, através do Presidente da respectiva Câmara Municipal a, no prazo de 10 dias, prestar a informação sobre o estado actual do processo de contraordenação nº 1 – 228 – 2019 [colocação de portão e implantação de pilar pelo condomínio do prédio designado por lote …… da Rua ………, em Albufeira, em licenciamento municipal], com indicação do serviço onde o mesmo se encontra, com especificação dos actos e diligências já praticados e do respectivo conteúdo e daqueles que ainda devam sê-lo, bem como dos prazos aplicáveis a estes últimos; 2. Tanto na decisão de 1ª instância, quanto no Douto Acórdão do TCA, ficou claramente consignado o entendimento de que os Tribunais Administrativos detêm a necessária competência para, em sede de fase investigatória nos Autos de Contraordenação, determinar a aplicação do regime jurídico consignado no artigo 82.º e segs. do CPA e 104.º e segs. do Código de Processo nos Tribunais Administrativos; 3. Tal conclusão das duas instâncias fundamenta-se, no entendimento de que a mesma não colide com a imposição expressa de aplicação subsidiária das normas do Código Penal e Código de Processo Penal, conforme regime expressamente consignado no artigo 32º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 Outubro, mormente nas que versam sobre o pedido de informações no âmbito da pendência dos Autos em fase instrutória, especialmente sobre o tipo de diligências e respectivos conteúdos, levada a cabo pelas entidades administrativas; 4. Tal entendimento afigura-se-nos, salvo o devido respeito, manifestamente contrário ao regime geral das contraordenações, às normas de Processo Penal sobre o acesso aos Autos, por manifesta inaplicabilidade do regime consignado no citado artigo 82.º e segs. do CPA, e 104.º e segs. do Código de Processo nos Tribunais Administrativos; 5. Ao decidir no sentido ora impugnado, entende o Ministério Público que o Acórdão objecto do presente recurso incorreu em clamoroso erro de direito, que importa rectificar por esse Colendo Tribunal; 6. Decorre, assim, claramente dos Autos que o thema decidendum da presente Revista assume especial acuidade jurídica, tanto mais que se trata de matéria transversal não só no âmbito do Direito Administrativo Contraordenacional, mas também noutros ramos do Direito, mormente do Processo Penal, matéria essa que denota sérias implicações jurídicas, especialmente no âmbito do acesso aos Autos, maxime do segredo de Justiça; 7. Assim, impõe-se, necessariamente, a intervenção desse Colendo Tribunal no sentido de a respectiva Formação de Juízes proferir decisão que admita o presente recurso de Revista, contribuindo-se, deste modo, para uma necessária e melhor aplicação do Direito, atenta a relevância jurídica subjacente às consequências da decisão tomada pelo TCA; DO MÉRITO DO RECURSO 8. Como bem se alcança do teor do Douto Acórdão prolatado em sede do TCA e objecto de impugnação pela presente Revista, foi sufragado o entendimento, em consonância com o decidido no tribunal de 1ª instância, de que o pedido formulado pelo A. e Recorrido, no âmbito de Processo de Contraordenação em fase (administrativa) de investigação – pedido de informações acerca do estado e conteúdo material de diligências instrutórias levadas a cabo no âmbito de processo de contra-ordenação a correr os seus termos na Câmara Municipal de Albufeira –, se mostra compatível com o disposto nos art.º 82.º e segs. do CPA, e 104.º e segs. do Código de Processo nos Tribunais Administrativos; 9. Em bom rigor, entende-se que o Processo de Contraordenação não pode ser qualificado como um (mero) procedimento administrativo para efeitos de aplicação do CPA, pois que “o processo de contra-ordenação instruído e decidido pela autoridade administrativa não tem a natureza jurídica de procedimento administrativo na acepção em que este conceito é tomado no art.º 1.º do CPA. Na fase administrativa o processo de contra-ordenação tem por escopo o apuramento da existência de um tipo de ilícito de mera ordenação social, ou seja, da existência “da notícia de uma contra-ordenação”, tendo-se por contraordenação “todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima” – art.º 1.º DL 433/82” (Acórdão TCA Sul, de 24 Abril 2008, Processo n.º 3497/08); 10. Ao invés, e como expressamente resulta do citado Decreto-Lei n.º 433/82 ao direito de mera ordenação social é aplicável, subsidiariamente, o Código Penal e de Processo Penal; 11. Ao contrário do que decorre do entendimento vertido no Douto Acórdão recorrido, um processo de contra-ordenação não é um processo administrativo, nem corporiza um qualquer procedimento administrativo; 12. Assim, salvo melhor opinião desse Colendo Tribunal, seria no âmbito da jurisdição Penal, sob as regras Código de Processual Penal que poderia e deveria, em bom rigor, ser apreciado o pedido efectuado pelo Autor; 13. No âmbito do disposto nos artigos 86.º e 89.º do Código de Processo Penal não está prevista a prestação das informações pretendidas pelo Autor, sendo apenas possível consultar o processo, se o mesmo não estiver em segredo de justiça, e obter cópias ou certidões do mesmo; 14.

