Acórdão nº 19/18.5GAFAG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 05 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA JOS
Data da Resolução05 de Maio de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório 1. No âmbito do processo comum singular n.º 19/18.5GAFAG do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda, Gouveia – Juízo de C. Genérica, por sentença proferida em 30.09.2020, o tribunal decidiu [transcrição parcial do dispositivo]: a) Condenar o arguido A., pela prática, em coautoria material, na forma consumada, e em concurso efetivo, de cinco crimes de furto qualificado, ps. e ps. pelo artigo 204.º, n.º 1, alínea j) do Código Penal, nas penas parcelares de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão por cada um dos crimes; b) Em cúmulo material pela prática dos ilícitos criminais referidos em a), condeno o arguido A na pena única de 3 (três) anos de prisão; c) Suspendo a execução da pena de prisão referida em b) pelo período de 3 (três) anos – cf. artigo 50.º, n.ºs 1 e 5 do Código Penal; d) Condenar o arguido JP, pela prática em coautoria material, na forma consumada, e em concurso efetivo, de cinco crimes de furto qualificado, ps. e ps. pelo artigo 204.º, n.º 1, alínea j) do Código Penal, nas penas parcelares de 2 (dois) anos de prisão por cada um dos crimes; e) Em cúmulo material pela prática dos ilícitos criminais referidos em d), condeno o arguido J. na pena única de 4 (quatro) anos de prisão; f) Suspendo a execução da pena de prisão referida em e) pelo período de 4 (quatro) anos – cf. artigo 50.º, n.ºs 1 e 5 do Código Penal; g) Condenar o arguido JJ pela prática, em coautoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de cinco crimes de furto qualificado, ps. e ps. pelo artigo 204.º, n.º 1, alínea j) do Código Penal nas penas parcelares de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de 5,00€ (cinco euros), perfazendo o montante global unitário de 1.000,00 (mil euros); h) Em cúmulo material pela prática dos ilícitos criminais referidos em g) condeno o arguido JJ. na pena única de 500 (quinhentos) dias de multa à taxa diária de 5,00€ (cinco euros), perfazendo o montante global de 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros); […] * Julgo totalmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante civil M., S.A. – cujo valor fixo em 13.876,00€ (treze mil oitocentos e setenta e seis euros), nos termos do preceituado no artigo 297.º, n.º 1 do Código de Processo Civil – e, em consequência condeno os arguidos/demandados civis A., J. e JA a pagarem à demandante civil MEO – Serviços de Comunicações e Multimédia, S.A. a quantia global de 13.876,00€ (treze mil oitocentos e setenta e seis euros) a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora contados desde a data da notificação dos arguidos/demandados civis realizada em último lugar para contestarem o pedido de indemnização civil contra eles deduzido, calculado à taxa legal fixada para os juros civis, e até efetivo e integral pagamento.

[…] * Declaro perdidos a favor do Estado uma cisalha de cor amarela de marca “7FUERTE”, uma serra de madeira de cor laranja, uma serra de metal enferrujada, corda de nylon com cerca de 7,50 metros de comprimento, uma cisalha de cor vermelha e cabos, melhor id. nos autos de apreensão de fls. 13, 113 e 114 e 25 e 26 dos autos apensos respeitantes ao NUIPC 78/18.0GASEI, e determino a sua destruição, devendo ser junto aos autos o competente auto de destruição – cf. artigo 109.º, n.ºs 1 e 4 do Código Penal.

[…].

  1. Inconformados com a decisão recorreram os arguidos JP e JJ, formulando as seguintes conclusões: I) Os recorrentes insurgem-se contra a factualidade dada como provada, nomeadamente nos factos 1 a 28, 31, 32, 33, 54 a 58, por deles não haver prova, porquanto nenhumas das testemunhas os presenciaram.

    II) Em boa verdade, o Tribunal recorrido alicerçou a sua decisão apenas nas declarações prestadas pelo coarguido A em sede de inquérito nos termos do art. 141.º n.º 4 al. b) do CPP, sendo as mesmas reproduzidas em audiência de julgamento, sendo que essas declarações não podem constituir meio de prova, em face do disposto no art. 345.º nº 4 do CPP.

    III) Se é certo que a Lei 20/2013 de 21 de Fevereiro, na redação que deu ao art. 357.º n.º 1 al. b) do CPP, veio “aceitar” como prova as declarações prestadas em sede de inquérito por arguido, valendo a sua livre apreciação, também é certo que tal realidade tem a limitação imposta pelo art. 345.º do mesmo Código.

    IV) Se um arguido prestou declarações em inquérito a desfavor dos demais coarguidos, as mesmas reproduzidas em audiência de julgamento não podem ser valoradas contra esses, se o arguido que as prestou se remeter ao silêncio ou se estiver ausente, uma vez que não existe possibilidade de o contrainterrogar.

    1. Para as declarações de um arguido poderem valer contra os demais coarguidos, estes têm de ter a possibilidade e o direito de as contraditar, devendo ser-lhe assegurado o exercício do contraditório, nos termos do art. 327.º n.º 2 e 323º f) do CPP.

