Acórdão nº 2949/19.8T8CSC.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelDOMINGOS JOSÉ DE MORAIS
Data da Resolução29 de Novembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 2949/19.8T8CSC.S1 Origem: Juízo do Trabalho de Cascais - Juiz 2 Recurso revista per saltum Relator: Conselheiro Domingos Morais Adjuntos: Conselheiro Mário Belo Morgado Conselheiro Júlio Gomes Acordam os Juízes na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça I.

– Relatório 1. - AA, BB, CC, DD, intentaram acção declarativa comum de condenação contra C..., CRL, pedindo a condenação da Ré no pagamento das seguintes quantias: A. A título de diferenças salariais relativamente às retribuições pagas pela Ré e que deveriam ter sido pagas, nos termos previstos nas Convenções Colectivas de Trabalho celebradas entre a AEEP e a FENPROF, objecto de Portaria de Extensão (nº 25/2010 de 11 de Janeiro) e que entendem ser aplicável à relação laboral, em virtude da actividade laboral educativa por si prestada: 1.ª 8.954,68€, acrescido de juros de mora; 2.ª 64.691,64€, acrescido de juros de mora; 3.ª 66.839,90€, acrescido de juros de mora; 4.ª 48.601,30€, acrescido de juros de mora; B. A título de diuturnidades, com o mesmo fundamento: 1.ª 5.584,89€, acrescido de juros de mora; 2.ª 12.855,98€, acrescido de juros de mora; 3.ª 9.086,30€, acrescido de juros de mora; 4.ª 12.256,64€, acrescido de juros de mora; C. Acréscimo da compensação por despedimento colectivo, englobando os diferenciais retributivos e as diuturnidades: 1.ª 8.710,66, acrescido de juros de mora; 2.ª 20.037,03, acrescido de juros de mora; 3.ª 23.001,38, acrescido de juros de mora; 4.ª 12.373,41, acrescido de juros de mora.

D. A pagar à 2.ª Autora o diferencial relativo ao não pagamento da totalidade da percentagem de 20% de retribuição por isenção de horário de trabalho referente aos anos de 2009 a 2018, no valor de 10.597,34€, acrescido de juros de mora; E. Caso assim não se entenda, o pagamento das quantias devidas a título de diuturnidades e, consequentemente, os acréscimos às compensações por despedimento colectivo, por aplicação das Convenções Colectivas de Trabalho celebrados entre a CNIS e a FENPCES, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos.

2.

- A Ré contestou, alegando em síntese: (i) a Ré é uma Cooperativa de Solidariedade Social, não correspondendo a actividade de ensino e de formação ao seu objecto principal, não sendo verdadeiramente titular de um estabelecimento de ensino, pelo que não se lhe poderá aplicar o CCT em causa; (ii) existem manifestos erros de cálculo, em todo o caso; (iii) que a remissão para a CCT entre a AEEP e a FENPROF nos contratos de trabalho celebrados entre si e a 3.ª e 4.ª Autoras se trata de erro, sendo que, por outro lado, se limita a regular o que já não estiver disciplinado no contrato; (iv) os juros de mora encontram-se prescritos, por não acompanharem a previsão do artigo 337.º, n.º 1, do CCT, que se cinge ao crédito principal, correspondendo a abuso de direito peticionar-se juros de mora tantos anos volvidos desde o vencimento de eventuais créditos laborais.

3.

- Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “(J)ulga-se a acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e decide-se: A. Condenar a Ré C..., CRL, no pagamento das quantias de: i. 16.030,51€ (dezasseis mil e trinta euros e cinquenta e um cêntimos) à Autora AA, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações, até efectivo e integral pagamento; ii. 68.330,83€ (sessenta e oito mil, trezentos e trinta euros e oitenta e três cêntimos) à Autora BB, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações, até efectivo e integral pagamento; iii. 15.029,08€ (quinze mil e vinte e nove euros e oito cêntimos) à Autora CC, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações, até efectivo e integral pagamento; iv. 39.836,73€ (trinta e nove mil, oitocentos e trinta e seis euros e setenta e três cêntimos) à Autora DD, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações, até efectivo e integral pagamento; B. Absolver a Ré C..., CRL, do demais peticionado; C. Condenar Ré e Autoras em custas, na proporção do respectivo decaimento.

”.

4.

– A ré interpôs recurso de revista, per saltum, concluindo: 1) A questão essencial a decidir na acção a que respeita a Sentença recorrida vem a ser a de saber, se durante o período temporal a que se referem causa de pedir e pedido, qual o IRCT aplicável às relações jurídico-laborais entre a ora recorrente e as recorridas: 1.1 - Se serão os contratos colectivos de trabalho celebrados entre a AEEP – Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a Federação Nacional da Educação, e outro; entre a AEEP e o SINAP – Sindicato Nacional dos Professores da educação e o SPLIU – Sindicato dos Professores Licenciados pelos Politécnicos e Universidades e (ainda!) a AEEPeaFENPROF–FederaçãoNacionaldosProfessoreseOutras–como pretendem as AA., não se sabe se simultânea ou sucessivamente, supostamente por força de uma Portaria de Extensão (nº 25/2010 de 11 de Janeiro).

