Acórdão nº 38/20.1T8ODM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelBERGUETE COELHO
Data da Resolução23 de Março de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora * 1. RELATÓRIO (…) impugnou judicialmente a decisão administrativa da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, proferida, em 15.04.2019, no processo autónomo de cassação n.º 211/2019, que determinou a cassação do título de condução n.º E-94410 de que é titular, por se verificarem os legais pressupostos, decorrentes de condenações em penas acessórias de proibição de conduzir, pela prática de dois crimes de condução de veículo em estado de embriaguez e consequente perda de doze pontos, nos termos dos arts. 121.º-A e 148.º do Código da Estrada (CE).

Enviados os autos ao Ministério Público, foram estes remetidos a juízo nos termos e para os efeitos do disposto no art. 62.º do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), aprovado pelo Dec. Lei n.º 433/82, de 27.10, na redacção actual.

Admitida a impugnação, no Juízo de Competência Genérica de Odemira do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, foi esta decidida por despacho (art. 64.º, n.º 1, do RGCO), que a julgou improcedente e, em consequência, manteve a decisão de cassação do título de condução aplicada ao arguido (…).

Inconformado com tal decisão, o arguido interpôs recurso, formulando as conclusões: A. O Recorrente foi notificado da douta sentença, no dia 24/11/2020, que manteve a decisão da autoridade administrativa da cassação do seu título de condução, com fundamento no artigo 148º, nº 2 do Código da Estrada.

  1. Nos termos do artigo 148º, nº 4 do Código da Estrada, a subtração de pontos ao condutor tem como efeito, antes de se proceder à cassação do título de condução, fazer impender sobre o condutor a obrigação de frequentar uma ação de formação de prevenção rodoviária (5 ou menos pontos) e de se submeter a novo exame de código (3 ou menos pontos).

  2. No entanto, nenhuma destas oportunidades foi concedida ao Recorrente, primeiro porque tinha registados demasiados pontos (6 e não 5 ou menos) e depois porque não tinha nenhum.

  3. Tal resultado, colide com a ratio da Lei e a intenção do Legislador.

  4. Nos considerandos da Proposta de Lei 336/XII da Presidência de Conselho de Ministros, que aprovou o atual sistema de pontos e cassação do título de condução, poderá aferir-se em parte a sua ratio e a intenção do legislador, nomeadamente que “A carta por pontos constitui uma das ações chave da Estratégia Nacional de Segurança Rodoviária, aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros nº 54/2009, de 14 de maio. Pretende-se, com a sua implementação, aumentar o grau de percepção e de responsabilização dos condutores, face aos seus comportamentos, adoptando-se um sistema sancionatório mais transparente e de fácil compreensão”.

  5. Não sendo assim aceitável a sua condenação nos termos consignados na sentença recorrida, que confirma uma decisão administrativa que surpreendeu o Recorrente com a súbita cassação do título de condução com fundamento na subtração de pontos, sem que nunca tenha tido acesso aos mecanismos de compensação, ou seja, de recuperação de pontos, que a Lei prevê.

  6. Entende o Recorrente que, para além do que já se referiu, preveem-se formas de atribuição de pontos aos condutores, nos termos dos artigos 121º-A, nº 3 e 148º, nº 5 e 7 do Código da Estrada, possibilidade de que o Recorrente nunca pode dispor, impedindo, desta forma, as demais ações de prevenção a que estaria obrigado (se tivesse um ponto no registo) e, muito certamente, evitaria o cometimento de mais infrações e a manutenção do título de condução.

  7. Para além da questão essencial de o Recorrente não ter tido oportunidade para frequentar uma ação de formação de prevenção rodoviária, de forma voluntária, por não ter 1 (um) ponto registado, não foi permitido ao Recorrente o acesso a nenhum dos mecanismos de atribuição de pontos aos condutores.

    I. Mais se deixou consignado que sempre seria possível fazer um juízo de prognose favorável, uma vez que, desde 04/09/2017, não existe qualquer notícia de infração rodoviária praticada pelo Recorrente, tendo o Tribunal a quo considerado o facto como não provado.

  8. O Tribunal recorrido está vinculado ao princípio do Inquisitório, não tendo diligenciado pela obtenção do Registo Individual do Condutor atualizado, que viria a confirmar o facto alegado.

  9. Mesmo que não o fizesse, sempre teria de, em obediência ao princípio in dubio pro reo, valorar a prova a favor do Recorrente, considerando provado tal facto.

    L. O grau de censurabilidade das condutas do Recorrente já foi tido em conta para a determinação da medida da pena no âmbito dos processos crime, identificados na decisão impugnada, o que significa que não poderá ser novamente fundamento de decisão prejudicial ao Recorrente, sob pena de ilegalidade e até de inconstitucionalidade, uma vez que ninguém pode ser penalizado duas vezes pelo mesmo facto, como decorre dos termos do artigo 29º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa, estando assim violado o princípio ne bis in idem.

