Acórdão nº 1381/15.7TDLSB.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 12 de Janeiro de 2021
Magistrado Responsável | VIEIRA LAMIM |
Data da Resolução | 12 de Janeiro de 2021 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa: Iº 1. No Processo Comum (Tribunal Coletivo) nº1381/15.7TDLSB, da Comarca de Lisboa (Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 12), o Ministério Público acusou F. e J. , imputando-lhes, em co-autoria, um crime de burla qualificada e ao F. , ainda, em autoria material, quatro crimes de abuso de cartão de garantia ou de crédito.
Por despacho de 12-05-2020, foi determinada a separação de processos em relação ao arguido J. .
Após julgamento, por acórdão de 7Julho20, o tribunal decidiu: “...
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Declarar extinta a responsabilidade criminal do arguido F. , nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 221, n.ºs 1 e 4 e 116, nº2, do Código Penal e artigo 51, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, em que é ofendido MR .
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Declarar extinta a responsabilidade criminal do arguido F. , quanto aos factos imputados contra MV , por carecer o Ministério Público de legitimidade para promover o processo, de acordo com o disposto nos artigos 221, n.ºs 1 e 4 e 113, nº 1, do Código Penal e 48.º e 49.º do Código de Processo Penal.
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Absolver o arguido F. de 1 (um) crime de burla qualificada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal, pelo qual vinha acusado.
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Condenar o arguido F. pela prática, em concurso real e efectivo: - de um crime de burla informática, previsto e punível pelo artigo 221.º, n.ºs 1 e 5, al. a), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão (relativa aos factos apurados da GCI, S.A.).
- de um crime de burla informática, previsto e punível pelo artigo 221.º, n.ºs 1 e 5, al. a), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão (relativa aos factos apurados de JH ).
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Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares, nos termos do artigo 77.º do Código Penal, ponderando os limites abstractos e a personalidade do arguido, condenar pela prática dos 2 (dois) crimes acima descritos, o arguido F. na pena única 3 (três) anos de prisão.
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Suspender a execução da pena de prisão em que vai o arguido F. condenado pelo correspondente período da pena de prisão (3 anos), subordinada ainda ao cumprimento do seguinte dever imposto (cfr. artigos 51.º, n.ºs 1, al. a) e b) e 52.º, do Código Penal): ao pagamento pelo arguido F. de € 3.000,00 (três mil euros), montante que deverá ser depositado à ordem dos presentes autos até ao termo do período da suspensão, devendo o arguido no termo de cada ano do prazo da suspensão da execução da pena, depositar as parcelas de € 1.000,00 (mil euros) cada. Sendo que tal quantia satisfeita, será dedutível no montante da indemnização arbitrada ao ofendido AB .
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Julgar o pedido de indemnização cível deduzido pelo demandante AB , parcialmente procedente por parcialmente provado, e consequentemente condenar o arguido e demandado F. , no pagamento ao demandante da quantia global de € 29.107,00 (vinte e nove mil cento e sete euros), absolvendo-se o demandado do demais peticionado pelo demandante.
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A presente indemnização vencerá juros moratórios, à taxa legal, contados a partir da data da notificação para contestar e, os entretanto vencidos, até integral e efectivo pagamento (cfr. artigos 566.º, n.º 2, 805.º e 806.º, todos do Código Civil).
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Absolver o arguido F. do pedido de indemnização civil deduzido pela assistente EACCUnipessoal, Ld.ª.
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Determinar ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 8.º da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro, a recolha de amostra de vestígios biológicos destinados a análise de ADN ao arguido F. , com os propósitos referidos no n.º 3 do artigo18.º, do mesmo diploma legal, caso não conste ainda o seu perfil da base de dados.
….”.
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Desta decisão recorre o arguido F. , motivando o recurso com as seguintes conclusões: 2.1 O Recorrente não se conforma com a medida da pena aplicada, não pretende controverter os factos provados, antes sim protestar contra a concreta pena que lhe foi aplicada 2.2 Não foram valorados a ausência de antecedentes criminais por parte do arguido.
2.3 O arguido penitencia-se por ter saído da empresa TC na altura errada, mas mais se penitencia por ser condenado por factos que não cometeu, muito menos pagar o que lhe é exigido em parte pelo seu sócio e mais tarde único sócio daquela empresa, e ser essa a única prova crucial no desfecho deste processo judicial, pois: … l) Assim, sem conceder e lamentando o desfecho do julgamento em que interveio na qualidade de arguido, o recorrente não se conforma com a medida da pena aplicada, por estar inocente e por a considerar desproporcionada, ao ato que foi a final condenado e que não cometeu.
2.4 A aplicação da pena visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (art.º 40º n.º 1 do Código Penal ) 2.5 A medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa (art.º 40º n.º 2 do CP ); 2.6 Na determinação da medida da pena deve-se atender às circunstancias, que não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor e/ou contra o agente ( art.º 71º do CP ); 2.7 Deve prevalecer a reeducação e aculturação do infrator às regras da convivência e observância dos parâmetros regulamentadores em que expressa o tecido comunitário organizado segundo modelos sociais devidamente estabilizados e aceites.
