Acórdão nº 1352/20.1T9STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelLAURA GOULART MAUR
Data da Resolução09 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora Relatório No âmbito dos autos com o NUIPC nº1352/20.1T9STB, foi, em 29.10.2020, proferida a seguinte decisão: “I ¯ RELATÓRIO (…), inconformado com a decisão proferida pela Autoridade Nacional da Segurança Rodoviária (ANSR), no âmbito do processo autónomo de cassação n.º783/2019, que decretou a cassação do seu título de condução, veio de tal decisão interpor o presente recurso de impugnação judicial, no prazo legal e em cumprimento das legais formalidades, tendo, para o efeito, apresentado conclusões nos seguintes termos (em súmula): a) Não coloca em causa as condenações sofridas pela prática de dois crimes de condução de veículo em estado de embriaguez, por força das quais lhe foram aplicadas penas acessórias de proibição de conduzir veículos motorizados; b) Sem embargo, entende que tal cassação não deverá in casu ser decretada, por não lhe ter sido alertado, seja nas acusações, seja depois nas sentenças, a possibilidade de poder vir a ser decretada tal cassação, existindo, por assim dizer, uma violação do dever de informação imposto pelos artigos 283.º e 374.º do C.P.P. e, por via disso, das suas garantias de defesa; c) Além disso, alega que a decisão de decretação da cassação do seu título foi tomada por uma entidade administrativa e não pelo Tribunal, o que consubstancia, em seu entender, uma violação do princípio constitucional da separação de poderes, previsto no art. 111.º da C.R.P.; d) Por fim, defende que o próprio art. 148.º do C.E. é inconstitucional, por violação do princípio ne bis in idem previsto no art. 29.º da C.R.P., já que, em seu entender, a prática de crimes origina uma tripla condenação, suscitando, além do mais, uma sobreposição da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados com a medida de cassação do título de condução, com base no mesmo facto, o que não se mostra possível

Termos em que requer, a final, que seja dado provimento ao recurso de impugnação judicial por si interposto com as legais consequências

Não arrolou testemunhas, nem juntou documentação - [cf. fls. e ss.] * Cumprido o art. 64.º, n.º2 do R.G.C.O., o arguido/recorrente deduziu oposição para que o seu recurso de impugnação judicial fosse decidido por simples despacho nos termos permitidos pelo art. 64.º, n.º1 do mesmo diploma legal (cf. fls. ), razão pela qual se realizou audiência de julgamento com cabal observância do legal formalismo. * II – SANEAMENTO O Tribunal é competente. Inexistem outras questões prévias ou nulidades que obstem ao conhecimento do mérito e de que cumpra desde já conhecer

A instância mantém-se válida e regular, nada obstando ao conhecimento do mérito da causa. * III ¯ FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A) Dos Factos Provados Com relevância para a boa decisão da causa [tendo-se expurgado a matéria conclusiva, probatória e de direito alegada pelos sujeitos processuais quer na decisão da autoridade administrativa sob censura quer no instrumento de impugnação judicial apresentado pelo arguido, a qual será tida em sede própria], consideram-se provados os seguintes factos: 1. Processo crime n.º 7/18.1SPLSB a) Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa – Juiz 3 - da Comarca de Lisboa; b) Crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por infração ao n.º 1 do artigo 292.º do Código Penal, praticado em 13/01/2018; c) Sentença judicial proferida e notificada ao arguido em 30/05/2018; d) Trânsito em julgado da sentença em 18/06/2018, nos termos do artigo 411.º do Código de Processo Penal; e) Perda de seis pontos, nos termos do artigo 148.º, n.º 2 do Código da Estrada; f) Pena acessória de inibição de conduzir pelo período de 4 (quatro) meses

  1. Processo crime n.º 243/19.3GBSSB a) Juízo de Competência Genérica de Sesimbra – Juiz 2 - da Comarca de Setúbal; b) Crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por infração ao n.º 1 do artigo 292.º do Código Penal, praticado em 31/03/2019; c) Sentença judicial proferida e notificada ao arguido em 10/04/2019; d) Trânsito em julgado da sentença em 20/05/2019, nos termos do artigo 411.º do Código de Processo Penal; e) Perda de seis pontos, nos termos do artigo 148.º, n.º 2 do Código da Estrada; f) Pena acessória de inibição de conduzir pelo período de 6 (seis) meses

  2. O arguido está divorciado

  3. O arguido exerce a actividade de empresário do ramo de venda de automóveis, no âmbito da qual necessita da sua carta de condução, além dela carecer também para os seus afazeres familiares

