Acórdão nº 02474/17.1BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA BENEDITA URBANO
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – RELATÓRIO 1.

A…………, devidamente identificada nos autos, recorre para este Supremo Tribunal do acórdão do TCAS, de 18.06.2020, que negou provimento ao recurso que interpôs da sentença do TAC de Lisboa de 16.12.2019, confirmando-a. Esta última tinha julgado a acção improcedente, absolvendo, em consequência, a entidade demandada dos pedidos.

Na presente acção, a A. exige do R. Estado português o pagamento de uma indemnização no valor de € 13.000,00 (acrescidos de juros de mora a contar da citação do R.) por alegados danos não patrimoniais que terá sofrido em consequência da demora na prolação da decisão final relativa ao processo de impugnação judicial que inicialmente tramitou no Tribunal Tributário de Lisboa com o n.º 2387/09.0BELRS. Impugnação judicial relacionada com a decisão de fixação do valor patrimonial atribuído pela, então, Direcção-Geral dos Impostos à fracção autónoma do prédio constituído em propriedade horizontal inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1935 AH da freguesia de S. Domingos de Benfica. Sublinhava a então A. que o Acórdão deste STA, em que foi proferida a decisão final no processo, data de 10.05.2017, quando é certo que, dada a simplicidade da causa, era razoável esperar que a mesma seria decidida no prazo máximo de 2 anos. Sustenta a A. que assim não foi porque os sistemas administrativo e judicial não foram eficazes, funcionando de forma muito deficiente.

  1. Inconformada com a decisão do TCAS, a A., ora recorrente, interpôs recurso junto deste STA, apresentando as respectivas alegações, concluindo do seguinte modo (cfr. alegações de fls. 214 a 229 – paginação SITAF): “1.ª A autora alegou ter sofrido danos não patrimoniais no valor de 13.000,00 euros, por ter sido excedido e violado o prazo razoável na prolação da decisão definitiva nos processos em que foi tratado o seu assunto jurídico, e pediu que o réu fosse condenado a pagar-lhe uma indemnização de igual montante.

    1. O acórdão começou por não discutir expressamente a questão que consistia em averiguar se só devia ser tido em conta, na determinação do prazo razoável de decisão, a duração do processo judicial, ou se devia contar-se todo o tempo desde o início do tratamento do assunto jurídico da autora, mas confirmou, também nesta parte, a sentença, assim violando os artºs. 20.º, n.º 4, da Constituição, 6.º, § 1.º, da Convenção, 2.º, n.º 1, do CPC e 97.º, n.º 1, da LGT.

    2. O acórdão negou provimento ao recurso porque a 1.ª instância apenas dera como provados alguns dos factos constitutivos dos danos não patrimoniais alegados pela autora e os mesmos não foram considerados relevantes e indemnizáveis face ao disposto no arts. 496.º, n.º 1, do CC, ficando sem se saber se os que não ficaram provados seriam ou não ressarcíveis.

    3. Tem-se entendido que o art.º 6.º, § 1.º, da Convenção não é só aplicável aos atrasos verificados nos processos judiciais, também o sendo aos verificados nos processos administrativos, pelo menos nos casos em que estes são um precedente necessário e obrigatório daqueles, por o interessado ter de percorrer, antes da instância judicial, como ocorreu no caso em apreço, uma fase preliminar administrativa pela qual tem de começar o tratamento do seu assunto.

    4. De facto, é incontestável que a autora não podia requerer ao tribunal a inscrição e avaliação do imóvel, pelo que, em concreto, o processo administrativo é um precedente necessário e obrigatório do processo judicial, devendo, por isso, o respectivo tempo de duração ser tido em conta na determinação do prazo razoável 6.ª Também é de considerar que é entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência do TEDH que o art.º 6.º, § 1.º, da Convenção deve ser interpretado no sentido de o tempo decorrido entre o trânsito em julgado da decisão que julgou a causa e a notificação da conta final de custas também deve ser contado para a determinação da duração total do processo.

    5. Sendo assim, a duração do processo administrativo, entre 23-08-2005 e 23-11-2009, data em que se iniciou o processo judicial, não pode deixar de também ser tida em conta para a determinação do prazo razoável, somando-se à duração do processo judicial, pelo que é de 12 anos, 2 meses e 11 dias a duração global do processo e do tratamento do assunto jurídico da autora, o que agrava o grau de ilicitude do facto.

    6. Apenas se deram como provados alguns dos danos não patrimoniais e os mesmos foram considerados não relevantes, por se ter afastado indevidamente a aplicação ao caso do arts. 6.º, § 1.º, da Convenção, do que resultou violado, não se tendo aceitado a prova por presunção nem a notoriedade dos factos, antes se tendo entendido que sobre a autora recaía o ónus de fazer prova da factualidade alegada, nos termos do arts. 342.º, n.º 1, do CC, pelo que também resultaram violados os artºs. 349.º e 350.º, n.º 1, ambos do mesmo Código, 412.º, 1, do CPC, e 1.º, nºs. 1 e 2, 3.º, 7.º, nºs. 3 e 4, 9.º, 10.º, n.º 1, e 12.º, todos da lei n.º 67/07, de 31 de Dez.