2.8 O Recorrente afirma o seu lamento, e a sua vontade de uma melhor justiça, manifestando um comportamento equilibrado e responsável consigo próprio e com a família, manifestando alguma preocupação com as consequências de uma condenação.
2.9 Motivos pelos quais se confia que V.Exas., corrigirão a injustiça e desproporcionalidade da pena aplicada, pois o seu sócio na altura em que laborava na empresa, e mais tarde único socio gerente, para além de ter ficado isento de responsabilidades, (o que é incompreensível), ainda lhe pede indemnização por valores que pagou ao circulo de amigos e clientes da empresa, ficando de fora como se nada se tivesse passado, numa empresa que era dita sua, mas que as responsabilidades eram do arguido.
2.10 e que só por má fé o ofendido/demandante civil, ao iludir o Tribunal, tentou subjugar o que através dos dados aplicáveis e do conjunto de factos dados como provados e não provados, servirão para acautelar bens jurídicos mais importantes, nessa casa da Justiça 2.11 Ao não relevar os aspetos mencionados no articulado que antecedem nas presentes conclusões, a douta sentença de que se recorre, não respeitou o estatuído nos artigos 40º e 71º do Código Penal.
2.12 A medida da pena extravasa, o que no entender do Recorrente seria suficiente para garantir a tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias.
2.13 Por exagerada, a medida da pena aplicada pode até prejudicar as exigências e a reintegração do agente na sociedade.
2.14 Não pode haver justiça se a mesma levar à injustiça.
Termos em que dando V.Exas., provimento ao presente recurso deverão absolver de pena o Recorrente, bem como da indemnização ao demandante civel.
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Admitido o recurso, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, o Ministério Público e o demandante responderam, ambos concluindo pelo seu não provimento.
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Neste Tribunal, a Exma. Srª. Procuradora-geral Adjunta aderiu à resposta do Ministério Público em 1ª instância e concluiu pelo não provimento do recurso.
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Realizou-se a conferência.
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O objeto do recurso, tal como se mostra delimitado pelas respectivas conclusões, reconduz-se à apreciação da medida da pena e pedido de indemnização civil.
* IIº A decisão recorrida, no que diz respeito aos factos provados, não provados e respectiva fundamentação, é do seguinte teor: Matéria de facto Provada: Apreciada a prova produzida em audiência resultaram provados os seguintes factos, com relevância e pertinência para a boa decisão da causa, sendo os restantes factos alegados irrelevantes, conclusivos e/ou questões de direito: 1.
A “TC , Lda.” (doravante denominada apenas por “TC ”) era uma sociedade por quotas, com sede na Rua …, em Lisboa, e que tinha por objecto social o exercício da actividade de agência de viagens e turismo, prestação de serviços de reserva de hotéis e bilhetes de avião, organização de excursões e operador turístico.
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A referida sociedade tinha como gerentes, no ano de 2015, o arguido F. , AB e SC .
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O arguido F. era o único que exercia tais funções de facto, o que começou, em data concretamente não apurada, mas anterior 2013, vindo a ser designado gerente de direito em Junho de 2014.
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Com efeito, era aquele arguido que se encontrava diariamente nas instalações da TC , que contactava directamente com os clientes e fornecedores.
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A sociedade obrigava-se, porém, mediante a assinatura de dois dos seus gerentes.
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No âmbito de tais funções F. tinha, além do mais, acesso aos dados dos cartões de crédito dos clientes da TC , os quais eram por estes fornecidos para efeito de pagamento das reservas e passagens aéreas adquiridas.
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Assim, no dia 4 de Novembro de 2014, MR contactou a TC , na pessoa de F. e solicitou a reserva de uma viagem, de ida e volta, entre o Brasil e o Luxemburgo, tendo sido informado que o valor a liquidar seria de 1.020,00 euros.
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Para o efeito, aquele forneceu os dados do cartão de crédito por si titulado, com o n.º5232.8405.0134.1471, junto do Banco Itaú de Curitiba.
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Porque o arguido informou o MR de que o seu cartão não havia sido aceite o mesmo forneceu os dados do cartão de crédito titulado pela sua mãe, AS , com o n.º5149.4502.2165.0078, junto do mesmo Banco.
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Em dia não concretamente apurado de Novembro de 2014 o arguido F. , confirmou a MR que o pagamento da viagem solicitada tinha sido efectuado mediante a utilização do cartão de crédito id. em 8.º.
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O arguido F. utilizou os dados do cartão de crédito de MR para efectuar os seguintes pagamentos a favor da TC : - no dia 26/11/2014 – 220,00 euros; - no dia 26/11/2014 – 1.020,00 euros; - no dia 27/11/2014 – 1.020,00 euros; - no dia 27/11/2014 – 1.020,00 euros, tudo no valor global de 3.280,00 euros.
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