1.2 - Ou se – como sustenta a R. – o IRCT que é aplicável a tais relações laborais, como Cooperativa do Ramo da Solidariedade Social que é, vem a ser o contrato colectivo de trabalho entre a Confederação Nacional de Instituições de Solidariedade Social (CNIS) e a Federação Portuguesa de Sindicatos do Comércio, Escritórios, Serviços e Outras (entre os quais a FENPROF e a FNE), cuja última versão consolidada foi publicada no BTE nº 11 de 22/3/2008 – e posteriormente objecto da Portaria de Extensão publicada no BTE nº 20 de 29/5/2010, em vigor à data da decisão a que se refere o art.º 363º do CT.

2) Estas Portarias de Extensão carecem de interpretação, designadamente no que se refere à Portaria nº 25/2010 de 11 de Janeiro (D.R. 1ª Série nº 6 de 11 de Janeiro de 2010), principalmente no que se refere aos seus destinatários. Matéria esta que, tal como a determinação do IRCT qualificável como aplicável se afigura idónea para apreciação por um Tribunal de Revista.

3) Aí se regula que a dita Portaria é aplicável “às relações de trabalho entre estabelecimentos de ensino particular e cooperativo não superior, não filiadas na associação de empregadores outorgantes, que beneficiem de apoio financeiro do Estado para despesas de pessoal e funcionamento, mediante a celebração dos correspondentes contratos…”.

4) Com efeito, o art.º 11º do Código do Trabalho fornece a seguinte noção de contrato de trabalho: “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outras pessoas, no âmbito da organização e sob a autoridade desta.” 5) Não há estabelecimentos (v.g. de ensino) que tenham personalidade jurídica. Como reconhece maioritária, senão unânimemente a doutrina, partes no contrato de trabalho são pessoas (singulares ou colectivas, na posição de empregador) e não empresas ou estabelecimentos, sendo que tais termos são frequentemente usados como expediente linguístico, que permite ao legislador determinar medidas em relação às organizações produtivas, sem ter de explicitar tratar-se de conjuntos articulados e dirigidos de meios materiais e humanos.

6) O que se diz da “empresa” (que Menezes Cordeiro considera um conceito quadro) pode dizer-se, com as necessárias adaptações, de estabelecimento. Aliás, o Código do Trabalho frequentemente equipara empresa e estabelecimento (cfr. art.ºs 309º a 316º, 242º, 346º, 285º a 287º, etc). Quando não o faz serve-se do termo estabelecimento para designar o local de trabalho.

7) Assim, é evidente que na Portaria de Extensão nº 25/2010 de 11/01, quando se referem “as relações de trabalho entre estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, se está a usar um expediente linguístico para designar titulares de estabelecimentos de ensino particular e estabelecimentos de ensino cooperativo.

8) Já o chamado Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo (aprovado pelo D.L. nº 152/2013 de 14/11/2013) mostra um módico de precisão neste aspecto no seu art.º 8º, onde se dispõe: “O Estado celebra contratos de diversos tipos com as entidades titulares de ensino particular e cooperativo, nos termos do artigo seguinte. Mas logo “noartigo seguinte” sealude a “contratos celebrados entreo Estado e as escolas particulares e cooperativas…”. E daí em diante seguem-se profusas alusões a “obrigações das escolas”, “contratos com escolas”, “obrigações dos estabelecimentos”, e por aí fora.

9) Na sentença recorrida pretende-se que as funções das autoras (particularmente da 1ª e 2ª autoras) constituem uma imagem suficiente das actividades desenvolvidas no Centro de Recuperação Profissional (CRPC) da Ré, com “perfeita correspondência com os objectivos plasmados no art.º 17º, 3 da Lei de Bases do Sistema Educativo”, o que leva à consideração de que “estamos, com o CRPC perante uma forma de educação especial (sic) tendente à integração profissional do deficiente, que constitui uma modalidade especial de educação escolar”.

10) Louva-se ainda o Tribunal recorrido na noção de educação especial fornecida pela Lei nº 9/89, de 2 de Maio – Lei de Bases da Prevenção e da Reabilitação e Integração das Pessoas com deficiência (aliás, posteriormente substituída e revogada pela Lei nº 38/2004 que “Define as bases gerais do regime jurídico da prevenção, habilitação, reabilitação e participação de pessoa com deficiência” (atrás mencionada a propósito das actividades do CAO).

11) Ampara-se ainda no estatuído no nº 2 do art.º 2º do Decreto-Lei nº 3/2008 de 7 de Janeiro, acerca dos “objectivos da educação” especial, estatuição essa que, por relativamente indeterminada, também poderia corresponder/descrever a algumas das actividades do Centro de Actividades Ocupacionais (CAO) da Ré.

12) Concluindo-se, enfim, por se qualificar o CRPC como um estabelecimento autónomo (escola) de educação especial, qualificável para a aplicação do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo aprovado pelo Decreto-Lei nº 152/2013.

13) Ora, a...

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