      VI) No caso dos autos, esse contraditório só poderia ser feito com a inquirição do arguido que prestou declarações, uma vez que foi ele o único alicerce para a decisão, e visto que o conhecimento das testemunhas acerca dos factos foi apenas e tão só indireto.

      VII) O silêncio a que os arguidos se remeteram, nos termos do art. 61.º n.º 1 al. d) do CPP, não lhes pode ser desfavorável nem pode prejudica-los: VIII) Não se revela adequado nem constitucionalmente admissível, defender-se que pelo facto de os arguidos recorrentes se remeterem ao silêncio “perderam a oportunidade” de exercer o contraditório, uma vez que contraditório, in casu, era impossível de ser exercido.

      IX) De qualquer forma, mesmo que as declarações prestadas em sede de inquérito pudessem ser admitidas como meio de prova a ser apreciada livremente pelo tribunal, a verdade é que sempre seria necessário que fossem corroboradas por outros meios de prova, o que não aconteceu.

    2. O valor das declarações do arguido exigem especiais ponderações pelo julgador, e são um meio particularmente frágil, pelo que só com demais prova adicional se pode fundamentar uma condenação.

      XI) Uma vez que mais nenhuma prova existe sobre a ligação dos recorrentes aos factos, não poderia ter o Tribunal a quo decidido pela condenação, violando os princípios da investigação, livre apreciação e in dubio pro reo.

      XII) A sentença recorrida violou os artigos 32.º nº 2 e 5 da Constituição da República Portuguesa, 323.º, alínea f), 327.º, n.º 2 e 345.º n.º 4 todos do Código de Processo Penal.

      Pelo que deve ser revogada a decisão de que se recorre, absolvendo-se os recorrentes, e fazendo-se dessa forma JUSTIÇA! 3. Foi proferido despacho de admissão do recurso.

  2. Em resposta ao recurso, o Ministério Público concluiu: 1. As declarações de coarguido valem como meio de prova, a apreciar livremente pelo Tribunal.

  3. O direito ao contraditório não se resume ao direito a exercer o contrainterrogatório.

  4. Conjugados os elementos probatórios analisados na motivação da sentença recorrida, resulta que o juízo que o Tribunal a quo formulou sobre a prova produzida assenta em critérios lógicos e racionais e no uso de regras da experiência, não existindo razões que justifiquem a alteração da decisão sobre a matéria de facto.

  5. O Tribunal a quo não violou qualquer norma, designadamente as invocadas pelos recorrentes.

    Pelo exposto e pelos fundamentos constantes da decisão recorrida, aos quais se adere, deve a mesma ser confirmada e negar-se provimento ao recurso apresentado por JP e JJ, assim se fazendo justiça! 5. Na Relação o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pronunciando-se no sentido de o recurso não merecer provimento.

  6. Cumprido o n.º 2, do artigo 417.º do CPP, nenhum dos interessados reagiu.

  7. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cabendo agora decidir.

    1. Fundamentação 1. Delimitação do objeto do recurso Tendo presente as conclusões, pelas quais se delimita o objeto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de eventuais questões de natureza oficiosa, no caso em apreço importa decidir se o tribunal a quo procedeu à valoração proibida de prova, concretamente no que respeita às declarações, prestadas nos termos e para os efeitos do artigo 141.º, n.º 4, alínea b), do CPP, na parte em que o foram em prejuízo dos co-arguidos/recorrentes.

  8. A decisão recorrida Ficou a constar da sentença em crise [transcrição parcial]: 2.1.

    Factos provados Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos: (NUIPC 20/18.9GBGVA) 1) No dia 02 de Fevereiro de 2018, os arguidos A, JJ e JP decidiram que naquela noite iriam apoderar-se de bens ou valores que encontrassem, com o intuito de os fazerem seus.

    2) Assim, no decurso do plano previamente elaborado, e em comunhão de esforços e vontades, os arguidos A, JJ e JP, nesse mesmo dia, em hora não concretamente apurada, mas sendo já de noite, no período de fim de tarde/início de noite, fizeram-se transportar no veículo automóvel de matrícula (…), de marca Ford, modelo Transit, conduzido por JP, utilizador habitual do referido veículo, e dirigiram-se à localidade de (…), mais concretamente junto ao traçado aéreo de uma linha de comunicações, destinada à exploração do serviço de comunicações fornecidos pela M. S.A., o que os arguidos bem sabiam, que ali se encontrava junto à EM555.

    3) Ali chegados, o arguido A saiu do referido veículo e após os arguidos JJ e JP retiraram-se daquele local, e foram estacionar o veículo em local próximo, onde aguardaram que o arguido A cortasse o cabo de comunicações e o acondicionasse para o transporte.

    4) O arguido A dirigiu-se para junto do traçado aéreo de uma linha de comunicações ali situado, e uma vez aí, com recurso a duas zagaias, uma tesoura/cisalha de corte de ferro e uma corda de nylon, instrumentos fornecidos pelos arguidos JJ e JP, procedeu ao corte de dois postes de comunicações que ali se encontravam, de forma a colocar a linha de cobre ao nível do solo, após procedeu à remoção das estruturas que suportam o cabo de comunicações...

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