Acórdão nº 1391/11.3TAPTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução11 de Maio de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal singular, com o nº 1391/11.3TAPTM, do Juízo Local Criminal de Portimão (Juiz 1), após realização da audiência de discussão e julgamento, veio a ser proferida pertinente sentença, onde se decidiu absolver o arguido SC da prática do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 107º, nºs 1 e 2, e 105º, nºs 1 e 4, do RGIT, e artigo 30º do Código Penal, de que estava acusado

Mais se decidiu, por despacho proferido em 20-11-2020, no decurso da audiência de discussão e julgamento, que não cabe ao Tribunal, na fase do julgamento, proceder à notificação do arguido nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 105º, nº 4, al. b), do RGIT

* Inconformado com ambas essas decisões, interpôs recurso o Ministério Público, apresentando as seguintes (transcritas) conclusões: “1ª - O presente recurso vem interposto do despacho proferido pela Mmª Juiz em 20-11-2020 que indeferiu a promoção de notificação do arguido nos termos do artigo 105º, nº 4, b), do RGIT, por carta rogatória, e da sentença proferida em 04-12-2020, na parte em que absolveu o arguido crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 6º, 7º, nº 3, 107º, nºs 1 e 2, por referencia aos artigos 105º, nºs 1 e 4, do RGIT

  1. - Analisada a sentença proferida nos autos, o Ministério Público não se pode conformar com a absolvição do arguido, por entender que houve um erro do Tribunal a quo na aplicação do direito ao caso, nomeadamente na interpretação dada ao artigo 105º, nº 4, al. b), do RGIT

  2. - A absolvição do arguido assentou na consideração de que o arguido não foi notificado, em momento prévio à dedução da acusação, nos termos e para os efeitos do artigo 105º, nº 4, al. b), do RGIT, e aquela condição carece de estar verificada em momento anterior à acusação, como também deveria ter sido alegada na referida peça processual, o que não sucedeu

  3. - Como tal não foi feito (ainda que devido ao desconhecimento do paradeiro do arguido), a Mmª Juiz entendeu que se impunha neste momento a absolvição do arguido, referindo que não cabe ao Tribunal proceder a tal notificação, por inútil, por não ser admissível o aditamento de factos à acusação. Assim, e por não se verificar uma das condições objetivas de punibilidade, entendeu que os factos não são puníveis, tendo absolvido o arguido

  4. - Ao contrário do entendimento da Mmª Juiz, entendemos que nada impedia o Tribunal de determinar a aludida notificação, prevista no artigo 105º, nº 4, b), do RGIT

  5. - Aderindo aos argumentos do Acórdão do TRP de 14-01-2009 (processo nº 0714675), consideramos que a entidade competente para determinar a notificação prevista na alínea b) nº 4 do 105º do RGIT é a entidade titular do procedimento ou do processo, ou seja, a Administração Tributária, o Ministério Público, o Tribunal de Instrução Criminal ou o Tribunal de Julgamento, consoante a fase em que ele se encontre quando surge a necessidade de proceder à notificação

  6. - Estando o processo pendente para além da fase de inquérito, será irrelevante que a notificação a que alude aquele artigo seja feita pelo Tribunal ou pela administração tributária (vide Ac. do TRP de 11-03-2009)

  7. - Tratando-se de uma irregularidade processual, que o tribunal deve sanar ao abrigo do artigo 123º do Código de Processo Penal, por afetar a validade do ato e poder influenciar os ulteriores termos do processo, nomeadamente por poder desencadear uma causa de exclusão de punibilidade e com isso o arquivamento dos autos

  8. - Assim, se não tiver sido feito no decurso do inquérito, deverá o tribunal de instrução criminal ou de julgamento efetuar ex officio a sobredita notificação

  9. - Face ao exposto, entendemos que a Mmª Juiz deveria ter deferido o promovido, expedindo-se carta rogatória às autoridades de Justiça Francesas, com vista à notificação ao arguido nos termos do disposto no artigo 105º, nº 4, b), do RGIT, uma vez que só nessa data foi conhecido o seu paradeiro, o qual era totalmente desconhecido até àquela data

  10. - E, ao absolver o arguido, o Tribunal a quo fez uma errónea interpretação do artigo 105º, nº 4, alínea b), do RGIT, pelo que deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra decisão, que determine o Tribunal de 1ª Instância a proceder à notificação ao arguido nos termos do disposto no artigo 105º, nº 4, b), do RGIT, por carta rogatória enviada às Autoridades de Justiça Francesas, face à morada conhecida do arguido nos autos

  11. - Decidindo como decidiu, o tribunal a quo violou o disposto no artigo 105º, nº 4, b), do Regime Geral das Infrações Tributárias

Termos em que deverá ser dado provimento ao recurso, e o despacho e a sentença recorridos serem revogados em conformidade com o exposto”

* O arguido respondeu ao recurso, concluindo tal resposta nos seguintes termos (em transcrição): “I. Salvo o devido respeito, a decisão do tribunal a quo é integralmente acertada e não contém qualquer erro na aplicação do direito ao caso ou vício que a inquine

