Acórdão nº 9038/19.3T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelCHAMBEL MOURISCO
Data da Resolução03 de Março de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

AA intentou duas ações, uma emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma do Processo Comum, a outra de impugnação de despedimento coletivo depois convolada em ação de processo comum, ambas apensadas, contra Crinabel – Cooperativa de Ensino Especial e Solidariedade Social CRL pugnando pela aplicação do contrato coletivo de trabalho vigente entre a AEEP e a FNE, publicado no BTE 14, de 15 de abril de 2009 e o vigente entre AEEP e a FENPROF, publicado no BTE 8, de 28 de fevereiro de 2009, peticionando em ambas as ações que seja calculado o valor correto da indemnização e diuturnidades que lhe foi paga em virtude do despedimento coletivo que foi alvo, pois que tal indemnização legal foi calculada com base no CCT entre CNIS e a FEPCES (BTE 11 de 22 de março de 2008) e que sendo calculado como propugna conduziria a que o valor da compensação devida por força do despedimento fosse superior àquela que recebeu.

Por outro lado, por força da relação laboral que manteve com a R. peticiona as diferenças salarias entre os valores que lhe foram pagos ao longo da execução do contrato a título de remuneração e de diuturnidades e o valor que entende ser devido por força da aplicação do dito CCT.

  1. A R. apresentou contestação negando a aplicação do dito CCT, referindo que a atividade principal da R. é a solidariedade social e não a educação, tendo até deixado de ministrar formação, e que esta, quando era ministrada, não conferia qualquer grau de ensino profissional reconhecido, defendendo a aplicação do CCT aplicável às instituições de solidariedade social como sucedeu e nessa medida pela improcedência total da ação.

  2. Realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que decidiu julgar a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a Ré do pedido.

  3. Inconformado, o Autor interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação decidido:

    1. Confirmar, com distinto fundamento, a sentença, relativamente ao Proc.º 9038/19… b) Revogar a sentença no concernente ao Proc.º 9039/19…, condenando a R. a pagar ao A. a quantia que se vier a liquidar relativa a diferenças na remuneração base e diuturnidades desde janeiro de 2009 até 31/03/2018, acrescida de juros de mora à taxa anual de 4% conforme sobredito.

  4. Inconformada com esta decisão, a Ré interpôs recurso de revista, tendo formulado as seguintes conclusões: 1) O acórdão recorrido respeita a duas ações, inicialmente processadas, respetivamente, sob os n.ºs 9038/19……… (distribuída ao Juiz …… do Juízo do Trabalho …….), e nº 9650/19…….. (distribuída ao Juiz ….. do Juízo do Trabalho ……..).

    2) Entretanto sobreveio, nos termos do art.º 267º do C.P.C., a junção das duas sobre mencionadas ações, mediante a operação material de apensação de processos, sendo o segundo dos acima referidos apenso ao Proc.º n.º 9038/19………, continuando a sua tramitação no Juiz …. do Juízo do Trabalho do Tribunal da Comarca ……. .

    3) Na sequência da apensação as ações são processadas como uma única, com instrução e julgamento conjunto, não perdendo, todavia, a sua autonomia, subsistindo a individualidade dos pedidos formulados, dos valores processuais e das respetivas sucumbências. Razão pela qual se esclarece que o presente recurso é interposto da decisão do Tribunal da Relação …….. que declarou procedente a apelação da sentença da 1ª instância na parte respeitante ao processo apenso, isto é: o aí processado sob o nº 9650/19……… .

    4) A questão essencial a decidir, na dita ação, como na apelação de cuja decisão se recorre, vem a ser a de saber, se durante o período temporal a que se referem causa de pedir e pedido, qual o IRCT aplicável às relações jurídico-laborais entre a ora recorrente e o recorrido: 4.1 - Se serão os contratos coletivos de trabalho celebrados entre a AEEP – Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a Federação Nacional da Educação, e outro, entre a AEEP e o SINAP – Sindicato Nacional dos Professores da educação e o SPLIU – Sindicato dos Professores Licenciados pelos Politécnicos e Universidades e (ainda!) a AEEP e a FENPROF – Federação Nacional dos Professores e Outras – como pretende o A., não se sabe se simultânea ou sucessivamente, supostamente por força de uma Portaria de Extensão (nº 25/2010 de 11 de Janeiro).

    4.2 - Ou se – como sustenta a R. – o IRCT que é aplicável a tais relações laborais, como Cooperativa do Ramo da Solidariedade Social que é, vem a ser o contrato coletivo de trabalho entre a Confederação Nacional de Instituições de Solidariedade Social (CNIS) e a Federação Portuguesa de Sindicatos do Comércio, Escritórios, Serviços e Outras (entre os quais a FENPROF e a FNE), cuja última versão consolidada foi publicada no BTE nº 11 de 22/3/2008 – e posteriormente objeto da Portaria de Extensão publicada no BTE nº 20 de 29/5/2010, em vigor à data da decisão a que se refere o art.º 363º do CT.