  10. Também não é verdade que não exista base legal para a suspensão temporária dos efeitos de um ato administrativo, designadamente a requerimento do interessado, devido a questão prejudicial ou outra atendível.

  11. Dispõe o artigo 124º, nº 1 do Código do Processo Penal, que “Constituem objecto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do Arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis.

    ” O. Da análise do elenco dos factos considerados provados e não provados pelo Tribunal a quo, não resulta qualquer referência ao arrependimento expresso pelo Recorrente, através do seu Mandatário, na Reclamação apresentada. Este é feito através do seu Mandatário, uma vez que não houve audiência, pelo que o Recorrente não teve oportunidade de expressar pessoalmente, perante o Tribunal, o seu arrependimento.

  12. Acresce que a nossa Lei concede um tratamento especial ao arrependimento do agente, quando seja sincero, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 72º, nº 2, alínea c) do Código Penal, norma cuja aplicação prescreve.

  13. Ora, entendemos haver matéria para recurso, porquanto, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 410º do Código do Processo Penal e artigo 73º, nº 1, alínea b) e nº 2 do Regime Geral das Contraordenações, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre argumentos e factos invocados pelo Recorrente na impugnação judicial, violando o disposto no artigo 374º, nº 2 Código do Processo Penal.

  14. Ao não se pronunciar sobre os argumentos invocados pelo Recorrente, o Tribunal proferiu sentença enferma de nulidade, por força do disposto do artigo 379º, nº 1, alínea c) do Código do Processo Penal, aplicado ex vi artigo 41º do Regime geral das Contraordenações.

  15. Mais deixamos consignado que a decisão da A.N.S.R. (confirmada pela sentença agora em crise) é uma decisão sancionatória, aplicada no âmbito do Direito Estradal, cuja prática da infração que levou à perda dos últimos seis pontos no registo individual de condutor, remonta a setembro de 2017.

  16. Considerando o Código da Estrada Lei especial e, portanto, aplicável ao caso que nos ocupa, entendemos estar prescrita a sanção acessória de cassação do título de condução, nos termos do artigo 188º do Código da Estrada, uma vez que já decorreram mais de 2 anos desde a data dos factos.

  17. Por outra via, haverá que considerar que, como já se disse, a prática dos atos que conduziram à perda dos últimos seis pontos, remonta a setembro de 2017, ou seja, há mais de três anos.

    V. Sendo certo quo Recorrente, mantem até ao momento a habilitação legal para a condução de veículos automóveis, que tem utilizado, sem que haja até ao momento, registo de qualquer transgressão estradal praticada pelo requerente.

  18. Atento o disposto nos termos do nº 5 do artigo 148º do Código da Estrada “No final de cada período de três anos, sem que exista registo de contraordenações graves ou muito graves ou crimes de natureza rodoviária no registo de infrações, são atribuídos três pontos ao condutor, não podendo ser ultrapassado o limite máximo de quinze pontos, nos termos do nº 2 do artigo 121.º-A.

    ” X. Assim, reconhecendo-se ao Recorrente a inexistência de infrações registadas nos últimos 3 anos, dever-lhe-á ser automaticamente atribuído um ponto no Registo Individual de Condutor, dispensando-se a intervenção de qualquer entidade administrativa.

  19. Nessas circunstâncias, deixa de estar preenchida a previsão para a cassação da carta de condução (zero pontos no seu registo individual de condutor), devendo permitir-se ao Recorrente a admissão a novo exame de código.

    Razões pelas quais se roga a V. Exas.:

    1. Reconhecer a prescrição da decisão administrativa que procedeu à cassação do título de condução; ou b) Reconhecer a atribuição ao Recorrente de um ponto no seu registo individual de condutor nos termos do nº 5 do artº 148º do Código da Estrada; c) Alterar a sentença e suspender a decisão de cassação do título de condução com o nº (…), por prazo que permita ao Recorrente frequentar voluntariamente ação de formação de prevenção rodoviária; d) Após o que deve considerar o registo do condutor com 1 (um) ponto; e) Permitindo-se consequentemente ao Recorrente a realização de um novo exame de código, que o Recorrente fará, permitindo-se assim manter, a final, o seu título de condução.

    O recurso foi admitido.

    O Ministério Público apresentou resposta, concluindo: A. A cassação do título de condução não se trata de uma sanção acessória e, como tal, não está sujeita ao pretendido prazo de prescrição.

  20. A cassação do título de condução é ordenada em processo autónomo, apenas iniciado após a ocorrência da perda total de pontos atribuídos ao título de condução, pelo que tal prazo, mesmo a aplicar-se, só poderia contar-se desde o trânsito em julgado da sentença judicial que foi determinante da perda total...

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