Acórdão nº 349/21 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução27 de Maio de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 349/2021

3.ª Secção

Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte - Juízo Local de Pequena Criminalidade de Loures, em que é recorrente o Ministério Público e é recorrido A., o primeiro interpôs recurso para o Tribunal Constitucional (cf. fl. 30 verso), ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º e nos artigos 72.º, n.º 1 e 3, e 75.º-A, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada pela sigla LTC) da decisão proferida por aquele Tribunal Judicial em 23 de abril de 2020 (a fls. 54-58) que decidiu, além do mais, desaplicar a norma constante do artigo 46.º, n.º 7, do Decreto n.º 2-B/2020, de 2 de abril, por violação do disposto nos artigos 165.º, n.º 1, alínea c) e 29.º da Constituição da República Portuguesa.

2. O requerimento de interposição de recurso tem o seguinte teor (cf. fl. 30-verso):

«O Ministério Público vem, nos termos do disposto nos artigos 3º n.° 1 al. f) e 2. do Estatuto do Ministério Público, 280° n.°s 1 al. a) e 3 da Constituição da República Portuguesa e 70° n.° 1 al. a), 71° n.° 1, 72° n.° 1 e 3 e 75°-A n.° 1 da Lei n° 28/82, de 15.11, por imperativo legal, nos autos acima identificados, interpor recurso para o Venerando Tribunal Constitucional da douta sentença proferida nos presentes autos.

O presente recurso tem em vista a apreciação da inconstitucionalidade das normas constantes nos artigos 43°, n° 6 do Decreto n° 2-B/2020 de 2 de abril, cuja aplicabilidade foi recusada no referido despacho com o fundamento que tais disposições são inconstitucionais por violação do disposto no artigo 165°, n° 1, al. c) e artigo 29° ambos da Constituição da República Portuguesa.

O presente recurso sobe nos próprios autos, de imediato e com efeito suspensivo, nos termos do artigo 78° da Lei 28/82 de 15 de novembro.».

3. O recurso foi admitido por despacho do Tribunal a quo de 30/4/2020 (cf. fl. 31).

4. Dado que no teor da ata de audiência de discussão e julgamento constante dos autos não havia referência expressa à desaplicação da norma sindicada (ou de qualquer outra), foi proferida Decisão Sumária n.º 339/2020, na qual se decidiu não conhecer do objeto do recurso com fundamento na falta de preenchimento dos pressupostos de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC (cf. fls. 37-40).

5. Após a prolação da Decisão Sumária, deu-se conta de que o texto da ata de audiência de discussão e julgamento não constava o texto integral da sentença, mas apenas o seu dispositivo, do qual não constava a desaplicação de qualquer norma com fundamento em inconstitucionalidade, incluindo a norma objeto do recurso, pelo que foi proferido despacho pela relatora solicitando ao tribunal recorrido a transcrição integral da sentença (fl. 44).

6. Após a receção da sentença recorrida, na sua transcrição integral, foi proferido pela relatora despacho de alegações, nos seguintes termos (cf. fls. 74-75):

«1. Após a prolação da Decisão Sumária n.º 339/2020, na qual se decidiu não conhecer do objeto do recurso por falta de verificação dos específicos pressupostos dos recursos interpostos ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada pela sigla LTC), deu-se conta de que da ata de audiência de discussão e julgamento não constava o texto integral da sentença mas apenas o seu dispositivo, do qual não constava a desaplicação de qualquer norma com fundamento em inconstitucionalidade, incluindo a norma objeto do recurso.

2. Por esse motivo, por despacho da Relatora (cf. fl. 44), admitindo-se poder existir erro material nos termos dos artigos 613.º, n.º 2, e 614.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 69.º da LTC, ao abrigo daqueles preceitos, bem como do artigo 78.º-B, n.º 1, da mesma Lei, foi decidido que fosse solicitado ao tribunal recorrido que enviasse a este Tribunal a transcrição integral da sentença proferida nos autos e recorrida para o Tribunal Constitucional e, ainda, suster os efeitos da Decisão Sumária n.º 339/2020 até ao envio daquela transcrição integral a este Tribunal e subsequente prolação de novo despacho nos termos das referidas disposições legais.

3. Após o envio da transcrição integral da sentença recorrida (cf. fls. 49 e ss., em especial fls. 54 a 58), verifica-se que do teor da mesma decorre, além do mais, ter sido expressamente decidido desaplicar a norma prevista no artigo 43.º, n.º 6, do Decreto 2-B/2020, de 2 de abril, por inconstitucionalidade orgânica e formal (cf. fl. 55-verso dos autos), pelo que, face a tal teor, a Decisão Sumária proferida padece de erro material quanto à verificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso (cf. II – Fundamentação, 7.), pelo que se deve considerar sem efeito.

4. Em face do exposto, notifiquem-se as partes para alegar, no prazo de 30 (trinta) dias, nos termos dos artigos 78.º-A, n.º 5, e 79.°, n.ºs 1 e 2, da LTC, advertindo-se as mesmas para se pronunciarem, querendo, sobre a possibilidade de não se conhecer do objeto do recurso, por inutilidade, face à invocação, na fundamentação da decisão recorrida para o Tribunal Constitucional, de um fundamento alternativo do sentido decisório (cf. transcrição da sentença recorrida, p. 2, a fl. 54-verso dos autos).