    5) Estas Portarias de Extensão carecem de interpretação, designadamente no que se refere à Portaria nº 25/2010 de 11 de janeiro (D.R. 1ª Série nº 6 de 11 de janeiro de 2010), principalmente no que se refere aos seus destinatários. Matéria esta que, tal como a determinação do IRCT qualificável como aplicável se afigura idónea para apreciação por um Tribunal de Revista.

    6) Aí se regula que a dita Portaria é aplicável “às relações de trabalho entre estabelecimentos de ensino particular e cooperativo não superior, não filiadas na associação de empregadores outorgantes, que beneficiem de apoio financeiro do Estado para despesas de pessoal e funcionamento, mediante a celebração dos correspondentes contratos…”.

    7) Com efeito, o art.º 11º do Código do Trabalho fornece a seguinte noção de contrato de trabalho: “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outras pessoas, no âmbito da organização e sob a autoridade desta.” 8) Não há estabelecimentos (v.g. de ensino) que tenham personalidade jurídica. Como reconhece maioritária, senão unanimemente a doutrina – cfr. por todos António Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 17ª edição, págs. 225 e segs) e António Menezes Cordeiro (Direito do Trabalho Volume I, 2019, § 43º págs. 443 a 448 e § 53º págs. 581 a 590), partes no contrato de trabalho são pessoas (singulares ou coletivas, na posição de empregador) e não empresas ou estabelecimentos, sendo que tais termos são frequentemente usados como expediente linguístico, que permite ao legislador determinar medidas em relação às organizações produtivas, sem ter de explicitar tratar-se de conjuntos articulados e dirigidos de meios materiais e humanos.

    9) O que se diz da “empresa” (que Menezes Cordeiro considera um conceito quadro) pode dizer-se, com as necessárias adaptações, de estabelecimento. Aliás, o Código do Trabalho frequentemente equipara empresa e estabelecimento (cfr. arts 309º a 316º, 242º, 346º, 285º a 287º, etc). Quando não o faz serve-se do termo estabelecimento para designar o local de trabalho.

    10) Assim, é evidente que, na Portaria de Extensão n.º 25/2010 de 11/01, quando se referem “as relações de trabalho entre estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, se está a usar um expediente linguístico para designar titulares de estabelecimentos de ensino particular e estabelecimentos de ensino cooperativo.

    11) Já o chamado Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo (aprovado pelo D.L. n.º 152/2013 de 14/11/2013) mostra um módico de precisão neste aspeto no seu art.º 8.º, onde se dispõe: “O Estado celebra contratos de diversos tipos com as entidades titulares de ensino particular e cooperativo, nos termos do artigo seguinte. Mas logo “no artigo seguinte” se alude a “contratos celebrados entre o Estado e as escolas particulares e cooperativas…”. E daí em diante seguem-se profusas alusões a “obrigações das escolas”, “contratos com escolas”, “obrigações dos estabelecimentos”, e por aí fora.

    12) O tribunal recorrido detém-se no exame de algumas orientações da Lei de Bases do Sistema Educativo, aprovada pela Lei n.º 48/86 de 4/10 e nas “modalidades especiais de execução escolar” – art.º 19.º e seguintes. Notando que comportam a educação especial e a formação profissional. Relativamente à educação especial sublinha que por força do disposto na alínea g) do n.º 3 do art.º 20.º da dita lei de Bases, tem relevo, no seu âmbito “a preparação para uma adequada formação profissional e integração na vida ativa”.

    Note-se, porém, que a “preparação para uma adequada formação profissional”, não se confunde com formação profissional propriamente dita.

    13) Aliás em matéria de formação profissional há que entender que, para uma atividade se qualificar como tal, na aceção da dita Lei de Bases, há que atender ao disposto no nº 7 do art.º 21º “o aproveitamento de um módulo ou curso de formação profissional confere direito à correspondente certificação”. A formação no CRPC da recorrida, não fornecia qualquer grau ou certificação, mas apenas um atestado de frequência.

    14) No que se refere à formação profissional, o art.º 21.º da Lei de Bases dispõe que esta pode se estruturar “segundo formas institucionais diversificadas”, (fornecendo-se uma enumeração meramente exemplificativa) não podendo excluir-se dessas “formas institucionais” as Instituições Particulares de Solidariedade Social ou qualquer das “entidades coletivas” enumeradas no nº 5 do art.º 21º, a propósito de educação especial.

    15) Dir-se-á que, como é próprio dos textos proclamatórios e programáticos, as disposições da Lei de Bases do Sistema Educativo são tão amplas e ambíguas que “no conjunto dos meios pelo qual se concretiza o direito à Educação”, se podem compreender realidades e atividades tão diversas, que podem ir desde a formação profissional devida pelo empregador, nos termos dos arts 130.º a 134.º do Código do Trabalho, até certas atividades das Associações de Cultura e Recreio, passando pelas atividades educativas das...

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