    7. De facto, o TEDH e os tribunais nacionais têm entendido que os danos não patrimoniais decorrentes da violação do prazo razoável são factos notórios e ocorrem em todos os casos em que se verifique o pressuposto do dever de indemnizar da ilicitude, pelo que os mesmos se presumem, não necessitando de ser alegados nem provados.

    8. Está consolidada a jurisprudência no sentido de que o arts. 6.º, § 1.º, da Convenção também é aplicável aos atrasos excessivos verificados em processos em que se discutiram questões tributárias, não se distinguindo, nem havendo razões para distinguir, entre estes e os ocorridos em quaisquer outros processos, uma vez que é certo que as situações de atraso na justiça são todas iguais e têm as mesmas consequências, independentemente do tipo de processo em que se verificaram.

    9. Tanto o TEDH como os tribunais nacionais têm decidido que o art. 496.º, n.º 1, do CC deve ser interpretado de acordo com o arts. 6.º, § 1.º, da Convenção, de modo a dele se extrair um resultado útil, não se exigindo que os danos não patrimoniais alegados revistam uma especial gravidade para serem ressarcíveis.

    10. Nestes termos, dando-se provimento ao recurso, deve considerar-se ser a duração global do processo e do tratamento do assunto jurídico da autora a indicada na conclusão 8.ª, encontrando-se provados, por serem factos notórios ou por presunção, os danos não patrimoniais relevantes e ressarcíveis, revogar-se a sentença e o acórdão recorrido e condenar-se o réu na totalidade do pedido contra ele formulado”.

  2. O recorrido Estado português, aqui representado pelo Ministério Público (MP), apresentou as suas contra-alegações – nas quais pugna pela inadmissibilidade da revista ou, caso a mesma seja admitida, aderindo à fundamentação do acórdão recorrido – sem, contudo, apresentar as respectivas conclusões (cfr. contra-alegações de fls. 232-237 – paginação SITAF).

  3. Por acórdão deste Supremo Tribunal [na sua formação de apreciação preliminar prevista no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA], de 29.10.2020, veio a ser admitida a revista, na parte que agora mais interessa, nos seguintes termos: “(…) O TAC/L absolveu o R. do pedido indemnizatório contra si deduzido pela A. para o efeito considerando, no que aqui ora releva, que «no processo n.º 2387/09.0BELRS não estava em causa a “determinação de direitos e obrigações de carácter civil” nem apuramento do fundamento de uma “acusação em matéria penal”, mas sim a validade de um ato praticado pela administrativa tributária num procedimento preparatório e que visa determinar o valor de um bem para efeitos de liquidação de impostos» razão pela qual concluiu que «à luz da jurisprudência do TEDH, não é aplicável o artigo 6.º da CEDH» à situação e, passando à análise da pretensão, à luz do quadro normativo estritamente interno [arts. 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP), 02.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), 97.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT), 483.º a 498.º do Código Civil e do regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas (RRCEEEP), aprovado pela Lei n.º 67/2007, especificamente seus arts. 07.º, 09.º e 12.º], considerou não estar preenchido in casu o pressuposto de responsabilidade civil extracontratual relativo ao dano, pois «os danos morais que a autora logrou provar não atingem o limiar de gravidade que justifiquem a atribuição de uma compensação», não havendo que chamar à colação a jurisprudência do STA ancorada «na necessidade de interpretar e aplicar o regime que decorre do artigo 496.º do Código Civil de molde a produzir efeitos conformes com os princípios da Convenção, tal como são interpretados pela jurisprudência do TEDH» dado que «no caso concreto, a ilicitude não se funda no artigo 6.º da CEDH … pelo que não são transponíveis as razões fundamentadoras da jurisprudência referida» [cfr. fls. 109/141].

  4. O TCA/S confirmou este juízo, mantendo a sentença do TAC/L.

  5. Compulsados os autos importa, destarte, apreciar «preliminar» e «sumariamente» se se verificam os pressupostos de admissibilidade referidos no n.º 1 do citado art. 150.º do CPTA, ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

  6. A análise dos pressupostos da responsabilidade civil do Estado decorrente do atraso na administração da justiça envolve, por vezes, a apreciação de questões jurídicas de algum melindre e dificuldade e revela-se, também, complexa, visto envolver raciocínios que, apesar fundados na lógica, não deixam de estar imbuídos de alguma subjetividade, sendo que esta é, muitas vezes, suficiente para fazer pender o juízo decisório num ou noutro sentido.

  7. Ora a questão de saber se o art. 06º da CEDH se aplica a atrasos ocorridos em processos de índole fiscal...

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