  4. Como habilitações literárias, o arguido tem o curso de Gestão Bancária. * Factos Não Provados Com relevância para a boa decisão da causa, inexistem factos por provar. * Motivação da Decisão da Matéria de Facto e Exame Crítico da Prova Produzida Neste domínio, deve dizer-se que a convicção do Tribunal assentou na análise crítica da prova documental constante dos autos, tudo devidamente apreciado com base nas regras da experiência comum e da livre convicção do julgador – [art. 127.º do C.P.P., aqui aplicável ex vi do art. 41.º, n.º1 do R.G.C.O.] Vejamos então, em detalhe, como os diversos meios de prova produzidos, contribuíram para a formação [positiva e negativa] da convicção do Tribunal, relativamente aos factos relevantes para a boa decisão da causa

    É que a decisão judicial, para além de dever conter a indicação dos factos provados e não provados e a indicação dos meios de prova, há-de conter, também, «os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituíram o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse no sentido de considerar provados e não provados os factos da acusação, ou seja, ao cabo e ao resto, um exame crítico, sobre provas que concorrem para a formação da convicção do tribunal num determinado sentido» - [Ac. STJ, de 13-02-92, CJ, Tomo I, p. 36, e Ac. TC, de 02-12-98, DR na Série de 5-03-99] * b) DA INDICAÇÃO DOS MEIOS PROBATÓRIOS OFERECIDOS PELOS SUJEITOS PROCESSUAIS Ao nível da prova documental foram oferecidos pelos sujeitos processuais os seguintes documentos de fls. dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzida para os legais efeitos

    Atendeu-se ainda ao depoimento prestado pelo arguido/recorrente em sede de audiência de julgamento. * c) DA MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO E ANÁLISE CRÍTICA DOS MEIOS PROBATÓRIOS EM ESPECIAL Assim, e quanto aos factos dados como provados vertidos nos pontos 1) e 2), deve esclarecer-se que o tribunal alicerçou a sua convicção com base na análise crítica da prova documental junta aos autos, a fls. e ss., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. Ademais, o arguido, ouvido em sede de audiência de julgamento, outrossim confirmou tal factualidade. * Por sua vez, os factos dados como provados vertidos nos pontos 3) a 5) colheram a sua demonstração com base nas declarações prestadas pelo arguido em sede de audiência de julgamento. * IV ¯ FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Análise Jurídica do CASO SUB JUDICE Nos presentes autos, a autoridade administrativa, no âmbito do procedimento autónimo de cassação n.º 783/2019, decretou a cassação do título de condução do arguido (…)

    Analisados os termos do recurso de impugnação judicial interposto pelo arguido, cumpre, desta feita, apreciar se a matéria de facto dada como provada justifica tal cassação do seu titulo de condução

    Importa, porém, aduzir algumas considerações jurídicas quanto ao objecto do recurso de impugnação judicial e, bem assim, ao sentido e alcance do nosso poder cognitivo na apreciação do mesmo

    Com efeito, estabelece o art. 59.º, n.º3 do DL n.º433/82 (R.G.C.O.), que «o recurso deve constar de alegações e conclusões», sendo aqui aplicáveis outrossim os preceitos reguladores do processo penal, por força do disposto no art. 41.º, n.º1 do citado diploma legal

    De acordo com o disposto no art. 412.º, n.º1 do Cód. Proc. Penal, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido

    Neste domínio, ensinam Manuel Leal-Henriques e Manuel Simas Santos [Recursos em Processo Penal, 5.ª Ed., 2002, p. 93], que «As conclusões fazem parte integrante da motivação e dela são inseparáveis, pois que lhes é conferida a função delimitarem o objecto do recurso, sem prejuízo de conhecimento oficioso, por banda do tribunal superior, de outras questões nelas não inscritas»

    Destarte, as questões a decidir são as fixadas e (de)limitadas pela recorrente, através das conclusões do seu instrumento de recurso de impugnação judicial, em conjugação com a motivação, sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso

    Por outra banda, importa desde já enfatizar que o dever de fundamentar uma decisão judicial constitui uma decorrência, em primeiro lugar, do disposto no art. 205.º, n.º1 da C.R.P., segundo o qual: «As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei»

    No entanto, tal dever de fundamentação, no âmbito do processo penal (e contra-ordenacional, por força do art. 41.º, n.º1 do R.G.C.O.), e na perspectiva do arguido, surge, igualmente, como uma das suas garantias constitucionais de defesa, expressas no art. 32.º, n.º1 da C.R.P.

    Tal implica que, ao proferir-se uma decisão judicial, se conheça as razões que a sustentam, de modo a aferir-se se a mesma está fundada na lei. É isso que decorre expressamente do disposto no art. 97.º, n.º4 do Cód. Proc. Penal, ao estabelecer que: «Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão»

    Tratando-se de sentenciamento por tribunal de 1.ª instância ou deliberação de tribunal superior, a correspondente decisão está ainda sujeita a requisitos específicos, enunciados no art. 374.º, 375.º e 376.º, para a primeira, e 425.º para o segundo, mas ambas as decisões sujeitas ao crivo da nulidade da previsão do art. 379.º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Penal, sendo ainda...

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