  1. No que diz respeito ao despacho proferido pela MMª Juiz na Audiência de Julgamento de 20-11-2020, entendemos, salvo melhor entendimento, que decidiu bem o Tribunal em não ter ordenado e procedido à notificação do arguido através de carta rogatória

  2. Isto porque, para o crime em apreço, são imperativas as duas condições objetivas de punibilidade, previstas no n.º 4 do art.º 105.º do RGIT, aplicável por força do n.º 2 do art.º 107.º do mesmo diploma, cuja não verificação impede a punibilidade dos factos praticados

  3. Ora, a condição prevista na al. b) do n.º 4 do art.º 105.º do RGIT foi aditada pela Lei n.º 53A/2006, de 29-12, a qual entrou em vigor em 01.01.2007

  4. Quer dizer, à data da prática dos factos enunciados nestes autos estava já em vigor a acima referida condição de punibilidade

  5. Assim, a conduta do arguido só seria punível se, depois de decorridos 90 dias sobre o termo do prazo legal, não tivesse pago, nos 30 dias subsequentes, o valor das prestações em dívida, acrescidas dos respetivos juros e do valor da coima aplicável

  6. Ocorre que, conforme consta do despacho prévio à dedução da acusação, o arguido não foi notificado para aquele efeito

  7. Mais, aduz o Ministério Público naquele despacho que a falta daquela notificação não deverá constituir obstáculo à dedução da acusação, porquanto sempre o tribunal do julgamento poderia suprir aquela omissão, invocando o teor do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 409/2008, de 24-09, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 06.05.2008, proferido no Proc. n.º 1721/2008

  8. Acontece que não lhe assiste razão, pois aquela condição objetiva de punibilidade carecia de estar verificada em momento anterior à acusação, a qual devia ter sido alegada na referida peça processual, o que não sucedeu

  9. Porquanto, a jurisprudência que ali se invoca não tem aplicação ao caso em apreço

  10. Acresce que, segundo o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora nº 42/14.9TATMR.E1, de 10-01-2017 (relatado pelo Desembargador Carlos Berguete Coelho), “não contendo a acusação narração alguma que suporte a verificação da condição objetiva de punibilidade prevenida na al. b) do n.º4 do art. 105.º do RGIT, ou seja, de que os arguidos foram notificados em certa data para, em 30 dias, procederem ao pagamento das cotizações em dívida, acrescidos dos juros de mora devidos e coima aplicável, e que tais quantias não foram por eles pagas nesse prazo, não pode esta omissão ser suprida em momento ulterior…”

  11. Assim, é de excluir que o Tribunal possa ordenar aquela notificação na fase de julgamento

  12. Mais, para que os factos narrados na acusação constituam crime é necessário que os mesmos sejam puníveis

  13. A punibilidade do facto emerge em regra da sua tipicidade, ilicitude e da culpa do agente, salvo quando o legislador decide condicionar essa punibilidade à verificação de determinados factos objetivos, ou seja, quando existem condições objetivas de punibilidade, como é o caso dos autos

  14. As condições objetivas para a punibilidade do crime devem estar descritas na acusação, pois os factos ali descritos não serão puníveis e, portanto, não serão “crime” na aceção dos artigos 1.º, al. a) e 311.º, n.º 3, al. d), do CPP

  15. Tal levaria assim, na fase de julgamento, à rejeição da acusação

  16. A este respeito, citamos o Ac. da Relação de Évora de 24-09-2013 (Proc. nº 53/11.6TASRP.E1, disponível in www.dgsi.pt), onde se decidiu que “não contendo a acusação todos os elementos que permitam a condenação do arguido, incluindo a condição objetiva de punibilidade prevista na alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, na redação introduzida pela Lei n.º 53 -A/2006 (Acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 6/2008), a acusação é manifestamente improcedente e, assim, adequado o uso do artigo 311.º, n.º 1, al. a), e 3, al. d), do Código de Processo Penal e sua consequente rejeição”

  17. Atentando na análise da doutrina efetuada por Cruz Bucho (Direito Penal, 2º vol. Lisboa, 1983, pág. 367-368 e 372), afirma o mesmo que “H.H. Jescheck é perentório ao afirmar que as condições objetivas de punibilidade comungam de todas as garantias do Estado de Direito, estabelecidas para os elementos do tipo (Tratado de Derecho Penal, Parte general, 4ª ed., trad. esp., Granada, 1993, pág. 508). Entre nós parece também ser esta a solução defendida por Teresa Beleza, quando assinala que quanto a estas condições funcionam as mesmas exigências de garantia da lei penal em termos de interpretação e de aplicação”

  18. Isto significa que, tal como os elementos típicos do crime, as condições objetivas de que depende a punibilidade da conduta do arguido devem constar da acusação, sob pena da sua manifesta improcedência

  19. Neste sentido, mas referindo-se à condição objetiva de punibilidade do crime de emissão de cheque sem provisão, cfr. Ac...

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