Acórdão nº 22/20.5GCLGS.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23 de Março de 2021
Magistrado Responsável | LAURA GOULART MAUR |
Data da Resolução | 23 de Março de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora Relatório No Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo de Competência Genérica de Lagos, foi o arguido (...) submetido a julgamento em Processo Comum e Tribunal Singular. Após realização de audiência de discussão e julgamento, o Tribunal decidiu: “1. Absolver o arguido (...) do crime de condução de veículo sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, p. e p. pelo Art.º 292º, n.º 2 ,do Código Penal, por que vinha acusado
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Condenar o arguido (...), pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo Art.º 292º, n.º 1, do Código Penal, na pena de setenta dias de multa, à razão diária de cinco euros, perfazendo o montante global de trezentos e cinquenta euros e a que correspondem quarenta e seis dias de prisão subsidiária
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Condenar o arguido (...) na pena acessória de proibição de conduzir todo e qualquer veículo motorizado, pelo período de quatro meses
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Condenar o arguido no pagamento de custas criminais, cfr. artigos 513.º e 514.º do Código de Processo Penal e 8.º, n.º 5, do Regulamento das Custas Processuais, com a taxa de justiça fixada em três unidades de conta. *** Deverá o arguido proceder à entrega da sua carta de condução na secretaria deste Tribunal ou em qualquer posto policial no prazo de dez dias após o trânsito em julgado da presente decisão - cfr. Art.º 69º, n.º 3 e Art.º 500º, n.º 2, ambos, do Código Penal - sob pena de, não o fazendo, cometer um crime de desobediência, ficando advertido de que o período de proibição de conduzir se inicia no dia seguinte ao trânsito em julgado da presente sentença
* Inconformado com a decisão, o arguido interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões: A- O recorrente foi condenado pelo Tribunal “a quo”, pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292º, n.º 1, do Código Penal, na pena de setenta dias de multa, à razão diária de cinco euros, perfazendo o montante global de trezentos e cinquenta euros e a que correspondem quarenta e seis dias de prisão subsidiária, na pena acessória de proibição de conduzir todo e qualquer veículo motorizado, pelo período de quatro meses, e no pagamento de custas processuais com a taxa de justiça fixada em três unidades de conta
B- Todavia, afigura-se ao recorrente, sem razão, C- pois, entre a colheita de sangue para exame efectuada às 22h18 minutos do dia 21-09-2019 que deu taxa de álcool no sangue de 2,24 g/l, e a ocorrência do acidente às 19h50m daquele dia, o intervalo de tempo é de 2h28m, sendo desconhecida a taxa aquando da hora da condução
D- No caso concreto, são desconhecidas e deveriam ter sido consideradas, as seguintes variáveis atinentes ao recorrente, no seu humilde entendimento: o que é terá bebido e quando, estado de saúde, temperatura, peso, se teria ingerido alimentos, ao tempo da ocorrência
E– Isto porque, a taxa de alcoolemia não se mantém estável nas horas que se seguem à ingestão de bebidas alcoólicas e o tempo de absorção do álcool ingerido pode variar entre os cinco e os quinze minutos depois da ingestão, se não há alimentos no estômago, e os trinta a sessenta minutos depois da ingestão, se for ingerido durante a refeição (cfr. http://www.cras.min-saude.pt/Brochura.pdf) , e o tempo que leva a absorção necessária para a taxa de álcool no sangue atingir o seu valor máximo pode variar entre a meia hora e as duas horas, e chegar até às seis horas
F- A colheita de sangue deve ser efectuada “no mais curto prazo possível” (cfr. Regulamento de Fiscalização da Condução sob o Efeito do Álcool, aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio), por ser considerado menos fiável porque não está sujeito a controlo metrológico como sucede com os alcoolímetros, e não é medida instantaneamente no momento da fiscalização, sendo que, entre o teor de álcool no ar expirado e o teor de álcool no sangue existe, geralmente, um grau de concordância razoável “desde que o tempo decorrido entre a medição do TAE e do TAS não seja superior a ½ hora” – cfr. “A alcoolemia e o Controlo Metrológico dos Alcoolímetros”, fls 4 e 5, http://www.ipq.pt/backFiles/CONTROLO_ALCOOLEMIA_08402.pdf)
G- No caso presente, os testes qualitativos deram “amostra contaminada”
H- A taxa de álcool e o estado de embriaguez não foram demonstrados por prova testemunhal
I- Quanto à alegada situação de a condução do veículo pelo recorrente não ter sido feita em condições de segurança, de relevar o facto de a participação de acidente de viacção, a folhas 7 dos autos, relatar que na data e hora do acidente: 2019-09-21, 19:50h, a indicação quanto à Estrada Municipal 537 era de: “Aderência pavimento – Molhado”
J- O recorrente exerceu um direito que lhe assiste, que é o direito ao silêncio
