Acórdão nº 116/21 de Tribunal Constitucional, 04 de Fevereiro de 2021

Data04 Fevereiro 2021
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 116/2021

3.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra (TRC), em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi pelo primeiro interposto recurso (cf. fls. 325-326), ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada pela sigla LTC), do «Acórdão proferido» nos autos com o qual o recorrente não se conforma (cf. requerimento de interposição de recurso, fl. 325), com vista à apreciação de três questões de constitucionalidade reportadas a interpretações, sucessivamente, do artigo 374.º do Código de Processo Penal, do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 49.º, do Código Penal.

2. Na Decisão Sumária n.º 762/2020 (cf. fls. 336-342), ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decidiu-se não conhecer do objeto do recurso, com os seguintes fundamentos (cfr. II – Fundamentação, 4. e ss.):

«II – Fundamentação

4. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo”, com fundamento no n.º 1 do artigo 76.º da LTC (cf. fls. 328), essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade dos recursos previstos nos artigos 75.º-A e 76.º, n.º 2, da LTC. Assim, cumpre, antes de mais, decidir se é possível conhecer do seu objeto.

5. Segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional, a admissibilidade do recurso apresentado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa; a questão de inconstitucionalidade normativa haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC); e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente (vide, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 618/98 e 710/04 – disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

Faltando um destes requisitos, o Tribunal não pode conhecer do recurso.

6. Cabendo aos recorrentes delinear o objeto do recurso (norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretendem ver apreciada), a aferição do preenchimento dos requisitos de que depende a admissibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional e, bem assim, a delimitação do objeto do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade devem ter por base o invocado no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional e reportar-se à decisão recorrida (ou decisões recorridas), tal como identificada(s) pelo recorrente no requerimento de interposição de recurso e que fixam o respetivo objeto – in casu, o «Acórdão proferido» com o qual o recorrente não se conforma, que corresponderá ao acórdão proferido, em último lugar, pelo TRC, em 9 de setembro de 2020 (cf. fls. 315 a 319 com verso), no qual se decidiu indeferir a reclamação, com fundamento em nulidade por omissão e excesso de pronúncia, deduzida pelo ora recorrente e dirigida contra o precedente acórdão do TRC de 15 de janeiro de 2020 (cf. fls. 268-275) que, por sua vez, confirmou o despacho proferido em primeira instância (de 5 de abril de 2019 que converteu a pena de 80 dias de multa, à taxa diária de 5€, em 53 dias de prisão subsidiária – cf. acórdão de 15/1/2020, I. Relatório, fl. 268).

7. Seja qual for o tipo de recurso interposto, deve o recorrente indicar obrigatoriamente a alínea do n.º 1 do artigo 70.º da LTC ao abrigo da qual o recurso é interposto, assim como a norma ou interpretação normativa que constitui objeto de tal recurso e cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende fazer sindicar pelo Tribunal Constitucional (n.º 1 do artigo 75.º-A da LTC). Para além destas duas especificações genéricas, carece ainda o recorrente, nos recursos fundados na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC (como no presente caso), de indicar a norma ou princípio constitucional ou legal que considera violado pela norma ou interpretação normativa que integra o objeto do recurso, bem como a peça processual em que o recorrente suscitou, durante o processo, a questão de inconstitucionalidade ou de ilegalidade (n.º 2 do artigo 75.º-A da LTC).

Resulta do teor do requerimento de recurso que o recorrente aí não indica expressamente a peça processual onde suscitou, durante o processo, as questões de constitucionalidade que agora pretende ver apreciadas.

Contudo, afigura-se desnecessário, no presente caso, o exercício da faculdade cometida ao relator pelo artigo 75.º-A, n.º 6, da LTC, de formulação de despacho de aperfeiçoamento, convidando o recorrente a indicar o elemento formal em falta no requerimento de interposição de recurso, já que da leitura do mesmo requerimento e da análise dos autos resulta que não se mostram verificados alguns pressupostos essenciais – e cumulativos – dos recursos de fiscalização concreta, interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, como sucede in casu.