    A Douta decisão ora impugnada ignorou, por completo, o cariz de direito sancionatório que caracteriza o regime das contraordenações, com todas as consequências que daí derivam; 15.

    O processo das contra-ordenações é um todo que se desdobra por várias fases, não pode o mesmo procedimento ter como direito subsidiário numa fase o Código do Procedimento Administrativo e noutra fase o Código de Processo Penal, o que criaria distorções inaceitáveis – vide Parecer PGR de 22 de Fevereiro de 2008, já citado; 16. O disposto no citado artigo 110.º, nº 1, do RJUE, não tem aplicação no caso vertente, ali se prevendo, ao invés, o direito de acesso dos particulares à informação relativamente aos processos de cariz administrativo pendentes e para os quais evidenciem a necessária legitimidade ou interesse – vg. Processos de licenciamento, etc. -, o que, manifestamente, não é o caso dos Processos de Contraordenação; 17. A Douta decisão ora sob recurso violou, de forma clara, os dispositivos legais ora citados, mormente na conclusão seguinte, o que, com todo o respeito, é susceptível de colocar em crise o regime de acesso actos de processo, associado aos Autos de Contraordenação, e que, em sentido lato, se poderá traduzir numa afronta ao princípio do secretismo dos actos de processo, em sede de direito sancionatório; 18. Ao decidir como decidiu, o Douto Acórdão ora recorrido laborou em manifesto erro de direito, consubstanciado na violação do disposto nos artigos 41.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 Outubro, 86.º e 89.º do Código de Processo Penal e também o disposto nos artigos 82.º e segs. do CPA e 104.º e segs. do CPTA.

    Nestes termos, Impõe-se, necessariamente, a intervenção desse Colendo Tribunal no sentido de, por um lado, a respectiva formação de Exmos. Juízes - Conselheiros proferir decisão que admita o presente recurso de Revista, e, por outro, julgar o presente recurso procedente, revogando-se, em conformidade, o Douto Acórdão sob recurso e contribuindo, assim, esse Colendo Supremo Tribunal Administrativo para uma necessária e melhor aplicação do Direito, atenta a relevância jurídica subjacente às consequências da decisão tomada pelo TCA.

    Assim, se fazendo a exigida JUSTIÇA» 4.

    Notificados o Requerente e o Requerido para, querendo, apresentar contra-alegações (cfr. fls. 126 e 127 SITAF), apenas o Requerido Município de Albufeira veio informar não pretender apresentar contra-alegações neste recurso de revista, mas não deixou de expressar a sua aderência aos termos e fundamentos do Acórdão do TCA Sul recorrido (cfr. fls. 130 SITAF).

  3. O presente recurso de revista foi admitido por Acórdão de 8/4/2021 (fls. 139 e segs. SITAF), proferido pela formação de apreciação preliminar deste STA prevista no nº 5 do art. 150º do CPTA, designadamente nos seguintes termos: «(…) 7. Presente a quaestio juris em discussão nos autos e que se mostra colocada na presente revista, envolvendo a definição da via/meio processual adequados para o assegurar do acesso e obtenção de satisfação de um pedido de informação procedimental apresentado na fase administrativa de processo contraordenacional em matéria urbanística, temos que a mesma reveste de importância fundamental pela sua relevância jurídica e social.

  4. ...

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