K- Em face do exposto, o recorrente impugna expressamente a matéria de facto dada como provada nos pontos 2., 3., 4., 5., 6., e 7, a qual deverá ser reapreciada e alterada pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora, procedendo à fixação em sentido negativo
L- E, entende o recorrente que não se tem por preenchido o elemento objectivo “conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l” e o elemento subjectivo “pelo menos por negligência”, do tipo do ilícito previsto no artigo 292.º do Código Penal
M- Não foi este, todavia, o entendimento do Tribunal “a quo”, que deu o crime de condução de veículo em estado de embriaguez por praticado pelo recorrente
N - Por isso, violou o Tribunal “a quo” o disposto no artigo 292.º do Código Penal
O- Em face do que vem dito, o recorrente deverá ser absolvido do crime de crime de condução de veículo em estado de embriaguez
Termos, em que, concedendo-se provimento ao presente recurso, deverá a Sentença do Tribunal “a quo” ser revogada/alterada e o recorrente ser absolvido do crime de condução de veículo em estado de embriaguez e da pena acessória
DECIDINDO na linha do exposto, farão V/Excelências, JUSTIÇA! * O recurso foi admitido
* O Ministério Público respondeu ao recurso nos seguintes termos: “ (…) O cerne do recurso interposto pelo recorrente centra-se no argumento de que, realizada a recolha sanguínea cerca de duas horas e meia após o acidente, terá de se concluir pelo efectivo desconhecimento da taxa de álcool que portava o arguido, aquando do exercício da condução
A esta questão elabora o Mmo. Juiz do Tribunal “a quo” pertinente e acertada argumentação, que acompanhamos na íntegra, e somente aproveitamos o ensejo para acrescentar que, a nível da jurisprudência superior, tal entendimento tem sido acolhido: No Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo com o nº408/09.6GAMMV.C1, refere-se que “os estudos realizados revelam que a alcoolemia afecta as capacidades físicas e psíquicas do condutor quase logo a seguir à ingestão da bebida alcoólica, atingindo um valor máximo no intervalo de 1/2 a 2 horas conforme as circunstâncias do momento. Quando se consome uma bebida alcoólica, o álcool passa em pouco tempo para o sangue: 15 a 30 minutos se ingerido fora da refeição, 30 a 60 minutos se a passagem é retardada pela presença de alimentos. Em face de tal, numa situação como a vertente, e mesmo considerando que o arguido havia ingerido bebidas alcoólicas minutos antes da ocorrência do acidente, certo é que quando foi feita a colheita de sangue (três horas depois) já estava em curso o processo de metabolização e, como tal, quanto mais se retardasse a realização do teste de alcoolemia mais beneficiado era o arguido. (…)”. Idêntico entendimento é seguido no Douto Acórdão da Relação de Évora, com o nº 407/12.0GEALR.E1, relatora Exma. Desembargadora Maria Isabel Duarte
Refere-se no ponto F do recurso interposto pelo recorrente que “a colheita de sangue deve ser efectuada “no mais curto prazo possível” (cfr. Regulamento de Fiscalização da Condução sob o Efeito do Álcool, aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio), por ser considerado menos fiável porque não está sujeito a controlo metrológico como sucede com os alcoolímetros, e não é medida instantaneamente no momento da fiscalização, sendo que, entre o teor de álcool no ar expirado e o teor de álcool no sangue existe, geralmente, um grau de concordância razoável “desde que o tempo decorrido entre a medição do TAE e do TAS não seja superior a ½ hora” – cfr. “A alcoolemia e o Controlo Metrológico dos Alcoolímetros”
A conclusão alcançada pela recorrente, de menor fiabilidade do exame de sangue para quantificação da taxa de álcool, merece reservas, tanto mais que nos termos do disposto no nº 5 do art. 6º do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas “o resultado do exame de sangue para quantificação da taxa de álcool prevalece sobre o resultado do teste no ar expirado realizado em analisador quantitativo”
Acresce, o Decreto-Regulamentar n.º 24/98, de 30 de Outubro (que consagrava no seu art. 6º um prazo máximo para efectuar a colheita sanguínea, nos seguintes termos: “A colheita do sangue deve ser efectuada no prazo máximo de duas horas a contar da ocorrência do acidente ou, nos restantes casos, após o acto de fiscalização) foi expressamente revogado pelo artigo 2° da Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio (lei que aprovou em anexo o regulamento que terá que se levar em consideração)
Ora o artigo 5º do referido regulamento, preceitua, actualmente, que a colheita de sangue é efectuada, no mais curto prazo possível, após o acto de fiscalização ou a ocorrência do acidente, pelo que efectivamente não prevê a lei qualquer prazo para a colheita de sangue. Já quanto aos procedimentos a seguir, para a obtenção do resultado do teste no ar expirado realizado em analisador quantitativo, o legislador consagra expressamente um período temporal “quando o teste realizado em analisador qualitativo indicie a presença...
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