8. Resulta dos autos que não estão preenchidos dois pressupostos, essenciais e cumulativos, de admissibilidade dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – o pressuposto relativo à prévia suscitação adequada de uma questão de inconstitucionalidade normativa perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigo 72.º, n.º 2, da LTC) e o pressuposto relativo à ratio decidendi (artigo 79.º-C da LTC).

8.1 Sendo a decisão recorrida para o Tribunal Constitucional o acórdão proferido, em último lugar, pelo TRC, em 9/9/2020, do teor do requerimento de arguição de nulidade do precedente acórdão de 15/1/2020 (decidido por aquele acórdão de 9/9/2020 no sentido do seu indeferimento) – e pese embora se tratar de incidente pós-decisório que não constitui já, em princípio, o momento processual adequado para suscitar uma questão de constitucionalidade – resulta com evidência que aí não são suscitadas, previamente e de modo adequado, as três questões, reportadas a normas do CPP e do CP, que o recorrente enuncia como objeto do recurso de constitucionalidade – apenas no ponto 20. referindo expressamente o artigo 49.º, n.º 3, do CP (que o recorrente erige como objeto do presente recurso), ao mencionar, por referência à Conclusão 13.ª, uma «inconstitucionalidade decorrente da violação do plasmado no artigo 49.º, n.º 3, do CP», o que não constitui, em qualquer caso, uma suscitação prévia de modo adequado de uma qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.

Tanto bastaria para não conhecer do objeto do recurso.

8.2 Acresce todavia um outro fundamento que igualmente determina a inadmissibilidade do presente recurso interposto do acórdão do TRC de 9/9/2020: a falta de preenchimento do pressuposto relativo à ratio decidendi, já que resulta do teor daquele acórdão do TRC que o mesmo não aplicou como sua ratio decidendi qualquer das normas que o recorrente erige como objeto do recurso. E nem de outro modo poderia ser, dado que aquele acórdão de 9/9/2020 apenas apreciou e decidiu, para além da questão prévia, a invocada nulidade, por omissão e excesso de pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP.

9. Acresce, ex abundantis, que ainda que o recorrente pretendesse interpor recurso de constitucionalidade do precedente acórdão do TRC de 15/1/2020 – o que o recorrente não mencionou no requerimento de recurso –, também não estariam preenchidos, em qualquer caso, os pressupostos, essenciais e cumulativos, de que depende a admissibilidade do recurso de constitucionalidade com o objeto fixado pelo recorrente.

Com efeito, no momento processual que, nesse caso, seria adequado para o cumprimento do ónus de prévia suscitação adequada de uma questão de inconstitucionalidade normativa (artigo 72.º, n.º 2, da LTC) – as alegações de recurso para o TRC – o recorrente não suscita a questão reportada ao artigo 49.º, n.º 1, do CP nos exatos termos em que enuncia o objeto do recurso de constitucionalidade reportado a tal preceito (cf. alegações de recurso para o TRC, conclusão 14.ª).

Além disso, e quanto às questões que ora pretende ver apreciadas, incluindo as reportadas ao artigo 374.º do CPP e ao artigo 49.º, n.º 3, do CP – estas mencionadas na conclusão 13.ª das alegações de recurso para o TRC –, as mesmas não revestem carácter normativo, sendo enunciadas por referência aos contornos do caso concreto e da situação do arguido (nomeadamente por referência à valoração da prova e aos factos não provados e suficiência da prova e, ainda, à prova da razão do não pagamento da multa), imputando o recorrente inconstitucionalidades ao próprio despacho então recorrido, ao qual imputa simultaneamente a violação dos próprios preceitos legais que fixa como objeto do recurso de constitucionalidade (cf. em especial Conclusões 13.ª e 15.ª).

A subsunção da situação dos autos nas normas legais aplicáveis, em função dos concretos contornos do caso dos autos e da prova produzida, é da exclusiva competência das instâncias, em termos que não cumpre a este Tribunal sindicar. Com efeito, não compete ao Tribunal Constitucional sindicar o juízo subsuntivo seguido nas instâncias, em face dos concretos...

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