Junte-se cópia da transcrição da sentença recorrida.».

6.1 O recorrente Ministério Público apresentou alegações com o seguinte teor (cf. fls. 77-97):

«I

1. Interpôs o Ministério Público, em 28 de Abril de 2020, a fls. 30 v.º dos autos supra-epigrafados, recurso obrigatório, para este Tribunal Constitucional, do teor da douta decisão judicial de fls. 27, cujo teor consta de fls. 54 a 58, proferida pelo Juízo Local de Pequena Criminalidade de Loures – Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte - Processo n.º 226/20.0PGLRS, “(…) nos termos do disposto nos artigos 3º n.º 1 al. f) e 2. do Estatuto do Ministério Público, 280º n.ºs 1 al. a) e 3 da Constituição da República Portuguesa e 70º n.º 1 al. a), 71º n.º 1, 72º n.º 1 e 3 e 75º-A n.º 1 da Lei nº 28/82, de 15.11 (…)”.

2. Este recurso “tem em vista a apreciação da inconstitucionalidade das normas constantes nos artigos 43º, nº 6 do Decreto nº 2-B/2020 de 2 de abril, cuja aplicabilidade foi recusada no referido despacho (…)”.

3. Os parâmetros de constitucionalidade cuja violação se invoca são os constantes do “(…) artigo 165º, nº 1, al. c) e artigo 29º ambos da Constituição da República Portuguesa”.

4. Após as vicissitudes processuais descritas no douto despacho de fls. 74 e 75, ordenou a Exm.ª Conselheira relatora o seguinte:

“Em face do exposto, notifiquem-se as partes para alegar, no prazo de 30 (trinta dias), nos termos dos artigos 78.º-A, n.º 5, e 79.º, n.ºs 1 e 2, da LTC, advertindo-se as mesmas para se pronunciarem, querendo, sobre a possibilidade de não se conhecer do objeto do recurso, por inutilidade, face à invocação, na fundamentação da decisão recorrida para o Tribunal Constitucional, de um fundamento alternativo do sentido decisório (cf. transcrição da sentença recorrida, p. 2, a fl. 54-verso dos autos)” .

II

5. A douta sentença recorrida, prolatada pela Mm.ª Juíza do Juízo Local de Pequena Criminalidade de Loures – Juiz 2, do Tribunal judicial da Comarca de Lisboa Norte, pronunciou-se sobre a acusação deduzida contra A., ao qual o Ministério Público imputava a “prática, em autoria material, na forma consumada de um crime de desobediência agravado, p. e p. pelo artigo 348º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, conjugado com os artº 5º, artº 43º, nº 1, alíneas c) e d) e nº 6, todos do Decreto nº 2-B/2020, de 02-04, artº 7º da Lei n.º 44/86, de 30-09, e artº 6º, n.ºs 1 e 4 da lei nº 27/2006, de 03-07.

6. Sustentando o seu entendimento sobre a questão de constitucionalidade, começou a Mm.ª decisora “a quo” por identificar o objecto do processo, nos seguintes termos:

“(…) Nos presentes Autos do Processo Sumário vem o arguido A., melhor identificado nos Autos acusado da prática de crime de desobediência agravado nos termos dos artigos 348, alínea b) do Código Penal e dos Artigos 5º e 43º, n.º 1, alíneas c) e d) n.º 6 do Decreto 2B/2020 de 02/04 e do Artigo 7º da Lei 46 … 44/86 de 30/09 e 6º, 1 e 2 da Lei 27/2006 de 3 de Julho”.

7. Continuando a explanação dos pressupostos da decisão, passou a douta decisora “a quo” a fundamentá-la constitucionalmente nos seguintes termos:

“Procedeu-se à audiência, discussão e julgamento com a observância do legal formalismo e o Arguido não apresentou contestação, nem arrolou testemunhas. Em sede de questão prévia importa, que o Tribunal se pronuncie quanto à qualificação dos factos que vêm imputados ao Arguido na Acusação com um crime de desobediência agravado nos termos do Artigo n.º 43, n.º 6 do Decreto 2B/2020 de 02/04 e também, portanto, nos termos do Artigo 6º ... imperceptível ... da lei de 27/2006 de 03/07. Ora, nos termos do referido Artigo 43º n.º 6 do Decreto 2B/2020, estabelece que, desobediência, resistência a ordens legitimas das entidades competentes quando praticado e vem o seu disposto neste decreto são sancionadas nos termos da Lei Penal e as respectivas penas são sempre agravadas de um terço nos termos dos seus limites mínimo e máximo, nos termos do n.º 4 do Artigo 6º da Lei 27/2006 de 3 de Julho. Todavia, entende este Tribunal que o referido preceito legal se encontra ferido inconstitucionalidade formal e orgânica uma vez que de forma inovadora previu, pela forma de decreto que...

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